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Direitos humanos, direito de migrar e a política brasileira para refugiados

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Academic year: 2021

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NAJLA ABDUL HAMID SULEIMAN

DIREITOS HUMANOS, DIREITO DE MIGRAR E A POLÍTICA BRASILEIRA PARA REFUGIADOS

Tubarão 2018

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NAJLA ABDUL HAMID SULEIMAN

DIREITOS HUMANOS, DIREITO DE MIGRAR E A POLÍTICA BRASILEIRA PARA REFUGIADOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade.

Orientadora: Prof.ª Dra. Milene Pacheco Kindermann.

Tubarão 2018

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AGRADECIMENTOS

Aos familiares, que tornaram esta caminhada possível.

Meu profundo agradecimento à querida professora Milene, que com sua sabedoria e bondade, me ensinou mais lições do que eu poderia imaginar.

E aos professores e amigos, que contribuíram com a minha formação acadêmica e pessoal.

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RESUMO

O trabalho monográfico teve como objetivo analisar a Política Brasileira para Refugiados, atualmente definida pela legislação brasileira, em especial quanto à recepção do refugiado. A pesquisa, de nível exploratório, guiou-se pelo método de abordagem dedutivo, e pela abordagem classificada como qualitativa. O procedimento utilizado para a coleta de dados, foi documental e bibliográfico, valendo-se da doutrina, bem como sites de instituições ligadas ao tema, acrescidas de fontes governamentais tanto de caráter normativo, quanto informativo. Antes da análise propriamente dita, a história dos Direitos Humanos no plano internacional foi estudada, percebendo-se uma evolução do plano nacional e isolada para o plano internacional com caráter universal; do reconhecimento dos direitos comuns a todos alcançou-se o reconhecimento dos direitos dos mais vulneráveis. A descrição da migração, como mecanismo de proteção internacional dos Direitos Humanos, foi feita, assim como a diferenciação do instituto do refúgio (proteção de pessoas perseguidas em virtude de nacionalidade, raça, religião, pertencimento a determinado grupo social e opinião política) e do asilo político (perseguidas por motivos políticos). As disposições acerca da migração, do refúgio e do asilo político na legislação brasileira foram apresentadas, incluídas as que constam na Nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017). A partir da pesquisa foi possível concluir que o Estatuto do Refugiado (Lei nº 9.474/97) continua sendo aplicado, e suas disposições, mesmo após promulgação da Nova Lei de Migração, continuam a vigorar. A nova Lei, no entanto, amplia as diretrizes que conduzem os migrantes, além de atribuir uma perspectiva humanitária à questão. Ainda que esteja elencada em um extenso rol de princípios, a estrutura da Política Migratória Brasileira não possui base sólida. Mas não implica dizer que medidas significativas não estejam sendo tomadas, no que diz respeito aos que ingressam no território nacional (com destaque para os refugiados e os que são recebidos pela acolhida humanitária).

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ABSTRACT

This monographic work aimed to analyze the Brazilian Refugee Policy, currently defined by Brazilian legislation, especially regarding refugee reception. The research, at the exploratory level, was guided by the deductive approach method, and by the approach classified as qualitative. The procedure used for data collection was documentary and bibliographical, using doctrine, as well as sites of institutions related to the topic, in addition of governmental sources of both normative and informative nature. Before the analysis itself, the history of Human Rights at the international plan was studied, noticing an evolution of the national plan and isolated to the international plan with a universal character; recognition of common rights to all was achieved by recognizing the rights of the most vulnerable. The description of migration, as a mechanism for the international protection of human rights, was made, as well as the differentiation of the refuge institute (protection of persecuted persons due to nationality, race, religion, membership of a particular social group and political opinion) and asylum (persecuted for political reasons). The provisions on migration, refuge and political asylum in the Brazilian legislation were presented, including those contained in the New Law of Migration (Law nº 13.445/2017). Based on the research, it was possible to conclude that the Refugee Statute (Law nº. 9.474/97) continues to be applied, and its provisions, even after promulgation of the New Migration Law, continue to apply. The new law, however, broadens the guidelines that guide migrants, as well as assigning a humanitarian perspective to the issue. Although it is listed in an extensive list of principles, the structure of the Brazilian Migratory Policy has no solid basis. But it does not mean that meaningful measures are not being taken with regard to those entering the national territory (especially refugees and those who are received by humanitarian reception).

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LISTA DE SIGLAS

ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados CNIg – Conselho Nacional de Imigração

CONARE – Comitê Nacional para os Refugiados ONU – Organização das Nações Unidas

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 10

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 10

1.2 JUSTIFICATIVA ... 11

1.3 OBJETIVOS ... 13

1.3.1 Geral ... 13

1.3.2 Específicos ... 13

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 13

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS .. 14

2 DIREITOS HUMANOS, REFÚGIO E MIGRAÇÃO ... 15

2.1 DIREITOS HUMANOS ... 15

2.2 DIREITO DE MIGRAR ... 24

2.2.1 A evolução do direito de migrar... 24

2.2.2 Tipos de migração ... 33

2.2.3 Migrações forçadas: o asilo e o refúgio ... 35

3 REFÚGIO NO BRASIL: POLÍTICA NACIONAL E ÓRGÃOS DE ACOLHIMENTO DO REFUGIADO ... 48

3.1 A LEI BRASILEIRA DE REFÚGIO (LEI Nº 9.474/1997 – ESTATUTO DO REFUGIADO) ... 48

3.2 O REFÚGIO E A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO ... 67

3.3 ÓRGÃOS DE ACOLHIMENTO DO REFUGIADO NO BRASIL ... 77

3.4 ANÁLISE SOBRE A RECEPÇÃO DOS REFUGIADOS PELO BRASIL E A POLÍTICA NACIONAL DE MIGRAÇÃO ... 83

4 CONCLUSÃO ... 88

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo monográfico tem como tópicos principais os Direitos Humanos, o direito de migrar e a forma como se dá a acolhida do refugiado em solo brasileiro. No desenvolvimento do trabalho, a explicação trazida, entre outras coisas, busca facilitar a compreensão acerca dos conceitos mencionados.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Os Direitos Humanos são direitos próprios do homem, como espécie humana, direitos que estão positivados no ordenamento interno e, no plano internacional, direitos que mesmo sem previsão legal são considerados direitos. Quando se fala na amplitude que têm hoje, é válido relembrar o momento em que a atenção internacional se voltou para o tema. No desenvolvimento deste estudo, as disposições históricas de maior relevância sobre o assunto serão abordadas.

A criação da Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 1945, foi reflexo das consequências obscuras que atingiram países e milhares de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar de terem existido organizações internacionais antes do seu surgimento, o fator definitivo para sua formação envolveu a necessidade sentida pela comunidade internacional de que a harmonia prevalecesse entre os países (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, [2015?]).

A partir daí, observou-se que a estruturação de direitos essenciais foi acontecendo, não de maneira simples, mas de modo a proporcionar a consolidação ao redor do mundo. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, traz uma série de definições que ocupam um lugar no topo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, ainda que se refira a um documento sem força vinculante, como será visto no desenrolar da pesquisa.

A abrangência dos Direitos Humanos é proporcional à antiguidade do fenômeno da migração. O deslocamento de indivíduos faz parte da história, no entanto, atualmente o assunto é destaque porque o índice de deslocamento forçado é um dos mais altos já registrados. A crise migratória afeta continentes e, a cada momento, o que parece ser uma onda de conflitos atinge determinada região.

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Em 2017, o número de pessoas deslocadas por guerras, violência e perseguições bateu um novo recorde pelo quinto ano consecutivo. Do total de indivíduos forçados a se deslocar, 25,4 milhões haviam cruzado fronteiras, tornando-se refugiados. Os números são do relatório anual Tendências Globais, divulgado [...] pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). (ONU, 2018a).

As oscilações no quadro econômico e político em certos casos não só dificultam, mas inviabilizam essa materialização. Por vezes, não apenas oscilações, mas considerando determinados regimes de governo, o processo num todo se dá de maneira atípica. Uma das consequências é a saída dos indivíduos para territórios estrangeiros, de maneira não espontânea, que se traduzem por migrações forçadas.

As migrações forçadas comportam dois institutos, o do asilo político e o do refúgio. No desenvolvimento desta pesquisa serão tratados os conceitos a esse respeito, definidos ao longo da história através de Tratados, Declarações e Convenções, e na própria regulamentação atual brasileira. O mesmo será feito com as figuras envolvidas durante o procedimento de acolhida relativa aos refugiados. Sendo assim, o questionamento a ser respondido ao longo deste trabalho é: De que maneira a política de migração, atualmente

definida pela legislação brasileira, é direcionada para o processo de recepção do refugiado?

1.2 JUSTIFICATIVA

O tema mostra-se relevante por estar ligado a um acontecimento recorrente, principalmente nos últimos anos, que atinge uma parcela da população mundial. O foco da presente pesquisa está nos indivíduos que saem de seu país por sofrerem os efeitos da violação dos Direitos Humanos, e buscam refúgio em outro país. Para esses migrantes internacionais, o Brasil é uma das escolhas possíveis e o estudo permite identificar quais são os mecanismos internos de que dispõe o Estado diante de tais casos.

Os Direitos Humanos, do modo como conhecidos hoje, são resultado de uma evolução que além de recomendações e obrigações advindas de documentos jurídicos, envolveu a participação efetiva dos Estados para o cumprimento em sua totalidade. A implementação se deu de forma gradual até o momento em que atingiu uma ordem universal. No entanto, a violação a esses preceitos, mesmo que não reflita a realidade total, ainda é sentida. O que implica dizer que, enquanto alguns países, por não oferecerem condições (mínimas) de sobrevivência, e acabam por gerar os migrantes internacionais, surge para outros a abertura de acolher os que necessitam. Pelo fato de não haver ainda a adoção das normas de Direitos Humanos integralmente por todos os países, nem tampouco haver a

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mesma cadência na implantação dessas normas, o tema se mostra como necessário para pesquisas e estudos.

Através desta pesquisa, é possível vislumbrar a gama de direitos que envolvem as migrações internacionais e adentrar no âmbito das políticas nacionais relacionadas, já que constituem um meio de conservar a dignidade (humana) dos indivíduos em questão. Existe no Brasil uma rede desenvolvida delineando a maneira como se dá o acolhimento, e o procedimento que define a permanência, se for o caso, do estrangeiro que necessita de refúgio. A legislação brasileira referente ao tema é conhecida por ser moderna e abrangente. Apesar disso, a sua aplicação é ainda recente, haja vista que o fluxo de refugiados e migrantes no Brasil só nos últimos tempos é que foi intensificado.

Dados da Polícia Federal indicam que no Brasil, entre 2011 e 2017, foram contabilizadas 126.102 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado (BRASIL, 2018a).

Recentemente houve a inserção de disposições conectadas ao tema no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, a Lei de Migração (Lei nº 13.445, de maio de 2017) e o seu Decreto Regulamentador (Decreto nº 9.199, de novembro de 2017). Considerando o fator temporal, pode-se dizer que os estudos a esse respeito ainda estão surgindo, o que torna a pesquisa pertinente para a comunidade acadêmica.

As razões que motivaram esta pesquisa são também de natureza pessoal. Na década de 1950, os avós paternos da pesquisadora se deslocaram da Palestina para o Brasil. Mesmo diante das dificuldades iniciais, típicas de um processo como esse, a perspectiva de um cenário melhor para viver foi o que garantiu e garante vida nova à família.

Por meio deste estudo, a ampliação dos conhecimentos acerca do instituto do refúgio e das garantias que cercam os que buscam tal proteção, permitem compreender como o Brasil atua na concretização do que se pode chamar de recomeço. A sabedoria adquirida com o estudo se complementa ao já visto em Direito Constitucional e Direito Internacional e possibilita que se reoriente a visão antes estabelecida, de modo que englobe tanto quanto o estudo permitiu.

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1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Geral

Analisar a Política de Migração, atualmente definida pela legislação brasileira, em especial quanto à recepção do refugiado.

1.3.2 Específicos

Identificar como se deu a afirmação dos Diretos Humanos no plano internacional. Caracterizar a migração como mecanismo de proteção internacional dos direitos humanos.

Identificar os aspectos que diferenciam o instituto do refúgio e o asilo político. Levantar as disposições acerca da migração, do refúgio e do asilo político na legislação brasileira.

Verificar a Política Nacional de Migração e as atribuições dos órgãos responsáveis, desde a recepção até a regularização da condição dos migrantes, em especial dos refugiados.

Avaliar como a legislação reflete a política de migração de refugiados.

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Quanto à metodologia empregada, o método de abordagem utilizado é o dedutivo que, segundo Bittar (2016, p. 34) “corresponde à extração discursiva do conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a hipóteses concretas”.

O método de procedimento evidencia o caráter monográfico, que se caracteriza por ser “[...] aquele que analisa, de maneira ampla profunda e exaustiva, determinado tema-questão-problema” (MOTTA, 2012, p. 98).

Com relação ao nível da pesquisa, pode ser classificada como exploratória. Para Kochë (2009, p. 126), é objetivo dessa pesquisa “[...] descrever ou caracterizar a natureza das variáveis que se quer conhecer”, também define que, “na pesquisa exploratória não se trabalha com a relação entre as variáveis, mas com o levantamento das variáveis e da sua caracterização quantitativa ou qualitativa”.

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Quanto à abordagem, a pesquisa é definida como qualitativa. Rodrigues (2006, p. 90) conceitua como sendo aquela que: “é utilizada para investigar problemas que os procedimentos estatísticos não podem alcançar ou representar, em virtude de sua complexidade”.

Em relação ao procedimento da pesquisa, configura-se como bibliográfica e documental. De acordo com Kochë (2009, p. 122), a pesquisa bibliográfica “é a que se desenvolve tentando explicar um problema, utilizando o conhecimento disponível a partir das teorias publicadas em livros ou obras congêneres”. Conforme Motta (2012, p. 60), “[...] decorre da leitura, análise e interpretação de fontes secundárias: livros, revistas, jornais, monografias [...]”. A pesquisa documental, por sua vez, “[...] baseia-se em fontes primárias: documentos oficiais, parlamentares, jurídicos, arquivos particulares [...] a análise dos documentos propõe-se a produzir ou reelaborar conhecimentos [...] (MOTTA, 2012, p. 63).

Para o desenvolvimento do estudo são utilizadas as Convenções, Tratados e Declarações, além da Legislação pátria e dados estatísticos obtidos on-line, por meio de sites de instituições governamentais e não-governamentais, considerados fontes primárias. E as fontes bibliográficas, assim como artigos e/ou reportagens em periódicos impressos e/ou on-line, classificadas como fontes secundárias.

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS

A estrutura dos capítulos, na etapa de desenvolvimento do estudo, está dividida de maneira que o segundo capítulo versará sobre a origem e os fundamentos dos Direitos Humanos; a migração, como movimento secular, e suas formas; e as especificidades do instituto do refúgio e do asilo político.

No terceiro capítulo, o que se busca é fazer uma análise da Lei nº 9.474 de 1997 e da Lei nº 13.445 de 2017. A primeira, que instituiu o Estatuto dos Refugiados de 1951 no Brasil, logo, define medidas relativas aos refugiados e, a segunda, que se trata da nova Lei de Migração. Tal análise será composta de dados referentes ao refúgio. Na sequência, a abordagem é a Política Migratória Brasileira, com destaque aos mecanismos destinados à proteção dos indivíduos que buscam refúgio. São descritas, no que diz respeito a essa esfera, as características e atribuições próprias do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), da Polícia Federal e do Ministério da Justiça.

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2 DIREITOS HUMANOS, REFÚGIO E MIGRAÇÃO

Como se sabe, a medida em que a história foi sendo construída os Direitos Humanos, em uma ordem fragmentada, passaram a se fazer presentes. Ao longo dos anos, os mais variados registros celebraram tais direitos.

Da mesma maneira, a migração e o refúgio, por meio de um processo gradual, tornaram-se direitos assegurados internacionalmente, como será visto a partir de agora.

2.1 DIREITOS HUMANOS

O Código de Hammurabi (1690 a. C.) possivelmente simboliza a primeira disposição sobre direitos comuns a todos os homens, elencados aqui o direito à vida, à honra, à dignidade, entre outros, também dispondo sobre a prevalência da lei sobre os governantes. A igualdade de todos os homens também teve sua aparição por meio da disseminação das ideias de Buda (500 a.C.). De forma mais estruturada, na Grécia, nascem estudos que sugerem ser essenciais a igualdade e liberdade do homem, acentuando a participação política dos cidadãos. O direito romano, entretanto, foi o responsável por barrar as medidas estatais, por meio de uma estrutura de interditos que buscava proteger os direitos individuais. O Cristianismo, por sua vez, trouxe o entendimento de igualdade de todos os homens, não importando origem, raça, sexo ou credo, tendo assim influenciado o reconhecimento dos direitos fundamentais, como sendo necessários à dignidade da pessoa humana. Na Idade Média, mesmo com as particularidades da época, houve o reconhecimento da existência de direitos humanos por meio de documentos jurídicos, sendo que os referidos apresentavam como característica a limitação do poder estatal (MORAES, 2006).

Destaca-se que “os direitos humanos são consequências de diversas fontes, como os costumes de civilizações antigas, a produção jus filosófica e a disseminação do Cristianismo” (PENTEADO FILHO, 2012, p. 17).

Ao mencionar a evolução dos Direitos Humanos, é necessário atentar para algumas declarações, assim como é relevante observar o momento histórico no qual estão inseridas.

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A fim de melhor vislumbrar a essência das Declarações acima mencionadas, uma breve explicação é apresentada.

A Magna Carta, de 1215, é uma das manifestações que se destaca antes da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ACIOLLY; SILVA; CASELLA, 2015). “A Magna Charta Libertatum, de 15-06-1215, entre outras garantias, previa: a liberdade da Igreja da Inglaterra, restrições tributárias, proporcionalidade entre delito e sanção [...]” (MORAES, 2006, p. 7).

No que diz respeito à total implementação do estipulado nas Declarações, Aciolly; Silva; Casella (2015) declaram:

Desde o início, as formulações se fazem acompanhar do descompasso entre a teoria e a prática: em considerável extensão, uma vez formulados e aceitos em sua formulação, a questão central será, como em outros campos do direito, a de assegurar que sejam efetivamente implementados. (p. 483).

Documentos como a Declaração Inglesa (Bill of Rights) de 1689, a Declaração da Independência dos Estados Unidos de 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789 e 1793), impactaram no processo de independência dos países da América Latina, tendo seus preceitos sido implementados nas constituições liberais (ACIOLLY; SILVA; CASELLA, 2015).

A proteção dos direitos era, contudo, estipulada e regulada em instrumentos legais de natureza interna. A mutação substancial, no século XX, será a passagem para o

regime internacional de proteção dos direitos fundamentais e a progressiva consolidação deste. Para a aceitação da premissa da internacionalidade inerente ao

regime de proteção dos direitos fundamentais foi preciso, também no caso do Brasil, antes fazer-se a passagem de regimes autoritários para estados democráticos de direito. (ACIOLLY; SILVA; CASELLA, 2015,p. 484, grifo do autor).

O Bill of rights, que havia se instituído na Europa renascentista, acabou com o regime em que todo o poder está concentrado na figura do rei, o regime da monarquia absoluta (COMPARATO, 2015).

A partir de 1689, na Inglaterra, os poderes de legislar e criar tributos já não são prerrogativas do monarca, mas entram na esfera de competência reservada do Parlamento. Por isso mesmo, as eleições e o exercício das funções parlamentares são cercados de garantias especiais, de modo a preservar a liberdade desse órgão político diante do chefe de Estado. [...]

O Bill of Rights, enquanto lei fundamental, permanece ainda hoje como um dos mais importantes textos constitucionais do Reino Unido. (COMPARATO, 2015, p. 105-106).

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Quanto à Declaração de Independência dos Estados Unidos, datada de 1776, com ideias de Thomas Jefferson, Comparato (2015) aponta:

A característica mais notável da Declaração de Independência dos Estados Unidos reside no fato de ser ela o primeiro documento a afirmar os princípios democráticos, na história política moderna. [...]

Na verdade, a ideia de uma declaração à humanidade está intimamente ligada ao princípio da nova legitimidade política: a soberania popular. Uma nação só está legitimada a autoafirmar sua independência, porque o povo que a constitui detém o poder político supremo. (p. 117-118).

E, no que diz respeito às Declarações de Direito da Revolução Francesa, pautadas na liberdade, igualdade e fraternidade, declara:

A Revolução Francesa desencadeou, em curto espaço de tempo, a supressão das desigualdades entre indivíduos e grupos sociais, como a humanidade jamais experimentara até então. Na tríade famosa, foi sem dúvida a igualdade que representou o ponto central do movimento revolucionário. A liberdade, para os homens de 1789, limitava-se praticamente à supressão de todas as peias sociais ligadas à existência de estamentos ou corporações de ofícios. E a fraternidade, como virtude cívica, seria o resultado necessário da abolição de todos os privilégios. Em pouco tempo, aliás, percebeu-se que o espírito da Revolução Francesa era, muito mais, a supressão das desigualdades estamentais do que a consagração das liberdades individuais para todos. (COMPARATO, 2015, p. 148).

A proteção dos direitos humanos em nível internacional, teve o início de sua consolidação marcada pela criação das Nações Unidas, como menciona Rezek (2016, p. 263), “até a fundação das Nações Unidas, em 1945 não era seguro afirmar que houvesse, em direito internacional público, preocupação consciente e organizada sobre o tema dos direitos humanos”.

Ainda no que diz respeito aos Direitos Humanos na esfera internacional, conforme Mengozzi (2010):

Na comunidade internacional, os ideais humanitários foram durante longo tempo e normalmente invocados somente em relação ao tratamento dos estrangeiros, e mais esporadicamente em relação ao tratamento de indivíduos que faziam parte de minorias étnicas ou de grupos religiosos. [...]

Foi só no decurso da Segunda Guerra Mundial, após as aberrações do nazismo e as reações por ele criadas, e depois da intensificação da tentativa das Nações Unidas em multiplicar os esforços para realizar uma mais estreita cooperação e solidariedade internacional, que foi possível a criação de um perfil de ação internacional pela promoção e tutela do homem enquanto tal. No clima de cooperação pela realização de ideais comuns que então se realizou, no dia 1º de janeiro de 1942, os Governos signatários da Declaração das Nações Unidas disseram-se convencidos de que uma vitória completa sobre seus inimigos era "essencial para defender a vida, a liberdade, a independência e a liberdade religiosa, assim como para conservar os Direitos Humanos e a justiça nos próprios países e nas outras nações". (p. 355).

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A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, segundo Piovesan (2016, p. 223), “objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais”. É válido destacar que a Declaração Universal está inserida em um momento histórico onde o abalo causado pela Segunda Guerra Mundial ainda se fazia presente. Segundo Comparato (2015):

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, como se percebe da leitura de seu preâmbulo, foi redigida sob o impacto das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, e cuja revelação só começou a ser feita — e de forma muito parcial, ou seja, com omissão de tudo o que se referia à União Soviética e de vários abusos cometidos pelas potências ocidentais — após o encerramento das hostilidades. Além disso, nem todos os membros das Nações Unidas, à época, partilhavam por inteiro as convicções expressas no documento: embora aprovado por unanimidade, os países comunistas (União Soviética, Ucrânia e Rússia Branca, Tchecoslováquia, Polônia e Iugoslávia), a Arábia Saudita e a África do Sul abstiveram-se de votar.

Seja como for, a Declaração, retomando os ideais da Revolução Francesa, representou a manifestação histórica de que se formara, enfim, em âmbito universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens, como ficou consignado em seu artigo I. (p. 238).

Comparato (2015) refere-se ainda à questão da força vinculante da Declaração Universal e do seu status normativo frente às demais fontes do Direito Internacional:

Tecnicamente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem é uma recomendação que a Assembleia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas, artigo 10). Nessas condições, costuma-se sustentar que o documento não tem força vinculante. [...]

Esse entendimento, porém, peca por excesso de formalismo. Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não. [...]

Já́ se reconhece, aliás, de há muito, que a par dos tratados ou convenções, o direito internacional é também constituído pelos costumes e os princípios gerais de direito, como declara o Estatuto da Corte Internacional de Justiça (art. 38). Ora, os direitos definidos na Declaração de 1948 correspondem, integralmente, ao que o costume e os princípios jurídico internacionais reconhecem, hoje, como normas imperativas de direito internacional geral (jus cogens). A própria Corte Internacional de justiça assim tem entendido. (p. 238-239).

A partir da Declaração Universal outros pactos foram assinados para a consagração dos direitos humanos como um tema importante da agenda internacional.

Já em 1948 foi assinada a Convenção para a prevenção e repressão do crime de Genocídio. Cabe mencionar a esse respeito:

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Para a Convenção de 1948, o genocídio é um crime autônomo, não ligado necessariamente a uma situação de guerra, externa ou civil (art. I).

Sujeito ativo do crime tanto pode ser um governante quanto um funcionário público ou um particular (art. IV). Tais pessoas são julgadas pelos tribunais competentes, indicados no artigo VI. (COMPARATO, 2015, p. 258-259).

Complementando a Declaração Universal, Aciolly; Silva; Casella; (2015) declaram:

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Protocolo Facultativo relativo ao

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foram adotados e abertos à assinatura, ratificação e adesão por meio de resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966. (p. 490, grifo do autor).

Ainda que datados de 1966, a consolidação se deu anos mais tarde por conta da inexistência de ratificações suficientes durante tal período. Quanto ao fator temporal, Piovesan (2016) afirma:

Embora aprovados em 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais entraram em vigor apenas dez anos depois, em 1976, tendo em vista que somente nessa data alcançaram o número de ratificações necessário para tanto. (p. 246).

Ainda sobre o tema, nas palavras de Comparato (2015, p. 293), “a elaboração de dois tratados e não de um só, compreendendo o conjunto de direitos humanos segundo o modelo da Declaração de 1948, foi o resultado de um compromisso diplomático”.

A respeito do teor dos Pactos, é pertinente apontar que:

Os dois Pactos, espelhando a influência dos países em desenvolvimento, salientam logo no artigo primeiro que “todos os povos têm o direito à autodeterminação.

Em virtude desse direito, determinam livremente o seu estatuto político e asseguram livremente o seu desenvolvimento econômico, social e cultural”. [...]

Embora os dois Pactos sejam em certo sentido mais importantes do que a

Declaração de 1948, por serem de cumprimento obrigatório para os países que os

ratificaram, pode-se afirmar que a Declaração Universal tem mais peso, pois a maioria dos princípios que consagra são tidos como de direito internacional costumeiro. Passo adiante será dado ao serem reconhecidas como normas cogentes

de direito internacional geral. (ACIOLLY; SILVA; CASELLA; 2015p. 490, grifo

do autor)

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e os Pactos de Direitos Humanos de 1966 formam o que se intitula a Carta dos Direitos Humanos.

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Após a sua assinatura, outros pactos foram celebrados, complementando a Carta e ampliando o tratamento internacional de públicos considerados vulneráveis e que precisam de uma normatização especial para que possam ter diminuída a sua vulnerabilidade. Visando tratar diferente quem é diferente para que possa atingir o ideal da “igualdade perante a lei”, os pactos que historicamente sucederam à Carta foram:

- Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965;

- Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, de 1979;

- Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984;

- Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1990;

- Convenção Internacional sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, de 1990;

- Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006;

- Convenção Internacional para a proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado, de 2006.

(ALTO COMISIONADO DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LOS DERECHOS HUMANOS, 2012).

Verificada a evolução dos Direitos Humanos, o conteúdo a ser tratado na sequência envolve o conceito e as teorias doutrinárias relacionadas aos Direitos Humanos.

Apesar de direitos do homem, direitos fundamentais e direitos humanos por vezes serem utilizadas como expressões similares, entre elas há certa diferenciação.

Direitos do homem vêm a ser aqueles ainda não positivados em constituições ou tratados. No entanto, é pouco comum direitos reconhecíveis não estarem sistematizados atualmente (PENTEADO FILHO, 2012, p. 20).

A respeito dos direitos humanos, Casado Filho (2012) declara:

[...] os Direitos Humanos são um conjunto de direitos, positivados ou não, cuja finalidade é assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana, por meio da limitação do arbítrio estatal e do estabelecimento da igualdade nos pontos de partida dos indivíduos, em um dado momento histórico. [...]

Tal princípio foi consagrado no art. 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Nesta Declaração fica estabelecido que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. (p. 17-18, grifo do autor).

Bonavides (2016) expõe um conceito de Konrad Hesse (autor alemão) sobre o que vem a ser direitos fundamentais: “são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais” (p. 574).

Ainda que, de certo modo, a terminologia indique que há distinção, é válido salientar que:

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Há uma conexão entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, pois eles têm a mesma substância. A diferença entre eles, portanto, é de forma, não de conteúdo. Enquanto os direitos humanos são institutos jurídicos do direito internacional, os direitos fundamentais são institutos jurídico do direito interno, integrantes do sistema constitucional de norma fundante do ordenamento jurídico interno. [...] Os direitos humanos propriamente ditos, por sua vez, em face de seu caráter internacional, são traduzidos concretamente – embora não se resumam a isso – em obrigações internacionais impostas aos Estados. (BRANDÃO, 2014, p. 6-7).

Várias são as teorias elaboradas a fim de estruturar os direitos humanos, com destaque, entre elas, à teoria jusnaturalista, à teoria positivista e à teoria moralista ou de Perelman. A teoria jusnaturalista institui os direitos humanos como sendo uma norma mundial definitiva sem vínculo com a legislação e os juristas. A teoria positivista, por outro lado, institui que direitos humanos fundamentais são considerados aqueles que estão, de forma explícita, positivados na ordem jurídica. A teoria moralista ou de Perelman, tem seu fundamento no conhecimento e juízo da razão de um determinado povo (MORAES, 2006).

A classificação dos direitos humanos pela doutrina os divide em sentido amplo e em sentido estrito. Os direitos humanos stricto sensu englobam aqueles que são assegurados em tempo de paz (liberdade, igualdade etc.), tutelados internacionalmente em convenções, o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos. Os direitos humanos lato sensu englobam o direito de asilo (aplicado àqueles que necessitam de proteção em razão de perseguição por motivos políticos), o direito humanitário (ou direito dos conflitos armados, aplicado àqueles que se encontram em situação de guerra) e o direito dos refugiados (aplicado àqueles que se deslocam de um local para outro, de maneira forçada, em razão de conflitos armados, grave violação de direitos humanos, perseguição por fator político, religioso, étnico ou racial) (PENTEADO FILHO, 2012).

Os direitos fundamentais são comumente agrupados em gerações de direitos. A doutrina utiliza tal terminologia, mas atualmente existe o entendimento de que o termo “dimensões” traduziria de forma mais adequada os direitos englobados a cada geração (VASCONCELOS, 2017).

As gerações/dimensões reportam-se a momentos históricos da afirmação dos direitos humanos. Nas palavras de Bobbio (2004):

Como todos sabem, o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado ; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como consequência a participação cada vez mais ampla, generalizada e frequente dos membros de uma comunidade no poder político (ou

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liberdade no Estado); finalmente foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos valores -, como os do bem-estar, e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado. (p. 32, grifo do autor).

Os direitos da primeira geração surgiram no final do século XVII, promovendo as liberdades clássicas. Estão relacionados aos direitos políticos e civis que representam a importância da liberdade. Os direitos de segunda geração nascem em meio à Primeira Guerra Mundial, época em que fatores como a estagnação social e econômica acentuaram a desigualdade social, fazendo com que a atuação do Estado fosse necessária. Envolvem os direitos sociais, econômicos e culturais. Os direitos de terceira geração reconhecem e destinam-se à proteção não somente do indivíduo, mas da sociedade num plano geral. Estão englobados nessa geração direitos difusos e coletivos, como o direito do consumidor, preservação do patrimônio histórico da sociedade, defesa do meio ambiente etc. Os direitos de quarta geração podem vir a ser objeto de discussões já que estão ligados à globalização. Entre os temas estão a clonagem, a informática, alimentos transgênicos, direitos de tolerância, proteção contra os efeitos da globalização, pluralismo, democracia etc. (VASCONCELOS, 2017, p. 128-129).

Outros autores, como Agra (2014), apresentam outras classificações, estabelecendo outras dimensões. Na quarta dimensão, o autor apresenta os direitos relacionados à participação política, “como direito de quarta dimensão podem ser designados a participação política efetiva; a garantia de institutos da democracia participativa; a liberdade ampla de informação; a pluralidade de informação; o aprimoramento do regime democrático etc.”.

Na quinta dimensão, os direitos são chamados de materiais ou pós-democráticos:

Direitos de quinta dimensão são caracterizados como direitos pós-materiais e pósdemocráticos, em que se busca analisar as implicações éticas decorrentes das pesquisas científicas, principalmente nas áreas de medicina e biologia. São direitos da bioética, ou seja, da ética da vida, fazendo com que os primados humanos direcionem as pesquisas científicas, respeitando a dignidade da pessoa humana e do equilíbrio do ecossistema. [...]

A quinta dimensão de direitos fundamentais representa uma reflexão sistemática a respeito das intervenções do homem sobre os seres vivos [...]

Eles são direitos de uma sociedade de bem-estar pós-industrial, que conseguiu concretizar os direitos políticos, os materiais, os inerentes ao patrimônio comum da humanidade (paz, desenvolvimento, meio ambiente) e que agora assume os desafios do terceiro milênio, principalmente os inerentes ao progresso científico e às necessidades da construção de uma ética que valorize a essência de cada ser humano. (AGRA, 2014).

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Agra (2014) apresenta ainda a sexta dimensão de direitos humanos, relacionados à direitos que, por conta da ampliação dos bens jurídicos, possam vir a ser tutelados judicialmente, como exemplo, os que envolvem direitos dos animais:

[...] o desenvolvimento de valores éticos e novas premências fazem com que novas preocupações sejam passíveis de análise. Dentro desse prisma coloca-se a questão dos direitos dos animais. [...] A posição que tradicionalmente lhes cabe é o de coisa, pertencentes a um dos polos da demanda. Para que os seres irracionais possam ser tituláveis juridicamente, a eles tem que ser atribuída personalidade jurídica. A saída vislumbrada é separar o conceito de pessoa do de ser humano, animal da espécie homo sapiens. Segundo Heron Gordilho, o Código Civil de 2002 removeu uma das principais barreiras levantadas pelos civilistas que sustentam que o direito é feito exclusivamente para a espécie humana. O mencionado diploma normativo, ao tratar da personalidade e da capacidade, substituiu a palavra homem pela palavra pessoa, demonstrando claramente que pessoa natural e ser humano são conceitos independentes. (AGRA, 2014).

Ainda tratando das dimensões dos direitos humanos, Bonavides (2016) apresenta como quarta geração de direitos fundamentais:

[...] São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (p. 586).

Como quinta geração, Bonavides (2016) remete ao direito à paz:

A concepção da paz no âmbito da normatividade jurídica configura um dos mais notáveis progressos já alcançados pela teoria dos direitos fundamentais. [...]

Não resultou fácil reconhecer, admitir e proclamar a natureza jurídica da paz, em sede teórica, como um conceito definido, autônomo, infenso a objeções porventura levantadas.

Disso teve ciência e consciência o insigne constitucionalista uruguaio Héctor Gross Espiell quando inculcou, em reflexões acerca desse direito, algumas dificuldades com as quais se depara o jurista, vazadas desse teor: “O direito à paz (...) é um direito mais complexo e que apresenta mais interrogações aos juristas. Por quê? Porque hoje em dia se tem buscado conceituar o direito à paz como um direito do qual podem ser titulares, segundo os diferentes casos ou situações, os Estados, os povos, os indivíduos e a Humanidade. De tal modo que se tem podido dizer, como o fez Petiti, que como direito individual tem efeitos internos internacionais e como direito coletivo também os tem”. [...]

Tocante à doutrina, o contributo acerca da do direito à paz, tem sido deveras escasso, consideravelmente aquém da importância que se lhe deve conceder [...]

[de último] A fim de acabar com a obscuridade a que ficara relegado, o direito à paz está subindo a um patamar superior, onde, cabeça de uma geração de direitos humanos fundamentais, sua visibilidade fica incomparavelmente maior.

O novo Estado de Direito das cinco gerações de direitos fundamentais vem coroar, por conseguinte, aquele espírito de humanismo que, no perímetro da juridicidade, habita as regiões sociais e perpassa o Direito em todas as suas dimensões. (p. 594-598).

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Com base no exposto, é possível perceber que a garantia dos direitos que compõem as gerações/dimensões de direitos fundamentais, assim como os documentos internacionais, nada mais é do que uma construção que tornou possível o estabelecimento de um sistema, que vigora inclusive atualmente.

2.2 DIREITO DE MIGRAR

A migração, própria da natureza humana, é um evento que pode ser percebido em escala global. As variáveis existem e cada caso tem suas particularidades. No entanto, o que se percebe é que a extensão dessa matéria é uma consequência do destaque alcançado no cenário mundial.

2.2.1 A evolução do direito de migrar

Sobre o tema, é pertinente evidenciar a definição trazida pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos (2014):

A migração é um fenômeno antigo e que se repete, com variada frequência e intensidade, ao longo da história. Os grandes movimentos migratórios ocorridos em outras épocas tiveram sua causa nas invasões, conquistas, êxodos, mudanças sazonais, fome, superpopulação de determinadas regiões, entre outras.

Motivos semelhantes, às vezes agravados, aos das acentuadas correntes migratórias do passado, caracterizam as migrações atuais: a globalização, questões demográficas de certos países ou regiões, a violação de direitos, o desemprego, as perseguições, a discriminação, a xenofobia, o tráfico de seres humanos, a desigualdade econômica entre os países e entre o hemisfério norte e o hemisfério sul, a busca de trabalho, de melhores condições de vida e de segurança, o aquecimento global, as catástrofes naturais, a violência, a intolerância, são algumas causas das grandes migrações da atualidade.

Ainda no que diz respeito a definição do indivíduo que migra, tem-se que:

Migrante é, pois, toda a pessoa que se transfere de seu lugar habitual, de sua residência comum, ou de seu local de nascimento, para outro lugar, região ou país. “Migrante” é o termo frequentemente usado para definir as migrações em geral, tanto de entrada quanto de saída de um país, região ou lugar. Há, contudo, termos específicos para a entrada de migrantes – Imigração – e para a saída – Emigração. Há, também, "migrações internas", para referir os migrantes que se movem dentro do país, e "migrações internacionais", referindo-se aos movimentos de migrantes entre países, além de suas fronteiras. (INSTITUTO MIGRAÇÕES E DIREITOS HUMANOS, 2014).

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Os números que envolvem a migração são notáveis em boa parte do globo. De acordo com a Organização das Nações Unidas, em 2015, a marca de migrantes internacionais era de 244 milhões, sendo 41% superior ao ano 2000, conforme dados do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais (ONU, 2016).

Atualmente, “a Organização das Nações Unidas estima que existam aproximadamente 258 milhões de migrantes internacionais no mundo — isso equivale a 3,4% da população mundial” (ONU, 2018b).

O ato de migrar faz parte da realidade daqueles que buscam, de certo modo, um novo começo. A respeito da expansão e de como as migrações se estabeleceram em determinados períodos da história, Faria (2015) esclarece:

As migrações não são fato novo na História. Tampouco surgiram com a globalização. Os seres humanos sempre se deslocaram em busca de novas oportunidades ou para escapar da pobreza, de conflitos ou de desastres ou degradação ambiental. Aspecto comum na história humana desde seus princípios, em todos os continentes, as migrações em massa assumiram nova dimensão com a “conquista” e posterior colonização do “Novo Mundo” pela Europa, a partir do século XVI e, sobretudo, com os grandes fluxos migratórios europeus de meados do século XIX até a Primeira Guerra Mundial. As migrações nesse período eram essencialmente transatlânticas, sendo os países da Europa os países de origem dos migrantes. (p. 48).

Relacionado ao desenvolvimento das migrações internacionais no início do século XVI até o século XX, é válido mencionar o ensinamento de Faria (2015):

Do início do século XVI até a segunda metade do século XX, a Europa foi o principal continente emissor de migrantes. Inicialmente, os fluxos eram formados pelos conquistadores portugueses e espanhóis, aos quais se somaram britânicos, franceses e holandeses, em fluxo de ocupação das novas colônias europeias, estabelecidas nas Américas, África e Ásia. Com a abolição dos laços servis e o progresso alcançado nos meios de transporte, número cada vez maior de “pobres e deslocados” europeus pôde optar pela migração para os novos países, em busca de melhores condições de vida. Entre 1840 e 1860, cerca de treze milhões de europeus desembarcaram nas Américas, caracterizando processo de imigração em cadeia, que se iniciou com europeus ocidentais, seguidos por imigrantes do sul e do leste do continente. No período de 1860 a 1914, cerca de 58 milhões de europeus cruzaram o Atlântico. A maioria dos migrantes das últimas décadas do século XIX era formada por excluídos do processo de maturação do capitalismo industrial, geralmente originários de áreas deprimidas economicamente, bem como de regiões rurais superpovoadas. A possibilidade de migração serviu, assim, como importante válvula de escape para o grande crescimento da população europeia no século XIX, impulsionado pela Revolução Industrial. (p. 121).

Segundo Guerra (2016, p. 417), “a migração contínua e maciça de grande número de pessoas tem produzido sérias consequências tanto no local de onde vieram como também

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no local de chegada”. Tal afirmação leva à reflexão acerca dos mecanismos a que tem acesso os países que vierem a acolher os migrantes.

A respeito desse assunto, algumas teorias foram construídas ao longo do tempo. A teoria do espanhol Francisco de Vitória, já no Século XVI, de que é direito de todos a livre circulação pelo mundo, contrapõe a liberdade do Estado para determinar o acesso a que tem direito o estrangeiro. O doutrinador foi favorável à liberdade dos mares, então surgiu o jus communicationis, que se estenderia ao direito de comércio e à liberdade de navegação. O preceito da citada teoria seria o de que tanto o critério divino quanto o humano pregam que a circulação seria legítima (VEDOVATO, 2013).

Atualmente, não há sustentação para que a teoria vitoriana seja aplicada, isso por conta da liberdade que o Estado tem para estabelecer quais estrangeiros podem entrar em seu território. De outro lado, com base nos tratados internacionais de direitos humanos, é possível elaborar uma delimitação ao impedimento de circulação imposto pelo Estado, no mínimo (VEDOVATO, 2013).

Estão previstas certas restrições em tal teoria, ainda que disponha sobre a livre circulação de pessoas pelo mundo (VEDOVATO, 2013).

Os casos em que o bloqueio seria uma alternativa são aqueles em que houvesse desvantagem aos receptores nacionais. O Estado que recebe os estrangeiros precisa assegurar os direitos aos seus cidadãos e, ligado à falta de recursos para tanto, faz com que seja necessário confirmar se não há impedimentos para receber estrangeiros (VEDOVATO, 2013). A teoria de Vitória instaura uma questão sobre a escolha trágica do Estado, que é inevitável quando se está diante de recursos escassos, ainda mais quando constatada a função do Estado na proteção dos direitos fundamentais. As escolhas trágicas fazem parte do período em que é preciso optar por um dos meios existentes para proteger os direitos. Porém, dada a falta de recursos, nem todos serão implementados (VEDOVATO, 2013).

Exemplo da aplicação dessa teoria deu-se devido à crise econômica que aconteceu no início dos anos 1970. Houve uma ampliação da migração internacional, que teve como direção os países desenvolvidos. Com o objetivo de suspender a migração ilegal, governos populares, com a economia crescente, como Alemanha, Estados Unidos e França, instituíram limitações ao deslocamento de indivíduos através das fronteiras (VEDOVATO, 2013).

A maior parte dos países desenvolvidos elaborou leis para penalizar empregadores que admitissem estrangeiros em situação irregular. No entanto, existia a alternativa da regularização, isso se certas condições estivessem presentes. Tal prática se mostrou desinteressante para as empresas, por conta da dificuldade em regularizar a situação do

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imigrante, e por nesse cenário existir a previsão de condenação dos empregadores (VEDOVATO, 2013).

Porém, as decisões que limitavam a circulação de pessoas, como as datadas da década de 1970, mesmo que baseadas no direito do Estado de escolher quem pode entrar no seu território, e com a concordância política (favorável), não eram perfectibilizadas pela falta de comando da fronteira, seja por falta de funcionários, pelo modo desacertado do Judiciário atuar, ou da deficiente coordenação entre as áreas englobadas (VEDOVATO, 2013).

Até os dias de hoje, o entendimento político antes citado, que preserva o controle de entrada de pessoas, tem possibilitado a elaboração de regulamento sobre essa matéria (VEDOVATO, 2013).

Exemplo disso são as diretivas da União Europeia, que servem para regular diferentes temas relacionados aos migrantes, tais como:

Condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado. (DIRETIVA 2009/50/CE DO CONSELHO de 25 de maio de 2009). (JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA, 2009).

Procedimento de pedido único de concessão de uma autorização única para os nacionais de países terceiros residirem e trabalharem no território de um Estado-Membro e a um conjunto comum de direitos para os trabalhadores de países terceiros que residem legalmente num Estado-Membro (DIRETIVA 2011/98/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 13 de dezembro de 2011). (JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA, 2011).

Condições de entrada e de permanência de nacionais de países terceiros para efeitos de trabalho sazonal; (DIRETIVA 2014/36/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de fevereiro de 2014). (JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA, 2014a).

Condições de entrada e residência de nacionais de países terceiros no quadro de transferências dentro das empresas (DIRETIVA 2014/66/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 15 de maio de 2014). (JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA, 2014b).

Condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação, de estudos, de formação, de voluntariado, de programas de intercâmbio de estudantes, de projetos educativos e de colocação au pair (reformulação) (DIRETIVA (UE) 2016/801 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 11 de maio de 2016). (JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA, 2016).

Considerando a linha de raciocínio vitoriana, conclui-se que não seria equivocado admitir outras fontes normativas internacionais, como os tratados internacionais de direitos humanos no que atine ao direito absoluto de cada Estado regular o controle de migração. Uma vez que é permitido interceder na resolução do Estado a respeito do ingresso por meio de normas de integração, estas poderiam controlar a autonomia do Estado. Este não teria mais capacidade para resolver sobre a entrada ou não do estrangeiro em seu território, por estar destituído de autoridade plena sobre o assunto (VEDOVATO, 2013).

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Para que a teoria do jus communicationis possa ser aplicada ainda nos dias de hoje, é necessário que se faça uma reinterpretação do texto, levando em conta que as restrições à liberdade total do Estado, por conta da extensão da defesa internacional dos direitos humanos, mostram-se evidentes (VEDOVATO, 2013).

Outro ponto a mencionar, é a restrição à liberdade, assunto que, por conta da livre circulação pelo mundo, volta a ter espaço atualmente. Deve, portanto, ser analisado pela perspectiva do direito internacional, e não como um direito supremo do Estado (VEDOVATO, 2013).

Outra teoria sobre o direito de migração é a teoria do livre-arbítrio absoluto do Estado. Concebida a partir de casos levados a tribunais nacionais norte-americanos decididos em 1812 e 1889, e reforçada pela escola realista de relações internacionais1, no início do Século XX, na concepção tradicional, a soberania, dentro de cada unidade territorial, faz com que cada uma delas seja uma unidade suprema (VEDOVATO, 2013).

A capacidade que o Estado tem de decidir a respeito da entrada de estrangeiros em seu território tem relação direta com a soberania, e é admitida pela doutrina internacional, bem como afirmada em decisões judiciais (VEDOVATO, 2013).

Os Estados que fazem escolhas coerentes, por conta disso, acabam por retratar o que tem relevância para a nação. Por tal motivo, a visão que recai sobre eles vinda da comunidade internacional, é de que são os protagonistas. Isso faz com quem se relacionem com os outros países apoiando-se na igualdade sem distinção alguma (VEDOVATO, 2013).

Ainda que exista a presunção de que o sistema funciona de forma igualitária, entre os Estados, de fato, há distinções de poder existentes desde sempre. Baseando-se não somente nessa análise, a soberania pode ser considerada como modelo para o balanço e ordenação das relações (VEDOVATO, 2013).

O estudo do modelo preponderante das relações internacionais em três séculos indica, entretanto, que a soberania tem ocasionado um influente impacto regimental. Além de claramente atuar na forma como são compreendidas as conexões entre grupos nacionais e suas relações com os demais. Do mesmo modo, confirmou ser essencial ao direito de ingresso a nacionalidade e a cidadania (VEDOVATO, 2013).

1 “A concepção do realismo político – parâmetro conhecido como clássico, tradicional, estatocêntrico – apresentou-se como reação ao período denominado idealista das Relações Internacionais, encontrando raízes nos pensamentos de Nicolau Maquiavel (1532), em especial, na sua obra, O Príncipe e de Thomas Hobbes (1615), O Leviatã, inspiradores do desenvolvimento desse paradigma” (OLIVEIRA, 2002, p. 80).

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O entendimento de que os Estados têm liberdade para decidir a respeito do ingresso de estrangeiros em seu território está consagrado (VEDOVATO, 2013). Já aos nacionais cabe a liberdade de ingresso no território do seu Estado.

Mesmo que o Estado possa estar subordinado a regulamentos internacionais em diversas esferas, na doutrina e jurisprudência não se constata a sobreposição dos tratados internacionais de direitos humanos ao arbitramento do governo quanto à restrição da entrada de estrangeiros. Essa decisão é, até então, conhecida singularmente como soberana (VEDOVATO, 2013).

Manifestações dessa interpretação são frequentemente observadas em plenários internos dos países, como a Suprema Corte norte-americana, que apresentou o entendimento de que a autoridade sobre a jurisdição do país é própria da soberania que lhe é atribuída (VEDOVATO, 2013).

Segundo Höffe, o conceito de soberania vincula os cidadãos aos Estados, por conta de ambos possuírem autodeterminação. No caso do Estado, tal aspecto é delimitado pela existência de elementos do direito internacional (VEDOVATO, 2013). O princípio de igualdade entre os Estados é consequência do reconhecimento da autodeterminação que todos os Estados reconhecidos internacionalmente possuem, o que gera também o dever de não intervenção conforme consta estampado na Carta das Nações Unidas, nos artigos 1º e 2º.

Artigo 1

Os propósitos das Nações unidas são: [...]

2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;

[...] Artigo 2

A Organização e seus membros, para a realização dos propósitos mencionados no artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios:

1. A Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros.

[...]

4. Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas. 5. Todos os membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo.

[...]

7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII. (BRASIL, 1945).

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De outro lado, e como já mencionado anteriormente, os Pactos de 1966 trataram da questão da autodeterminação dos povos, indicando que esse é um direito de todos os povos. Assim, tanto o povo, que compõe inicialmente um Estado e que posteriormente a sua criação torna-se o seu elemento humano (isto é, a sua população), quanto o Estado, são investidos no direito a autodeterminar-se. O povo, de criar as estruturas do Estado e mesmo um novo Estado. E o Estado, em definir livremente as suas relações internacionais.

Tratando-se ainda do direito que tem o estrangeiro de ingressar em novo território, uma última teoria é apresentada, a teoria do controle das decisões estatais sobre o direito de ingresso: a limitação das decisões estatais com base no direito internacional.

Atualmente, devido à responsabilidade que o Estado tem de garantir os direitos básicos e fundamentais, o conceito apresentado séculos atrás por Vitória não tem espaço para ser empregado. O estabelecimento de obstáculos com relação à administração de fronteiras pelos Estados seria parte do desdobramento caso as divisas estivessem totalmente acessíveis, especialmente porque o Estado precisa promover os chamados direitos sociais dentro de seu território, logo, é necessária a aplicação de fundos estatais para que se concretizem (VEDOVATO, 2013).

A restrição da entrada do estrangeiro em seu território, ainda que seja possível, não é considerada como a alterativa mais adequada. No direito internacional, de forma geral, há a consolidação quanto à impossibilidade de violação dos direitos humanos fundamentais (VEDOVATO, 2013).

Com o objetivo de esclarecer a questão, diz-se que o livre-arbítrio absoluto do Estado fere o disposto no artigo VI da Declaração de Direitos Humanos, que estabelece: “Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.” (ONU, 1948). Isso porque não existe a chance de inquirir o estrangeiro que solicita o ingresso, nos termos do princípio do devido processo legal, segundo o que determina o artigo VII da citada declaração. Além disso, também existe a contrariedade à norma por conta do livre-arbítrio absoluto do Estado, em seu artigo XXV (VEDOVATO, 2013).

Outras violações da Declaração Universal, por conta do livre-arbítrio absoluto do Estado, são percebidas quando se trata da igualdade de tratamento do nacional e do estrangeiro, que é considerado como sujeito de direito à procura de melhores condições de vida. No Pacto de Direitos Civis e Políticos é possível verificar as questões como liberdade (art. 9º), igualdade (art. 14), o reconhecimento da personalidade jurídica (art. 16) e a proteção à criança (art. 24). O descumprimento verificado é referente à igualdade. Ainda que possa

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haver distinção na prática, a origem do indivíduo, por si só, não é critério lógico para diferenciação (VEDOVATO, 2013).

A igualdade, entretanto, pode ser empregada com contrastes nas situações reais, já que tanto no direito internacional quanto no direito interno as distinções coexistem entre indivíduos. Compete a quem faz a identificação definir os parâmetros de transgressão à igualdade, o que acaba por resultar na limitação ao poder do Estado soberano (VEDOVATO, 2013).

Percebe-se que, ainda que seja possível confirmar sinais a respeito do poder do Estado em estabelecer normas sobre a obtenção autorizada da nacionalidade e da definição sobre o ingresso do estrangeiro em seu território, os direitos humanos é que controlam os direitos do Estado. É preciso que haja a elaboração de um fundamento que sirva como alicerce de garantia diante da totalidade dos direitos humanos (VEDOVATO, 2013).

O parecer que define o direito de ingresso precisa estar fundamentado, e assim sendo, não é possível que se apoie apenas no exercício pleno da soberania do Estado. Necessário se faz a comparação de direitos, para que então seja amparada a escolha que menos reduza os direitos fundamentais (VEDOVATO, 2013).

Exemplo disso é o parecer consultivo referente à direitos e garantias de crianças no contexto da migração e/ou em necessidade de proteção internacional, datado de agosto de 2014, em que o Brasil é um dos Estados solicitantes.

Inicialmente a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhece o direito do Estado de regrar o ingresso e saída dos estrangeiros em seu território, desde que as normas nacionais sejam compatíveis às normas de Direitos Humanos:

RESUMO OFICIAL EMITIDO PELA CORTE INTERAMERICANA DO PARECER CONSULTIVO DE 19 DE AGOSTO DE 2014 SOLICITADO PELA REPÚBLICA ARGENTINA, REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, REPÚBLICA DO PARAGUAI E REPÚBLICA ORIENTAL DO URUGUAI Considerações gerais

A migração internacional é um fenômeno complexo que pode envolver dois ou mais Estados, entre países de origem, de trânsito e de destino, tanto de migrantes como de solicitantes de asilo e refugiados. [...]

Entende-se por proteção internacional aquela oferecida por um Estado a uma pessoa estrangeira porque seus direitos humanos estão ameaçados ou violados em seu país de nacionalidade ou residência habitual, e no qual não pôde obter a proteção devida por não ser acessível, disponível e/ou efetiva. Apesar de a proteção internacional do Estado de acolhida encontrar-se ligada inicialmente à condição ou status de refugiado, as diversas fontes do Direito Internacional - e em particular do Direito dos Refugiados, do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário-, revelam que esta noção abarca também outro tipo de marcos normativos de proteção. Deste modo, a expressão proteção internacional compreende: (a) a proteção recebida pelas pessoas solicitantes de asilo e refugiadas com fundamento nos convênios internacionais ou nas legislações internas; (b) a

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