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ÓRGÃOS DE ACOLHIMENTO DO REFUGIADO NO BRASIL

3 REFÚGIO NO BRASIL: POLÍTICA NACIONAL E ÓRGÃOS DE

3.3 ÓRGÃOS DE ACOLHIMENTO DO REFUGIADO NO BRASIL

O Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE, foi criado pela Lei nº 9.474 de 1997, e é definido como “órgão de deliberação coletiva, no âmbito do Ministério da Justiça” (BRASIL, 1997).

Conta com um Regimento Interno que deve ser validado pelo Ministro do Estado de Justiça, e serve para regular a frequência das reuniões do comitê (BRASIL, 1997). É

composto de vinte artigos, que regulamentam, entre outras coisas, a composição, o funcionamento e as atribuições dos membros (ACNUR, [2014?]).

Segundo Barreto (2010), a existência de um órgão próprio para cuidar da proteção internacional aos indivíduos que sofrem perseguição é uma das maiores lições para que um país possa tratar do refúgio. Ainda segundo o autor, o funcionamento do comitê coexiste (órgão tripartite) entre o Governo, as Nações Unidas e a sociedade civil.

A composição do Conare se coaduna com os atores envolvidos no procedimento de solicitação do refúgio: compete à polícia federal realizar os trâmites; a sociedade civil colabora nas entrevistas e no apoio multidimensional aos solicitantes e refugiados e o Acnur coopera com ambos. (BARRETO, 2010, p. 136-137).

É de competência do CONARE, atendendo ao disposto na Convenção relativa aos refugiados (1951) e no respectivo Protocolo (1967), em conjunto com as fontes de direito internacional sobre o tema: examinar o pedido e anunciar o reconhecimento da condição de refugiado, em primeira instância; dispor sobre a suspensão da condição de refugiado, em primeira instância, de ofício ou por meio de solicitação das autoridades competentes; indicar a perda da condição de refugiado, também em primeira instância, além de comandar atividades que garantam segurança, assistência e suporte jurídico aos refugiados, e aprovar orientações normativas que sejam instrutivas quanto à aplicação da lei que regula o refúgio (BRASIL, 1997).

Barreto (2010) traz informações referentes ao artigo 12 (incisos I ao V) do Estatuto do Refugiado, que define a competência do Órgão.

Art. 12. Compete ao CONARE, em consonância com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e com as demais fontes de direito internacional dos refugiados:

I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado;

II - decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado;

III - determinar a perda, em primeira instância, da condição de refugiado; IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados;

V - aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução desta Lei.

Art. 13. O regimento interno do CONARE será aprovado pelo Ministro de Estado da Justiça.

Parágrafo único. O regimento interno determinará a periodicidade das reuniões do CONARE. (BRASIL, 1997).

[...] admite, desde o início, a existência de um recurso administrativo da decisão do órgão colegiado. Outro fator importante desse inciso é a definição de que a decisão do Conare tem efeitos declaratórios e não constitutivos. [...] Assim, ao chegar no Brasil e solicitar refúgio, estará o Conare decidindo pelo reconhecimento ou não da condição de refugiado, em ato administrativo declaratório, com efeitos ex-tunc, embora a proteção brasileira sobre o indivíduo, na prática, passe a existir com a decisão de reconhecimento. (BARRETO, 2010, p. 167).

Com relação ao inciso II, esclarece:

A cessação da condição de refugiado ocorre [....] quando as circunstâncias políticas ou sociais do país de origem retornarem à normalidade. [...] Mas é importante verificar que essa cessação não pode e não deve ocorrer de forma automática. Muitas vezes, após uma situação de ruptura institucional, política ou social, a normalização efetiva da situação de um país pode levar anos. Pode-se, também, estar diante de uma aparente normalidade que, todavia, não permite que indivíduos que foram diretamente perseguidos tenham condições de segurança para a repatriação. (BARRETO, 2010, p. 168).

Sobre o disposto no inciso III, informa:

A perda de condição de refugiado ocorre especificamente quando o indivíduo pratica atos que sejam contrários àqueles atos típicos de um refugiado ou, então, desrespeita as limitações impostas pela legislação aos refugiados. [...] com cautela e com amplo direito de defesa, o Conare pode determinar, em primeira instância, a perda de condição de refugiado de um indivíduo. (BARRETO, 2010, p. 169).

O citado no inciso IV, que estabelece a coordenação de ações, pelo comitê, que visem amparar, proteger e inserir os refugiados, segundo o autor:

[...] outorga competências amplas para orientar e coordenar ações que permitam uma ampla proteção aos refugiados, tais como a simplificação do reconhecimento de diplomas e a reintegração do indivíduo aos estudos. Nos primeiros meses da chegada do refugiado ao Brasil há necessidade de proteção mais intensa e mais específica. [...] No Brasil, o apoio jurídico é outorgado aos refugiados por meio de convênios com a sociedade civil, onde as Cáritas Arquidiocesanas contam com um corpo de advogados que ajudam os refugiados na própria solicitação de refúgio, nos recursos e demais providências de documentação e integração. (BARRETO, 2010, p. 169- 170).

Por fim, quanto ao determinado no inciso V, indica:

Outorga certo poder normativo ao Conare para aqueles casos previstos em lei, mas sem regulamentação específica, e até mesmo solucionar casos omissos ou situações especiais, bem como disciplinar os procedimentos para recepção, proteção e integração dos refugiados no país. (BARRETO, 2010, p. 170).

A respeito da composição do CONARE, o quadro estrutural está definido de forma que contará com representantes do Ministério da Justiça, Ministério das Relações

Exteriores, Ministério do Trabalho, Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, do Departamento de Polícia Federal e um representante de organização não-governamental (BRASIL, 1997).

De seu comitê fazem parte: a) o Ministério da Justiça, que o preside; b) o Ministério das Relações Exteriores, que exerce a Vice-presidência; c) o Ministério do Trabalho e do Emprego; d) o Ministério da Saúde; e) o Ministério da Educação; f) o Departamento da Polícia Federal; g) a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e Rio de Janeiro (organização não governamental dedicada à atividade de assistência aos refugiados no país); e h) o ACNUR, com direito à voz, sem voto. Desde 2012, a Defensoria Pública da União – por meio de Memorando de Entendimento de Cooperação Técnica assinado com o comitê – participa de suas reuniões, também com direito à voz, sem voto. (MAZZUOLI, 2018).

No artigo 14 consta a figura do Ministério da Educação e do Desporto, no entanto, atualmente, com a divisão que gerou o Ministério da Educação e o Ministério dos Esportes, resta a questão sobre a participação de um e outro na organização do CONARE. Diante da situação, é possível vislumbrar que o legislador teve como objetivo permitir a cooperação do Ministério da Educação no comitê, considerando que a educação perpassa a proteção internacional que é concedida aos refugiados. Quanto ao Ministério do Esporte, é cabível dizer que, no caso, tratava-se de mera nomenclatura que à época acompanhou o nome do Ministério (BARRETO, 2010).

O §1º do referido artigo dispõe que o ACNUR será integrante convidado a participar das reuniões, e terá direito a voz, mas não de voto. Na sequência, fica estipulado que serão nomeados pelo Presidente da República os membros do CONARE, por meio de indicações de órgãos e da instituição que o constituem. Ao Coordenador-Geral caberá organizar os processos referentes ao requerimento de refúgio e reuniões (BRASIL, 1997).

Barreto (2010), pontua outras diversas funções do Coordenador-Geral do órgão:

Na prática, cria uma secretaria administrativa do colegiado com várias funções, dentre as quais manter arquivo atualizado dos países em crise humanitária ou política em todo o mundo; formula cronograma de capacitação para os próprios membros do Conare e para os funcionários do Estado que, em razão de suas funções, lidam com os assuntos inerentes aos refugiados e precisam estar devidamente capacitados para tal função; é a responsável pela realização das entrevistas com os solicitantes de refúgio; prepara as reuniões do órgão, assim como formula as atas; promove a instrução dos processos levados à decisão do Conare; analisa os recursos; realiza os diálogos com os parceiros do Conare e fornece orientação a todos os conselheiros sobre o tema do refúgio. A secretaria funciona no Ministério da Justiça, dentro da estrutura da Secretaria Nacional de Justiça. (p. 173).

O artigo 15 estabelece que a cooperação no CONARE é considerada uma tarefa significativa, mas os membros não serão remunerados para tanto. Quanto às decisões (artigo

16), com o quórum de quatro membros com direito a voto, serão definidas por maioria simples e, em caso, de empate, o voto do Presidente do CONARE será o decisivo (BRASIL, 1997).

Na Lei de Migração e no seu Decreto Regulamentador, constam diversas atribuições ligadas à situação do migrante internacional que são de incumbência da Polícia Federal, inclusive a de fiscalização nas fronteiras (artigo 38 da lei mencionada) (BRASIL, 2017a).

Está previsto na Constituição Federal que a segurança pública, mais especificamente a atuação como guardião de fronteiras, estará sujeita à Polícia Federal (BRASIL, 1988). E, como já visto, do mesmo modo estão estipuladas no Estatuto do Refugiado (lei nº 9.474/1997) determinações que dizem respeito às funções próprias desse Departamento.

A atuação da repartição tem início, em se tratando de refugiados, no momento em que for manifestada pelo estrangeiro a vontade/necessidade de entrada e da permanência, e consequente regularização de sua condição como tal em território brasileiro, conforme previsão no artigo 9º do referido Estatuto (BRASIL, 1997). A Resolução Normativa nº 18 do CONARE também trata do assunto.

É parte integrante do quadro dos órgãos de acolhida ao refugiado, o ACNUR, que, entre suas funções:

[...] contribui para a formulação das políticas sobre refúgio e das normas que esclarecem os termos da legislação nacional sobre o tema. Para garantir a assistência humanitária e a integração dos refugiados no Brasil [...] implementa projetos com organizações da sociedade civil em diferentes cidades do país, contando ainda com parcerias no setor privado e na academia para ampliar o apoio às populações sob seu mandato. (ACNUR, [2016?b]).

O Conselho Nacional de Imigração (CNIg), com atribuições voltadas para a esfera trabalhista, tem como designação, “[...] o papel, por determinação legal, de debater e definir normas e outros temas afetos à imigração laboral e a proteção dos trabalhadores imigrantes no País” (BRASIL, 2018k).

O Conselho Nacional de Imigração, a saber:

[...] é instância de articulação da Política Migratória Brasileira, em especial da Política de Migração Laboral, por meio de diálogo permanente com a Sociedade Brasileira. [...] é um órgão tripartite, presidido pelo Ministério do Trabalho e composto por representantes do Governo Federal, das centrais sindicais de trabalhadores, das confederações patronais, da comunidade acadêmica, além de contar com a participação de observadores [...] (BRASIL, 2018k).

Com relação ao tema, é válido mencionar que o Decreto nº 9.360, de 2018, no anexo I (estrutura regimental do Ministério da Justiça), artigos 11 e 13, estipula:

Art. 11 A Secretaria Nacional de Justiça compete: [...]

V - coordenar, em parceria com os demais órgãos da administração pública, a formulação e a implementação das seguintes políticas:

a) política nacional de migrações, especialmente quanto à nacionalidade, à naturalização, ao regime jurídico e à migração;

b) política nacional sobre refugiados;

c) política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas; d) política pública de classificação indicativa; e

e) políticas públicas de modernização, aperfeiçoamento e democratização do acesso à justiça e à cidadania; (BRASIL, 2018l).

Quanto ao setor de migrações estabelece:

Art. 13. Ao Departamento de Migrações compete:

I - estruturar, implementar e monitorar a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia;

II - promover, em parceria com os órgãos da administração pública federal e com as redes de atores da sociedade civil, a disseminação e a consolidação de garantias e direitos dos migrantes e dos refugiados, nas áreas de sua competência;

[...]

IX - fornecer apoio administrativo ao Comitê Nacional para os Refugiados; e X - receber, processar e encaminhar assuntos relacionados ao tráfico de migrantes. (BRASIL, 2018l).

Da leitura dos trechos acima é possível perceber que a Política Nacional de Migrações está vinculada e é delegada a algumas repartições, por se tratar de relevante aspecto no contexto de migração. Mas o que de fato existe hoje é uma Política Nacional de Migrações a ser consolidada. Com a Lei de Migração, certamente o caminho foi encurtado, afinal são vinte e dois princípios estampados como diretrizes, que inclusive ampliaram a proteção aos estrangeiros, de um modo geral e delimitaram questões antes pendentes. Possivelmente, a fixação da Política Migratória envolverá um delineamento feito pelos órgãos atuantes na área, a partir da intensificação de certas demandas ou até mesmo pela necessidade de regular problemáticas.

Em 2017, a publicação intitulada “Visões do contexto migratório no Brasil”, feita em conjunto pela Organização Internacional para Migrações e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, apresentando parte dos resultados da Carta Acordo: “Política de Migração e Refúgio do Brasil Consolidada” (que faz parte de atividades de projeto mantido

pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, a Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) ouviu trinta e nove atores, incluídos sociedade civil, atores governamentais, organizações governamentais, iniciativa privada, academia e associações de migrantes. No quesito autoridade migratória, a maioria reconhece que atualmente a Polícia Federal é uma das principais autoridades migratórias. Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores e Ministério do Trabalho também foram citados (TORRELY et al, 2017).

3.4 ANÁLISE SOBRE A RECEPÇÃO DOS REFUGIADOS PELO BRASIL E A