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LEGITIMANDO-SE COMO DOCENTE

APRENDENDO A DOCÊNCIA NA EXPERIÊNCIA COMO ALUNO

Desde o início, o processo de escolarização e a convivência com professores e professoras permite que se criem imagens da profissão, a partir dos elementos que compõem as formas de ser daqueles que consideramos como bons ou maus professores, que nos servem de referência muitas vezes nas formas de ser e agir nesse campo profissional.

Para Henrique, quem faz um curso de bacharelado e, na graduação, não tem como ter formação para ser docente, aprende da seguinte forma: “[...] nós aprendemos a ser professor vendo os professores, é por imitação de como dar aula, como se comporta o professor, dentre outras coisas”, afirma o docente. Principalmente no início de sua carreira como professor, Henrique explica sobre o que conversava com outros colegas iniciantes: “muitas vezes

ficávamos lembrando como professor X dava aula, então vou fazer isso também. É assim que pensávamos de como nós deveríamos fazer”.

A experiência como aluno constitui-se como mais um elemento a ser acrescentando às mais diferentes formas de aprender sobre o ser professor, pois são conhecimentos imbricados em um todo complexo e dinâmico que está em múltiplas relações. Sendo assim, de acordo com Tardif e Raymond (200) os professores aprendem a como agir, de acordo também como suas experiências como alunos: “muita coisa que aprendi sobre ser professor foi na convivência com o professor que auxiliava, como monitora”, afirma Laura.

Todavia, ao ouvir o que diziam os bacharéis sobre aprender com os professores, lembrei de que, mesmo formada por um curso de licenciatura (Pedagogia), também recorri muitas vezes às lembranças de como meus próprios professores davam aulas, assim como as formas como planejavam, avaliavam, dentre outras atividades que vivenciei como aluna e considerei como momento significativo no meu processo formativo. Nesse momento, percebi como um professor pode marcar nas formas de agir de futuros professores.

Sobre isto, Pimenta (2007) explica que a experiência permite que os professores possam dizer quais foram os bons ou maus professores, os que considerávamos bons no conteúdo, mas muitas vezes não sabiam ensinar. Permite ainda que seja traçado o perfil dos bons professores, aqueles que foram significativos e contribuíram para a formação humana. Por meio das experiências socialmente acumuladas, sabemos um pouco sobre os estereótipos que a sociedade cria em torno dos professores, através das diferentes formas de comunicação; são criadas, dessas formas, muitas imagens sobre o ser professor.

Para Flávia, o inicio de sua docência como professora universitária não foi muito diferente: “No começo ficava nervosa, procurava as minhas anotações das aulas e os programas das disciplinas que tinha guardado para fazer os meus”, conta a professora, que se sentia insegura quando começou a ser professora e tinha que preparar o material da disciplina que lecionava.

Para ela, lembrar o que faziam os professores sempre foi uma válvula de escape para repetir ou não a forma de agir e ensinar naquela disciplina: “Sempre procurava me lembrar como me sentia como aluna, isso me ajuda até hoje a ser melhor professora”. Essa experiência como aluna e os modelos de professores que teve são mecanismos de aprendizado para ser

Essas falas conduzem à percepção de que, muitas vezes, não consideramos o quanto que os saberes que mobilizamos e empregamos em nossas ações como docentes são decorrentes da formação construída ao longo do tempo. Nesse sentido, o processo de formação docente precede as formações nos cursos de graduação. Na graduação se sistematiza, mas não suficientemente, pois no decorrer da prática, situações de trabalho nos direcionam à reelaboração e produção de outros saberes. Sendo assim, a formação docente é um processo contínuo, no qual não posso limitar aquela à formação institucional, que é imprescindível, mas não a única via de formação.

Assim, a aprendizagem que decorre da observação da ação do outro, para Henrique, é uma das formas mais comuns de aprendizagem da docência: “pela minha experiência e pelos colegas, pela experiência administrativa que tenho como docente, como coordenador, administrador e administrado, aprendemos muito pelo exemplo”.

O professor exemplo ou bom professor pode ter sentidos distintos, já que o adjetivo bom ou mal são valores percebidos de diferentes formas e varia de uma pessoa para outra. Para Cunha (1989), a ideia de bom professor muitas vezes se associa ao profissional que “deu certo”. O que me chama atenção é que ao se remeterem às lembranças de como ensinar, os docentes elegem professores de Ensino Superior como exemplos, não considerando os professores da Educação Básica, com exceção de Isadora que teve a afetividade da relação com a mãe, professora, como exemplo maior: minha mãe foi a melhor fonte de aprendizagem de como ser como professora”.

Para os bacharéis, os professores de graduação são os mais marcantes, além daqueles que possuem uma vasta publicação ou experiências profissionais na área de formação deles, como podemos observar nas falas seguintes: “Existe um professor que é o papa na minha área, que sabe profundamente sobre o que fala, esse é um bom professor”, afirma Lia. “Uma vez assisti uma palestra que o que mais me chamou atenção foi a forma como ele conhecia o mercado, suas experiências, posturas. Naquela hora pensei: como queria ser assim!”, explica Raquel.

Essas professoras destacam como requisito principal o conhecimento específico da área em que atuam. Assim, a experiência é enfatizada na medida em que ambos os professores conhecem as temáticas e o mundo do trabalho, o que também pode ser visto na fala de Cesar, ao tentar explicar a diferença de um bom e um mau professor: “tive muitos

professores que pareciam viver fora da realidade, para mim esse é um exemplo de professor ruim”.

Cesar explica como faz para ser bom professor: “eu tento ser bom professor, contextualizando os conteúdos à realidade da profissão, fazendo atividades mais práticas que ajudem os alunos a relacionarem o que estão conhecendo com as formas de fazer”. Flávia, por sua vez, explica que: “geralmente quando você se torna professor, você se espelha em alguém que você considerou ser bom” e ainda: “me espelhei muito em um professor que admirei, ele sempre dizia que o verdadeiro mestre é quando os alunos o superam”.

Isso mostra que, além do reconhecimento profissional, a imagem do bom professor, segundo Cunha (1989), também decorre daquele que melhor possa responder às necessidades do aluno, da instituição; em dado momento esse professor terá maior probabilidade de ser considerado o melhor. Grillo (2000), por sua vez, acredita que o sentido de docência abrange o professor em sua totalidade, pois sua ação é reflexo do seu saber, do fazer e do ser, e isso significa que ele deve ter um compromisso consigo, com o aluno, com seus pares, com o conhecimento, com a sociedade e com sua transformação.

Para Grillo (2000) o estudo sobre a docência deve envolver quatro dimensões que, embora sejam distintas, estão em relação:

Dimensão pessoal: refere-se à que envolve as formas como o professor se relaciona com o grupo, seja na relação professor-aluno, seja na relação entre professores e instituição. Na relação professor-aluno é que se expressa de forma mais clara sua responsabilidade ética como professor;

Dimensão prática: corresponde às escolhas que o professor imprime na sua ação como docente. Se expressa nas formas de gerir as situações de aprendizagens;

Dimensão conhecimento profissional: corresponde ao conhecimento necessário ao professor para desenvolver suas atividades docentes, conhecimentos esses dos eixos científico, psicopedagógico, empírico, prático, dentre outros, sustentados pela reflexão crítica e, por último,

Dimensão contextual: decorre da capacidade de contextualizar o conhecimento, de levar a sala de aula para a comunidade e vice-versa. A formação cidadã, o aprofundamento de temas de estudos relacionados ao contexto social são ações desenvolvidas pelos docentes de forma prioritárias.

Essas dimensões relacionadas compõem o que se considera fundamental para um bom professor. Percebendo que os professores mais experientes, tornam-se significativos nos processos de formação docente, destaco o que Eduardo descreve como o problema da universidade hoje, “os novos profissionais como professores”: “os alunos mal recebem os diplomas e viram professores nas faculdades privadas ou substitutos nas federais. Ensinam com base em que?” questiona o professor.

De forma contraditória, pode ser visto, ainda, que ao mesmo tempo em que enfatizam a experiência de aluno como importante para a formação dos bacharéis como professores, os bacharéis reconhecem que ela não é suficiente para ser professor universitário, pois a experiência profissional é uma forte aliada nesse processo de maturação para ser professor. Esse problema apontado por Eduardo reflete o que todos os bacharéis defendem como elemento mais importante da formação docente: a experiência. Como ele explica: “não adianta falar do que não se conhece na realidade. Se eu não sou experiente na profissão, não sei do que estou falando na realidade”. Essa experiência para Eduardo corresponde à maturidade como profissional da área de formação, elemento essencial para a atuação como docentes universitários.

Nessa fala me remeto ao que Nóvoa (2009, p.36) defende sobre ensinar a ser professor a partir de “dentro da profissão”, pois esta formação deve se basear na aquisição de uma cultura profissional e, nela, os profissionais mais experientes tem um papel central na formação de novos profissionais.

Dessa forma, se faz necessário ser consideradas as relações com o saber, o contexto de trabalho e os condicionantes em que esses saberes são produzidos, pois “o saber é sempre o saber de alguém que trabalha com alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer” (TARDIF, 2002, p.11). Os saberes docentes têm origem na sua história profissional, nas experiências de vida, nas relações no trabalho com os atores que fazem parte do seu contexto social. Os professores, nesse sentido, são produtores de saberes, sujeitos do conhecimento, e assumem sua ação a partir dos sentidos por eles atribuídos à profissão.

Diante disso, concordo com Tardif (2000, p.119) ao definir os professores como atores competentes e sujeitos ativos cuja prática não se constitui somente como espaço de aplicação de saberes provenientes de teorias, mas consiste em um espaço de produção de saberes

específicos, oriundos dessa mesma prática. A experiência é um elemento essencial para a docência, como explica Eduardo: “os alunos saem do curso sem condições de ensinar outros, porque é preciso ter experiência”.

Todavia, mesmo sem ter como objetivo formar professores, Sophia explica que, no curso de Turismo, por exemplo, os alunos mal se formam e já esperam ser professores universitários, pois, como já dito na primeira parte desta tese, o mundo do trabalho não tem acolhido o bacharel em turismo de acordo com os objetivos de formação: “para os alunos é muito melhor começar como professores universitários do que como recepcionistas de hotéis”. Diante dessa necessidade de começar a carreira em uma função que consideram mais valorizado, ela afirma: “eles têm procurado a Pós-graduação, não para pesquisarem, mas já entram com o intuito de ensinar na universidade”.

Dessa forma, os alunos, de acordo com esses professores, muitas vezes saem dos cursos de graduação, ingressam nos cursos de Pós-graduação e geralmente já buscam oportunidades nas instituições privadas de Ensino Superior, ou mesmo concorrem a vagas como professores substitutos na UFRN.

Assim, ao iniciarem suas carreiras como docentes, sem conhecer o campo de trabalho específico de sua formação, cometem o que Eduardo chama de “o grande problema dos substitutos”. Para ele “o nível do curso baixou muito”, afirma o professor, sobre o período em que o curso de Direito era composto com um grande número de professores substitutos: “passamos uns dez anos numa situação crítica, muito grave, porque não se fazia concurso para efetivos na área”.

Essa queda no nível do curso, de acordo com o professor, deve-se ao fato de que “só tínhamos concurso pra substitutos e logicamente pela insignificância que pagavam não vinham pessoas qualificadas, então vinham os alunos”. Na UFRN, o valor pago para um professor substituto era muito inferior ao rendimento médio de um profissional da área, já atuante. Isso fazia com que muitos profissionais não se interessassem em ingressar como professores em jornadas de vinte ou quarenta horas, nas quais toda a carga horária é exclusivamente voltada para o ensino, acarretando a cada professor inúmeras turmas nos cursos de graduação.

anos, quando começavam a ter experiência, eram dispensados, ficando sem poder passar mais tempo”.

Esse tempo máximo para o exercício da docência por substitutos na UFRN decorre da legislação da própria instituição, na qual, em sua resolução mais atualizada, Resolução de No 058/2007-CONSEPE, de 20 de novembro de 2007, o Titulo I, Artigo 2º, inciso 2º dispõe que: “O professor substituto poderá ter seu contrato renovado por sucessivos períodos letivos até o prazo máximo de 24 (vinte e quatro) meses contados da sua contratação original”.

Sendo estipulado pela legislação este prazo para a função do professor substituto na UFRN, Eduardo considera esse prazo constituiria “uma experiência desastrosa para a universidade”, pois, de acordo com o professor, quando o substituto estivesse começando a se desenvolver melhor na docência “começava tudo de novo com outra pessoa, outro contrato de apenas dois anos, um ciclo sem fim de desqualificação”.

Essa observação não foi feita apenas por Eduardo, mas também por Lia, que considera que “a UFRN passou a ser o centro de treinamento de professores para as instituições privadas”. Isso porque a grande maioria dos substitutos contratados é oriunda da própria UFRN e, logo que termina o contrato de vinte e quatro meses “chegam novos pra aprender tudo de novo, e logo que estão cientes do processo, tem que ir embora”, explica com semblante indignado ao falar sobre o assunto.

A professora, explica ainda que “a figura do professor substituto é de um aluno estudioso geralmente que passa no concurso, mas temos que pensar que eles não têm a mesma experiência dos mestres e doutores”. Ela explica que, mesmo com a dificuldade de abertura de novos concursos, (antes dos anos de 2008 a 2010), a titulação mínima exigida era na maioria das vezes apenas a graduação: “Quem sai da graduação sem um mestrado e vai direto pro magistério não está preparado suficientemente pra serem professores”, argumenta a professora que, além da experiência, acrescenta a necessidade da obtenção de titulação em nível de Pós-graduação stricto sensu para ser docente universitário.

Com o REUNI e a abertura de concursos para professores das universidades federais, surge a esperança de melhoria nas condições do professorado dos departamentos: “nós tivemos uma queda considerável na qualidade do curso, coisa que só poderemos retomar agora com a chegada dos efetivos nos novos concursos”, explica Eduardo.

Diante do exposto sobre os problemas de alunos sem experiência ou titulação assumindo a docência universitária, reforço que, embora destaquem a experiência enquanto aluno como valiosa para aprenderem como ser professores, ela não seria suficiente, pois a experiência profissional é um fator imprescindível para ser professor de acordo com os professores entrevistados. É por meio da experiência profissional e da experiência cotidiana da ação como professor que a docência é legitimada, pois é por meio dela que ocorre o processo de interiorização necessária da ação docente.

O processo de filiação decorre não apenas dessa interiorização, mas ainda se faz necessário “mostrar competência de membro” (COULON, 1995, p.161) para se sentirem legítimos professores. Desta forma, os professores buscam expressar os saberes que são necessários para serem docentes, ressaltando a experiência como o centro dessa legitimação, como pode ser observado adiante.

A EXPERIÊNCIA FORMATIVA E OS SABERES DOCENTES: A RELAÇÃO DE