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ANÁLISE SOBRE A RECEPÇÃO DOS REFUGIADOS PELO BRASIL E A

3 REFÚGIO NO BRASIL: POLÍTICA NACIONAL E ÓRGÃOS DE

3.4 ANÁLISE SOBRE A RECEPÇÃO DOS REFUGIADOS PELO BRASIL E A

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é uma referência na evolução dos Direitos Humanos. O que se percebe a partir da leitura é a garantia do mínimo indispensável para cada indivíduo. Esse conjunto de direitos passou por um processo de ajustes dentro dos Estados, e grandes organismos, como a ONU, contribuíram com atualizações. O sistema de proteção dos Direitos Humanos atingiu um patamar que indica que dificilmente será desestruturado. A obrigação dos Estados de garantir e preservar direitos básicos e essenciais permite que o caos não se instale.

A migração não é uma ocorrência nova. Na história são conhecidas passagens referentes à questão. No caso de refugiados, talvez o de impacto mais significativo sejam as migrações ocorridas em razão da Segunda Guerra Mundial e suas consequências. Desde então, foram criados meios para evitar que grandes violações dos direitos humanos se repetissem.

Atualmente, devido a conflitos de naturezas diversas, uma crise humanitária se formou. Um ponto relevante é o da sobreposição dos interesses do Estado quando se está diante desse cenário. A soberania, um dos elementos que constitui e sustenta o Estado, permite que a entrada de estrangeiros seja limitada no território do país, desde que fundamentada. Os compromissos firmados pelos Estados também devem ser observados.

A Convenção de 1951 para Refugiados guia os indivíduos que saem de um país de maneira não espontânea. Um dado interessante é que “148 estados (três quartos das nações do mundo) são signatários da Convenção e/ou do Protocolo de 1967” (ACNUR, 2011). Apesar

de a acolhida envolver inúmeras questões dentro do país que recebe os refugiados e, ainda que existam dificuldades durante o processo, os dados apontam que os países ao redor do globo têm concedido, na medida do possível, um novo começo a esses indivíduos.

No Brasil, em 1961, houve a inclusão no sistema jurídico da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e, em 1972, a de seu Protocolo (de 1967). Posteriormente, o Brasil adotou a definição de refugiado trazida pela Convenção de Cartagena, de 1984. Essa definição ampliou a proteção a outras categorias de refugiados. A promulgação da Lei de Refúgio, em 1997, teve como finalidade efetivar o que a Convenção de 1951 instituiu. A temática dos refugiados passou a ser regida por norma legal específica, que estipula os meios a serem seguidos para que sejam decididos os casos de fixação (ou não) dessa condição.

Por determinação da Lei nº 9.474, de 1997, foi constituído o CONARE, órgão encarregado de examinar e declarar a condição de refugiado, em primeira instância, e conduzir ações que garantam a proteção e o suporte adequados aos refugiados, inclusive jurídico. A Lei desde logo impõe providências que se mostram essenciais ao amparo desses indivíduos. A começar pelo não impedimento de entrada do estrangeiro, ainda que se dê de forma irregular e a não aplicação de retirada compulsória (a expulsão não ocorrerá, “salvo por motivos de segurança nacional ou de ordem pública”; a deportação do refugiado não poderá ser “para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política”; e “a repatriação de refugiados aos seus países de origem deve ser caracterizada pelo caráter voluntário do retorno, salvo nos casos em que não possam recusar a proteção do país de que são nacionais, por não mais subsistirem as circunstâncias que determinaram o refúgio”) tampouco de extradição quando se tratar de casos que envolvem refugiados. (BRASIL, 1997).

A solicitação de refúgio dá direitos ao estrangeiro desde o primeiro momento. Com relação ao protocolo emitido quando da solicitação de refúgio, na prática podem haver algumas variações no sentido de eficácia e do tempo (que leva para a obtenção de documentos brasileiros a que tem direito), mas ao menos existe regulamentação para tal, o que é um bom indicativo.

Exemplo disso, além do que consta na Lei, é o Decreto nº 9.277 de 2018, que “dispõe sobre a identificação do solicitante de refúgio e sobre o Documento Provisório de Registro Nacional Migratório” (BRASIL, 2018c).

O sigilo de informações, garantido ao refugiado, bem como a gratuidade dos processos de reconhecimento da condição de refugiado e a possibilidade de recorrer de

decisões que negam a condição de refugiado ou decretam a cessação ou perda da condição de refugiado, assim como os já mencionados, são elementos fundamentais.

A Lei de Migração rompeu com o padrão estabelecido pelo antigo Estatuto do Estrangeiro, de inflexibilidade para com os migrantes. De outro lado, todas as disposições referentes aos refugiados estão mantidas e vigoram, graças à redação da Lei própria ao tema, que continua a valer em sua totalidade, com alguns ajustes e atualizações, que se fazem necessários à medida que o tempo passa, e são somadas ao novo conteúdo apresentado pela Lei para os migrantes.

O que não se pode negar é que o novo regulamento para estrangeiros coloca em lugar de destaque os princípios e garantias a eles conferidos. A universalidade, a indivisibilidade e a interdependência, elementos típicos dos Direitos Humanos, inseridos do modo como estão, denotam que a proteção aos migrantes, seguirá com bases sólidas, que incluem as normas internacionais. Sob qualquer enfoque que se olhe para os princípios definidos no artigo 3º da Lei de Migração, fica evidente que o pretendido é nivelar os direitos dos estrangeiros aos dos brasileiros. E nem mesmo a condição migratória deve ser motivo de discriminação.

A igualdade proposta pelos princípios e garantias promovidos pela Política Migratória Brasileira, além de ser observada nos primeiros incisos, também fica em evidência quando se trata da “igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares” e da “promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante”.

A acolhida humanitária é umas das garantias constantes na Lei. A interpretação que pode ser feita é de que o país precisa dispor de meios para viabilizar a acolhida, já que fica vedada a recusa quanto ao recebimento desses migrantes.

A proteção aos nacionais fora do país também foi englobada pelos princípios da Política Migratória.

Uma outra parcela dos princípios remete ao status de migrante e à normalização dessa condição, bem como medidas relacionadas a sua permanência no país (art. 3º, V, VIII, XV, XXI e XXII da Lei nº 13.445). As questões econômicas são tratadas nos incisos VII, X, XIV e XVI. Envolvem o desenvolvimento econômico (entre outros) do Brasil, inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas, a integração e o desenvolvimento das regiões de fronteira.

Estão consagrados princípios que preservam a liberdade do migrante. Dizem respeito à “promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante” e à

“migração e desenvolvimento humano no local de origem, como direitos inalienáveis de todas as pessoas” (artigo 3º, XII e XX) (BRASIL, 2017a).

Na Lei, encontra-se preceito que importa na integração do migrante, com possibilidade de manifestar sua opinião, que aparece na forma de “diálogo social na formulação, na execução e na avaliação de políticas migratórias e promoção da participação cidadã do migrante” (BRASIL, 2017a). Ainda, cabe a proteção, assim como o cuidado ao superior interesse da criança e do adolescente migrante.

A exposição de princípios estipulados no artigo 3º se mostra necessária pois são os responsáveis por conduzir a Política Migratória brasileira (ainda que se apresente de maneira desestruturada). A nova Lei tem como escopo não só acolher, mas igualmente proteger e atender os migrantes com solicitude.

No caso dos refugiados, a Lei de Migração se mostra como uma extensão de garantias, além de ser aplicada quando a Lei de Refúgio não atestar sobre determinado tema.

Os princípios que direcionam a Política Migratória, não só para refugiados, mas para os estrangeiros que venham ao país, estão pautados nos Direitos Humanos. Além de ser um avanço, demonstra que para políticas públicas e ações voltadas ao tema haverá espaço e eventual continuidade.

A proteção dos refugiados no Brasil envolve uma rede de órgãos que constantemente reorganiza as normativas (até o momento foram editadas vinte e sete Resoluções Normativas pelo CONARE), e, pelo que se percebe, busca encontrar formas para beneficiar o refugiado, sempre que possível. O que pode dificultar o processo, no todo ou parte dele, tanto para os refugiados, quanto para os envolvidos do lado que os recebe, é a descentralização das atividades, no entanto não impossibilita a acolhida, que é o essencial.

Na maioria das vezes, o primeiro contato do solicitante de refúgio será com a Polícia Federal, que será parte atuante durante o processo de verificação da condição de refugiado. Importante dizer que é crucial a preparação dos servidores, de modo que se crie para o estrangeiro um ambiente propício para compartilhar a história que o traz ao país, e seja possível colher as informações e o que mais for necessário, de maneira satisfatória e sem gerar trauma ao indivíduo, que pela própria condição encontra-se vulnerável.

A repartição da ONU que assiste os refugiados é o ACNUR, como reiterado ao longo do estudo, e, conforme disposto na legislação brasileira, será convidada a participar das reuniões do CONARE, mas não terá direito a voto. Tendo sua criação sido há mais de sessenta anos, cabe dizer que a expertise para lidar com o tema existe e é percebida até

mesmo em catástrofes. Como missão maior está o auxílio na proteção dos que saem de um país sem contar com proteção alguma.

Existe, por parte do CONARE, uma forte atuação no sentido de atualizar e simplificar procedimentos para o refugiado, basta avaliar a diversidade de assuntos tratados por Resoluções editadas pelo Comitê. Esse trabalho possivelmente será intensificado com a Lei de Migração que está em vigor. No entanto, falar em Política Migratória nos dias de hoje, ou que de fato exista uma, é um tanto genérico, isso porque não existe uma delimitação, tampouco incumbência a órgão específico. Na realidade, existem atribuições a departamentos que apresentam direta ligação com a questão dos refugiados, bem como com a dos migrantes, e princípios que, com a promulgação da nova Lei de Migração, passaram a regular a entrada e permanência dos estrangeiros no país.

Pelo tempo que foi feita a inserção (da Lei de Migração), é preciso considerar que para implementar as atualizações que agora fazem parte ordenamento jurídico, e até mesmo estabelecer um Política Migratória, existe um período razoável de adaptação, e um estudo pode se mostrar necessário, seja para criação ou alteração em matéria de Política Migratória. De toda sorte, o primeiro passo foi dado.

Como possível desdobramento no tocante aos migrantes e refugiados, por se tratar de questões já levantadas nesse meio, estão as necessárias medidas: integração local e social, a implantação de centros de referência (a exemplo de São Paulo, que conta com Centro de Referência e Assistência para Imigrantes, bem como o Centro de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas do Paraná), e a divulgação de informações para a população em geral, do que leva os refugiados e os que foram amparados com o visto humanitário a se deslocarem, para que haja maior conscientização sobre o assunto.