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2.2 A Constituição Federal de 1988 – atual sistema constitucional

2.2.5 Considerações finais

Do que foi abordado neste capítulo, é possível afirmar que o sistema de fiscalização de normas no Brasil tornou-se muito complexo, mantendo o que tem sido chamado de controle misto, ou seja, ele pode ser feito tanto na forma difusa, cuja competência é atribuída a todos os juízes e tribunais do país em sua composição plena, mas não pode ser feito por órgão fracionário, ante a exigência da cláusula de reserva de plenário, como também de forma concentrada exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal.

O controle pode ainda ocorrer de forma preventiva ou repressiva, sendo necessário o esgotamento da via recursal para que a matéria possa ser apreciada definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal, que o fará por intermédio da apreciação de recurso extraordinário.

É certo que o controle de constitucionalidade no Brasil tem sido um campo fértil para a atuação legislativa a partir da vigência da Constituição atual, promulgada em 1988. Nesse sentido, são vários os institutos que possibilitam à Suprema Corte realizar a fiscalização de forma concentrada, entre os quais a Ação Direita de Inconstitucionalidade por Ação ou por Omissão, a Ação Declaratória de Constitucionalidade, a Ação por Descumprimento de Preceitos Fundamentais e a Ação Interventiva, em todas elas a decisão tem efeito erga omnes e pode haver a modulação dos efeitos temporais.

Nesse sentido, vale ressaltar a constatação de Gilmar Mendes, para quem:

“a Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso, ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103) permitindo que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas”.153

Por outro lado, é no controle difuso que tem havido mais densificação legislativa, com a criação de novos institutos, como a Repercussão Geral, a Súmula Vinculante e a adoção da regulamentação assegurada no art. 28 da Lei nº 9.868/99, além da ampliação do alcance dos efeitos de institutos como a Ação Civil, Pública, a Ação Popular e o Mandado de Injunção, sendo que todas essas alterações tenderam a permitir a ampliação do alcance da decisão no seu aspecto subjetivo, permitindo que os efeitos não se restrinjam apenas às partes envolvidas no caso concreto, mas a algumas outras pessoas não incluídas na demanda original (ultra

partes) ou mesmo vincular a todos (erga omnes).

Essa ampliação dos efeitos da decisão ocorreu não apenas no campo subjetivo, mas também no temporal, na medida em que se pode atribuir o tradicional efeito ex tunc, típico do controle difuso, mas avançar também para permitir que uma decisão que tenha declarado determinada norma incompatível com a Constituição produza efeitos apenas ex nunc ou em qualquer momento no futuro (in futuro).

Essas alterações legislativas, embora pretendessem fortalecer o princípio da supremacia da constituição, não primaram para simplificar ou dar maior coerência ao sistema, gerando, em várias hipóteses, sobreposição de um instituto sobre o outro ou mesmo do sistema difuso sobre o concentrado e vice-versa.

Um exemplo claro da sobreposição é a possibilidade de aplicação das normas previstas na Lei nº 9.868/99 quanto à ampliação dos efeitos da decisão, sabidamente ligada ao sistema concentrado, ou seja, atribuir efeito erga omnes a uma decisão proferida em análise de um caso concreto, quando o art. 52, IX, da Constituição Federal exige que a ampliação desses efeitos somente poderia ocorrer por intermédio de Resolução do Senado Federal.

Assim sendo, teríamos a aplicação de um instituto legal previsto para regular o controle concentrado, sendo utilizado para praticamente tornar sem efeito uma norma constitucional cuja finalidade era disciplinar o processo difuso, conforme já anteriormente examinado. O contrário também pode ocorrer, ou seja, que um instituto previsto para ser usado o sistema difuso acabe por tornar irrelevante um outro concebido para o concentrado. Nesse sentido, o Mandado de Injunção, nos moldes em que é disciplinado atualmente, ao permitir a imediata implementação do direito perseguido não só às partes envolvidas no processo que discute um caso concreto, mas com efeito erga omnes torna a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão de pouca utilidade.

Também não se pode olvidar que a possibilidade da suspensão dos processos que se encontram tramitando nas instâncias inferiores, quando a causa esteja em sede de controle difuso, como ocorre na hipótese de aplicação da Repercussão Geral, causa enorme prejuízo ao jurisdicionado, na medida em que tais suspensões têm ocorrido por anos a fio, à espera que o STF dê definitivamente uma decisão.154

Vale ressaltar que nesse particular o ordenamento jurídico brasileiro fez opção totalmente oposta ao português, que mantém incólume a separação de ambos os sistemas e nem sequer permite que um tribunal suspenda a tramitação de um feito, ainda que a matéria

154 Já ocorreram mais de 1000 caso em que a repercussão geral foi apreciada, conforme está disposto no

endereço eletrônico:

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaRepercussaoInformacaoGeral/anexo/Edio53.pdf. Acesso em: 24 set. 2018.

esteja sendo objeto de análise no controle concentrado pelo Tribunal Constitucional, como ocorreu no julgamento do processo 257/97 155.

Ainda se deve lamentar que com todo esse aparato jurídico o legislador brasileiro não assegurou a possibilidade de que a matéria constitucional pudesse ser levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal de forma mais célere, com a possibilidade de recurso extraordinário imediato, permanecendo a sistemática de se exigir o esgotamento das instâncias ordinárias, o que somente ocorre depois de muitos anos de a matéria ter sido debatida nas cortes inferiores, gerando ainda mais insegurança jurídica.

A admissão de recurso imediato para o Supremo Tribunal Federal traria celeridade e segurança jurídica e permitiria, ainda, a manutenção de cada sistema de controle independente entre si nas suas feições teóricas originais.

Nesse sentido, não seria desarrazoável questionar se realmente há justificativa teórica e jurídica na manutenção de ambos os sistemas no ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que eles se encontram misturados em seus efeitos.

Após a análise dos instrumentos utilizados pela legislação brasileira no controle difuso, no próximo capítulo será analisado, ainda que de forma não tão exaustiva, as opções adotadas pelo direito comparado, a saber, os ordenamentos jurídicos português, norte-americano e alemão.

155 Proc. Nº 256/97, Plenário, Rel.: Consª Maria Fernanda Palma, disponível no sítio:

CAPÍTULO III

3 CONTROLE DIFUSO NO DIREITO COMPARADO

Após a análise do controle difuso no ordenamento jurídico brasileiro, no presente capítulo serão analisados a forma em que é feito o controle difuso nos ordenamentos jurídicos português, americano e alemão, tendo em vista a relevância e a influência desses países na formação do direito brasileiro, principalmente em sede de Direito Constitucional.