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2.2 A Constituição Federal de 1988 – atual sistema constitucional

2.2.2 Da ação civil pública

O ordenamento jurídico brasileiro historicamente adotou limites subjetivos e objetivos para o alcance dos efeitos das decisões judiciais proferidas no controle difuso de

74 SUPREMO, Tribunal Federal - Súmula Vinculante 10, [Em linha]

constitucionalidade das leis, assegurando que, em regra, a decisão alcança apenas as partes diretamente envolvidas da relação processual.

Entretanto, em 24 de junho de 1985, foi editada a Lei nº 7.347, visando a tutelar direitos difusos e coletivos75 atinentes a evitar danos ao meio ambiente, valores estéticos, históricos, turísticos e paisagísticos, bem como à ordem econômica e, posteriormente, teve seu campo alargado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para incluir também os individuais homogêneos do consumidor.76

Esse instrumento jurídico foi alçado ao patamar constitucional que, ao disciplinar as atribuições do Ministério Público, assegurou a possibilidade dessa modalidade de ação para se salvaguardar o patrimônio público e social, especificamente o meio ambiente, além de outros interesses difusos e coletivos.

O surgimento dessa nova classe de ação disponibilizada pelo ordenamento jurídico encontrou forte resistência, tendo em vista que tinha feições nitidamente de ação coletiva, enquanto praticamente todo o sistema jurídico foi constituído numa base mais individualista, ou seja, em que se tutelava primordialmente o direito das partes diretamente envolvidas no conflito.

Esse instituto trouxe efetivamente diversas inovações, como a responsabilidade objetiva, a possibilidade de que seus efeitos se expandissem ultra partes ou mesmo erga

omnes, que ocorresse a coisa julgada apenas in utilibus, possibilidade que uma nova demanda

pudesse ser novamente ajuizada se a decisão proferida na primeira tivesse como fundamento a ausência ou insuficiência da prova produzida, vinculando ainda os titulares de direitos individuais apenas na hipótese da decisão lhe ter sido favorável.

Adotando a responsabilidade objetiva do autor do dano, esse instituto inova no sistema jurídico, na medida em que não mais se exige por parte do autor da ação a demonstração de

75

“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: […] IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.”

76 “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo

individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

que o dano tenha sido causado por qualquer modalidade de culpa, bastando comprovar a ocorrência do fato e a existência do dano.

Nesse diapasão, caberia ao réu o ônus de demonstrar que o fato não ocorreu, que não foi o responsável por praticá-lo ou mesmo que o ato não produziu o dano alegado.77

Em outras palavras, a decisão de procedência proferida em sede de ação civil pública produz uma condenação genérica que possibilita a execução individual de todos por parte de todos aqueles que foram diretamente prejudicados ou beneficiados pelos atos reconhecidos na sentença.

É exatamente nesse particular, ou seja, no elastecimento subjetivo dos efeitos da decisão proferida em ação civil pública que residem os interesses e os problemas que nos interessam para fins de análise do controle de constitucionalidade.

Efetivamente não pouca controvérsia tem surgido quanto à possibilidade de se realizar controle de constitucionalidade por intermédio de ação civil pública. O problema reside no fato de a norma assegurar efeito erga omnes para suas decisões, ainda que restrita à área de competência do juízo prolator da decisão, hipótese que, em alguns casos, poderia adentrar no campo específico reservado à ação direta de inconstitucionalidade, instituto esse pertinente ao campo do controle abstrato e não no difuso de normas e de competência do Supremo Tribunal Federal.

O Supremo Tribunal Federal não tem admitido ação civil pública por meio da qual se busque tutelar direitos difusos e/ou coletivos, com efeito erga omnes, tendo em vista que nessa hipótese se estaria usurpando sua competência, na medida em que os efeitos seriam os mesmos da ação direta de inconstitucionalidade. Nesse sentido, esse Tribunal, ao analisar a reclamação 434, afastou a possibilidade de controle de constitucionalidade em sede de ação civil pública, quando se tratasse de direitos difusos e/ou coletivos.

Entretanto, não haveria esse óbice se os direitos perseguidos fosses individuais homogêneos, já que nesse caso os beneficiários seriam um grupo identificado ou identificável.78

77 MEIRELLES, Hely Lopes - Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de

Injunção e Habeas Data. p. 165.

78 Decisão proferida nos autos da Reclamação 554-2/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, publicado no Diário da

Alexandre de Morais identifica bem a controvérsia, afirmando que o que se pretende é evitar que a ação civil pública seja utilizada como sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade, competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal.79

Por outro lado, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. discordam do entendimento de que não se pode exercer a fiscalização de norma por intermédio de ação civil pública, fixando premissas que podem ser adotadas para sua validade, quais sejam:

“a) que não se identifique na controvérsia constitucional o objeto único da demanda; b) que a questão de constitucionalidade verse e atue como simples questão prejudicial; c) a existência nos autos de pedido referente a relação jurídica concreta e específica; d) apresente-se como causa de pedir e não como pedido a matéria constitucional”.80

O Supremo Tribunal Federal também evoluiu em seu entendimento para admitir a fiscalização de norma por intermédio de ação civil pública, independente dos direitos discutidos, desde que a declaração de inconstitucionalidade não seja o único objeto da demanda, mas este seja apenas incidental.81

Em resumo, é possível controle de constitucionalidade de normas em sede de ação civil pública, ainda que as matérias discutidas sejam atinentes a direitos difusos e coletivos, desde que a declaração de inconstitucionalidade seja apenas incidental e prejudicial à análise do pedido principal, tendo em vista que, nessas hipóteses, a decisão judicial não faz coisa julgada e os efeitos da decisão se limitam ao caso concreto.

79 MORAIS, Alexandre de – Direito Constitucional, p. 570.

80 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. p. 315. 81

"Ação Civil Pública e Controle Difuso (Transcrições) RCL 1.733-SP (medida liminar)* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO PREJUDICIAL. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. - O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. " Informativo nº 212 do STF, [em linha] http://www.stf.jus.br/portal/informativo/verInformativo.asp?s1=RCL+602&pagina=4&base=INFO. Acesso em: 24 ago. 2018.