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O CANSAÇO DOCENTE COMO CONSEQÜÊNCIA DA BUSCA PELA PRODUTIVIDADE

ACADÊMICA: A AÇÃO DO DOCENTE NO ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO NA UFRN

O CANSAÇO DOCENTE COMO CONSEQÜÊNCIA DA BUSCA PELA PRODUTIVIDADE

Ao conversar com os professores sobre suas fragilidades e sucessos no cotidiano de seus trabalhos como professores, o cansaço das muitas atividades simultâneas do dia-a-dia torna-se um dos aspectos importantes a serem ressaltados nesta tese.

Diante do cenário da atualidade do Ensino Superior, o docente encontra-se diante do dilema de precisar se dedicar mais às atividades de ensino, pesquisa e extensão. Mesmo que a atuação ainda ocorra de forma fragmentada, aquelas podem ser consideradas atividades

complexas, que exigem esforço e grande investimento de tempo para que possam ser realizadas.

Conforme análise das entrevistas, o cansaço se torna presente na fala de todos os professores, pois embora não exista uma obrigatoriedade para o cumprimento de todas as atividades explicitamente, implicitamnte o professor percebe que a produtividade é um critério de obtenção de bolsas, de possibilidades de investimentos de instituições em seus trabalhos, e até mesmo para que sejam mais respeitados institucionalmente: “sei que tem pessoas que não entendem o fato de que eu só possa ensinar e não fazer pesquisa, nem extensão. As vezes ouço críticas que sei que é comigo, percebo que quem tem pesquisa, quem vive aqui dentro, tem maior respeito na universidade”, explica Flávia.

Independente da que carga horária dedicada à universidade, os professores com dedicação exclusiva também demonstram estarem cansados diante dos discursos sobre produtividade, como explica Lia, “às vezes me pego trabalhando o dia todo, até mesmo em casa”, o tempo que ela tem dedicado decorre do que ela chama de necessidade: “além de trabalhos para corrigir, de alunos para orientar e aulas para preparar, tenho escritos alguns artigos para publicação, se não produzir, nem bolsista consigo”. Apesar disso “é um prazer ser professora, mas tenho me sentido muito cansada, muito”, explica Lia.

Dentre essas atividades, a professora comenta: “não sei como faz quem não tem dedicação exclusiva, daqui da universidade não tenho forças pra mais nada”. César, por sua vez, com certo tom de descontração ao falar sobre sua rotina, expressa “não sei se é a idade chegando, mas não imaginava que iria ficar tão estressado”, o tom de descontração continua quando ele lembra sua própria trajetória para a docência “não chega a ser como o banco, mas aqui também deixa a gente bem atarefado”.

Esse cansaço sentido pelos docentes é oriundo da própria dinâmica da vida cotidiana, pois cabe ressaltar que o professor, como uma pessoa, não se limita às atividades decorrentes da universidade, por isso, o fenômeno do estresse, que tem atingido um grande numero de professores, é produzido por fatores diversos, sejam internos ou externos ao professor, podendo tornar-se um bloqueio diante das possibilidades de mudanças, obstáculos para que os professores consigam realizar o que está proposto, o que tem sido considerado pelo professor como uma necessidade.

Nesse sentido, não posso deixar de ressaltar a noção de que o professor está inserido em redes de relações e nelas, as relações de interdependência, de tensões, as autorregulações. Cada professor está vinculado às pessoas que o cercam, vínculos estes muitas vezes invisíveis, mas são laços afetivos, laços de trabalho, de propriedade. Mesmo assumindo diferentes papéis na sociedade e na universidade, como parte dela, na medida em que o cansaço passa a atingir os professores, consequentemente o trabalho com os colegas e com os próprios alunos, são sentidas as consequências desse fenômeno que tem gerado o que consideramos como uma contraprodutividade.

Nesse sentido, Cesar explica: “Eu ainda não me sinto cansado de ensinar não, acho que disso não vou me cansar nunca, é mais cansaço físico mesmo, e sei que o levo às vezes para a sala de aula”. Esse cansaço físico muitas vezes decorre do próprio ambiente em que vivemos, das sobrecargas de trabalho e responsabilidades a serem cumpridas em prazos estabelecidos, das situações inesperadas que ocorrem, o que nos causa muitas vezes sensações de pressão, tensões, dentre outras situações que são originadas de diversas fontes, em qualquer meio social em que estejamos inseridos.

Uma dessas pressões, muitas vezes, está presente nas relações entre os próprios alunos e professores. Henrique conta que “os alunos nos veem dando aula, mas não conhecem os bastidores, acham que falamos aquelas horas ali e pronto”. O professor conta que certa vez que, encontrando um ex-aluno recém-aprovado em concurso público, comentou que seria bom que o salário do professor fosse tão bom quanto era o do cargo para o qual o aluno tinha sido aprovado. Então, o aluno, com certa indignação, lançou o argumento de que tinha passado anos estudando dia e noite pra estar ali, enquanto o professor só falava por algumas horas durante a semana, passava os olhos em provas e estava com o trabalho feito.

Tal argumento, para Henrique, o deixou indignado “agora que existe pesquisa, tem os bolsistas que nos veem trabalhando, acompanham o nosso dia-a-dia e sabe como é difícil o exercício dessa profissão”, eles são os que entendem e sabem o quanto andamos cheios de trabalho, desabafa o professor.

Diante dessas considerações, Lia explica o cansaço que vive em seu cotidiano “O magistério é uma atividade cansativa demais, você não tem só as oito horas por dia aqui”. A

professora lembra: “também tenho família, tenho amigos, gosto de frequentar alguns lugares, tem hora que percebo que não estou conseguindo viver”.

Essa é uma das questões que busco evidenciar nesta tese, a compreensão de que vivemos em redes interdependentes, e de forma ambivalente assumimos diferentes papéis sociais que em conjunto caracteriza quem somos. Nossa identidade está atrelada às relações que estabelecemos com o outro, com o mundo e não temos como falar em ser professor e bacharel sem considerar que além da relação entre bacharelado e docência, também se fazem presentes os papéis de pai, filho, amigo, filiado, ou seja, assumimos diferentes papeis sociais simultaneamente.

Por isso, Lia fala num tom de desabafo que “essa rotina aqui está muito cansativa e não somos remunerados pela quantidade de trabalho que temos”. Quando pergunto sobre suas principais atividades na universidade ela explica que “você hoje tem a obrigatoriedade de ter ensino e pesquisa, onde você tem que produzir, você tem que dar aula, escrever, publicar, fazer pesquisa, extensão é opcional, mas a produtividade está sendo contada principalmente pelo ensino e pesquisa”.

Alem de explicar sobre o ensino e pesquisa, a professora conta que sempre leva trabalho para casa, dissertações, teses, monografias, além dos trabalhos avaliativos das turmas de graduação. Para ela, a continuidade dessa rotina está fazendo com que muitos não estejam aguentando e acabem precisando de licença a saúde: “isso merece uma grande pesquisa sobre o adoecimento coletivo dos professores na UFRN, isso por causa do peso muito grande que colocam em nós”.

O dilema vivido entre as necessidades externas à professora dos âmbitos federais e locais, assim como suas necessidades de vida fazem com que a professora viva em constante tensão, com a sensação de que: “saio como se tivesse devendo algo, sempre se lembrando das coisas que tenho pra fazer, isso é horrível”.

A professora explica ainda que “em cada semestre, na distribuição de disciplina, o que conta é a sala de aula. O CNPq e a CAPES nos cobra produção, a UFRN nos cobra sala de aula, quantas turmas, você vale pelas turmas que tem”. Nesse momento pode ser percebido o dilema a demanda que a professora deve atender, se às necessidades da instituição local ou às demandas externas, mas que também estão vinculadas ao crescimento da UFRN.

Diante das necessidades diferentes da UFRN e dos órgãos financiadores e gerenciadores da pesquisa e pós-graduação, é que surge o que consideramos como contraprodutividade, na medida em que “torna-se de certa forma incompatíveis as atividades, na hora que você está com uma grande pesquisa, você gastar todo o seu tempo em sala de aula de graduação, orientando monografia, é inviável”.

A graduação, nesse sentido, para a professora, atrapalha sua produtividade, pois “no mínimo o professor que está na Pós-graduação, deveria ficar só na Pós pra ele poder produzir, mas atender às duas demandas, à da instituição, que é uma demanda que não é gerada só aqui, e do CNPQ e CAPES, para poder corresponder às expectativas”.

Nesse sentido, a professora demonstra que alguma área pode ser penalizada, uma vez que não consegue fazer tudo o que deveria ser feito na graduação, na Pós-graduação e no desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão, por isso, como afirma a professora: “também vem a cobrança pela produção, pra manter a qualidade como se diz, e quem se envereda em ensinar e pesquisar não está fazendo bem, ou aguentando, está muito cansado e tendo problema de saúde”, desabafa a professora.

Já para Sophia, posso dizer que ela também se sente sobrecarregada: “eu não tenho mais tempo pra nada, a ponto de não ter coragem nem pra rever o que tenho feito”. Para a professora o cansaço é tanto que: “acabo repetindo o que já estava pronto, mas sei que isso é algo que preciso rever”.

Para Flávia, a relação com a própria profissão docente é estressante na medida em que “o professor tem que superar o tempo todo”, pois como conta a professora, “sempre tem um aluno com o prazer de querer diminuir o que o professor sabe”. Para Flávia, a necessidade de superação se acentua quando “por causa do desinteresse do aluno pela matéria tudo fica mais difícil, é algo pessoal meu buscar ensinar melhor”. Nessa busca constante por ser melhor professora, Flávia explica que “se não fosse a paixão por ser docente, eu já tinha desistido, é difícil, é estressante”.

O fator de estresse na docência, nos estudos de Contaifer, Bachion, Yoshida e Souza (2003), afirma que os estressores ocupacionais têm origem basicamente em duas fontes que se relacionam: de um lado estão as características pessoais do docente, considerando suas

trabalho, seja a remuneração, estilos de gestão, segurança, ambiente físico, clima organizacional, dentre outros.

Tais fatores podem ser agrupados em:

os intrínsecos ao trabalho: condições inadequadas, turno de trabalho, carga horária e quantidade de trabalho;

papéis estressores: papel ambíguo, funções conflituosas, grau de responsabilidade para com pessoas e coisas;

relações de trabalho: relações conflituosas com hierarquias, dificuldades de subordinamento, de relações interpessoais;

estrutura organizacional: estilos de gestão, falta de participação e comunicação entre seus pares, falta de condições de estrutura física e humana no ambiente de trabalho.

Diante desse quadro e de estudos realizados no ambiente acadêmico, percebe-se que existe uma grande ocorrência de situações estressantes que têm prejudicado o desempenho e a saúde do professor, colocando em risco o próprio desenvolvimento do ensino.

Um dos pontos acima relacionados torna-se frequente na medida em que os professores têm vivenciado, por anos, rotinas sobrecarregadas de cansaço, de estresse, fazendo com que muitas vezes sua saúde seja prejudicada, como explica Isadora: “tem época que fico com uma coisa atrás da outra, mas no final me levanto e volto pra cá, não consigo ainda me desligar daqui”.

Para Laura, seu cansaço é uma soma decorrente não apenas do seu trabalho como professora mas também como desembargadora: “além da quantidade de processos, tem os alunos ainda sem experiência de início de curso que tenho que estar dando maior atenção”. Luiza, por sua vez, ao falar do quanto está sobrecarregada, demonstra mais tranqüilidade com a abertura de concursos de 2009 “com esses concursos aí, quem sabe vem um reforço pra dividir nosso trabalho”.

Com relação aos fatores externos, ressalto que a estrutura organizacional da UFRN tem causado até mesmo o desestímulo de alguns professores em desenvolver qualquer atividade que dependa de equipamentos ou de outros funcionários: “eu já me estressei demais porque

marquei uma sala pra usar o data show e na hora não tinha como usar, por causa do funcionário da noite que não veio”, explica Eduardo.

Alberto também é um dos professores que tem se incomodado e, de certa forma, se cansado com relação às suas condições de trabalho: “não da pra entender uma universidade como a nossa que ainda limita um professor a quadro e giz”. Apesar de no setor de aulas teóricas I existirem salas de multimeios, ele explica: “eu já desisti de usar aquelas salas, sempre tem um problema, desde falta de extensão, ou mesmo de responsáveis para deixar pronto para o uso”.

Para o professor, “a docência universitária hoje passa por algumas dificuldades quanto à estrutura oferecida”. Alberto então expõe sua opinião sobre as soluções para os problemas estruturais da UFRN: “eu acho que assim como as antigas empresas públicas de telefonia, água, luz sempre cobraram pelos serviços, a universidade também deveria ser paga e melhorar a qualidade. Isso não a torna privatizada, como essas empresas antes não eram”.

Luiz, por sua vez, afirma que quando se discute sobre dificuldades de trabalho, a primeira coisa que vem à mente é a estrutura que precisa ser melhorada, todavia, ao comentar sobre seu cotidiano, ele explica: “estou me sentindo envelhecido por causa da profissão”. E ainda complementa, “apesar de não termos problemas de violência em sala de aula, eu me sinto mais cansado do que antes”.

Mesmo diante de todo esse cenário de cobranças e atividades a serem desenvolvidas, o que mantém o bacharel na carreira universitária? Os bacharéis sentem necessidade de formação para a docência? Partindo dessa questão, faz-se necessário discutir sobre o que tem mantido os bacharéis como professores na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e sua relação com a formação continuada na UFRN.

CAPÍTULO 8

O BACHAREL COMO FORMADOR E A FORMAÇÃO