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Ações e estratégias conjuntas em favor do enfrentamento

4 REVISÃO DE LITERATURA

4.8 FORTALECIMENTO DA REDE DE APOIO, CUIDADO E PROTEÇÃO PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA

4.8.4 Ações e estratégias conjuntas em favor do enfrentamento

Segundo a World Health Organization (2006), corroborada por Cardoso e colaboradores (2013), o senso comum frequentemente associa o problema da violência com a segurança e os sistemas de justiça. Só mais recentemente, com o desenvolvimento progressivo e engajamento de profissionais que trabalham com a saúde pública, tem havido um crescente reconhecimento de que a abordagem da violência deve ser realizada de forma interdisciplinar. A violência contra a criança exige intervenções múltiplas, envolvendo medidas protetoras de todas as instâncias. O sistema policial e jurídico deve garantir segurança às vítimas,

responsabilizar os agressores e estabelecer procedimento para que as outras instituições que compõem o sistema social fiquem responsáveis pelas intervenções.

Para o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006), a criança precisa conhecer seus direitos legais, de modo que possa exigi-los, sendo, dessa forma, corresponsável pelo cumprimento da legislação. Em contrapartida, programas que promovam relações seguras, sustentáveis e carinhosas entre as crianças e seus pais ou cuidadores podem substancialmente reduzir os casos de violência (MOCK et al., 2008).

De acordo com o relato de Veloso e colaboradores (2013), para que haja o efetivo controle da violência contra a criança, é necessário incentivar a formação de redes de cuidado e proteção das vítimas, garantindo atendimento integral, promoção da saúde e cultura da paz, por meio dos mecanismos de identificação dos agressores. Contudo há poucos dados disponíveis sobre a atuação dos sistemas de proteção nos países subdesenvolvidos (CHILD et al., 2014).

Benbenishty e outros (2014) apontam que muitos países estão buscando medidas nacionais na tentativa de coibir a violência e reduzir suas consequências para a vítima e para a sociedade, sensibilizados com a violência que atinge crianças em todos os continentes. Assim, muitos hospitais, em vários países do mundo, como Israel, Estados Unidos, Brasil, Hong Kong, Áustria e Turquia, contam como uma Equipe de Proteção à Criança (EPC). Porém, muitas vezes, a existência de lesões mais graves não permite um maior aprofundamento no caso por parte da EPC, e o relato dos pais pode ofuscar o quadro clínico e iludir os profissionais.

A instituição de leis que proíbam a violência física, associada a programas educativos intensos, estimuladores do diálogo, parecem ser estratégias importantes para coibir a violência doméstica dentro da família (FRANZIN et al., 2013).

De acordo com a percepção de Minayo e Souza (1999), o desenvolvimento social, a educação formal, a melhoria das condições de vida da população, a instituição da justiça, do exército e da polícia foram os principais fatores responsáveis pela redução da violência fatal em alguns países do continente europeu.

Na Rússia, um vasto conjunto de leis vem sendo aprovado nos últimos dezessete anos, com a finalidade de garantir os direitos básicos das crianças, embora o tratamento abusivo em relação às crianças não tenha sido visto como prioridade social. Nesse país, existe um esforço conjunto da polícia, de assistentes sociais, sociólogos, psicólogos, educadores, profissionais de saúde e sociedade civil no intuito de combater a violência contra a criança, mas ainda persistem lacunas no sistema e a necessidade de leis especificas que proíbam esse tipo de

prática e puna duramente os autores dos maus-tratos (IARSKAIA-SMIRNOVA; ROMANOV; ANTONOVA, 2008).

Já em Israel, o Ministério da Saúde determinou que equipes de proteção à criança estejam presentes em todos os hospitais, realizando investigações preliminares de suspeitas de violência infantil, abordando parâmetros físicos, comportamentais e psicossociais. E, na suspeita de maus-tratos, a equipe encaminha o caso para a polícia (BENBENISHTY et al., 2014).

Child e colaboradores (2014) mostram que, em Uganda, a Constituição do país e o capítulo 59 da Lei da Criança estabeleceram as obrigações do governo para garantir a proteção das crianças mais vulneráveis. Naquele país, todas as delegacias de polícia são obrigadas a ter uma unidade de proteção à criança e à família, com agentes especializados para lidar com as queixas apresentadas pelas próprias vítimas.

Já Reading e colaboradores (2009) lembram que o documento final da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU estabeleceu que os direitos da criança de usufruir da prestação de serviços, de participação na sociedade, além de ter assegurado cuidado e proteção em seu benefício, deveriam ser implementados como um pacote, em vez de tratados seletivamente. A maior força de uma abordagem baseada na referida Convenção é que ela fornece um instrumento legal para a aplicação da política, responsabilidade e justiça social, não consistindo em um código moral, embora seu texto tenha como base fundamentos éticos e morais.

No Brasil, a articulação entre as diferentes áreas do conhecimento visa ao cumprimento dos princípios assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), quanto às políticas e programas. Uma das principais ações do ECA foi a instituição do Conselho Tutelar, órgão responsável por iniciar a avaliação da situação de maus-tratos denunciada, desencadeando as medidas a serem tomadas pelas redes especificas de atenção: proteção da criança, afastamento da vítima do autor da agressão e tratamentos (MARTINS; MELLO-JORGE, 2009; SOUZA et al., 2014). Porém, para Ramos e Silva (2011), a integração entre os Conselhos e os serviços de saúde ainda é precária, pois os profissionais de saúde acreditam que essa Instituição não vem cumprindo o seu papel nessa rede de proteção à criança vítima de violência, quando situações lhe são encaminhadas. Por outro lado, a atuação dos Conselhos Tutelares revela-se insatisfatória, uma vez que esses órgãos contam com infraestrutura precária, falta de pessoal qualificado para o cumprimento da missão de conselheiro, grande demanda de trabalho e dificuldades nos serviços de apoio para a execução das medidas que devem ser aplicadas (ARPINI et al., 2008).

Ademais, Campos e colaboradores (2005) advertem que a integração entre os setores de saúde e Segurança Pública é fundamental para que vítimas de violência sexual recebam atendimento na área de saúde o mais precocemente possível, focalizando na prevenção das possíveis sequelas que ameaçam a integridade física e emocional.

Entre os recursos disponíveis para o enfrentamento da violência e em prol da proteção dos direitos humanos está a utilização da informação, com o fortalecimento dos movimentos sociais em defesa da vida. Assim, a ação governamental desempenha importante papel no sentido de sistematizar e garantir o acesso às informações sobre temas importantes e de interesse para a sociedade (BRASIL, 2008).

No sentido de melhorar a qualidade da informação, sempre que possível, os sistemas de vigilância devem ser complementados por inquéritos de base populacional, ação especialmente importante em situações em que não há forte sistema de proteção à criança, ou a maioria dos casos não é conhecida pelas autoridades (WHO, 2013).

Nesse intuito, é preciso investir tecnicamente para que o sistema de registro das notificações possibilite o processo de avaliação continuada e o monitoramento da rede de proteção, o que só se efetivará se houver investimentos em recursos humanos, equipamentos e meios para ação (BRASIL, 2002, 2002b).

Para Gomes e outros (2010), somente através da indignação de cada indivíduo em nossa sociedade e do enfrentamento de paradigmas como os de que os pais têm o direito de impor a força física para educar seus filhos – pois nem sempre eles tiveram a oportunidade de aprender a melhor forma de cuidar –, a sociedade estará pronta para o enfrentamento da violência física contra a criança. Esses pais precisam ser conscientizados e informados sobre o desenvolvimento da criança, suas necessidades e direitos.

Entende-se que o rompimento do ciclo da violência implica a desconstrução da rede que se organizou ao redor da criança ou adolescente que é vítima. Portanto, o ponto inicial para enfrentar a violência contra a infância passa por romper os pactos de silêncio (ARPINI et al., 2008).

Segundo Ferreira e colaboradores (2015), na violência infantil, a prevenção visa a proteger a criança de outras exposições e da perpetuação para a violência juvenil. Dessa forma, um dos recursos utilizados para prevenir recidivas consiste na retirada da criança do convívio familiar, garantindo proteção em outra família, mesmo que temporariamente. Ainda para esses autores, na maioria das vezes, os casos de violência infantil são identificados por autoridades escolares e policiais que realizam a denúncia.

Thomazine, Oliveira e Vieira (2009) ponderam que é importante chamar o poder público à sua responsabilidade por meio dos registros dos maus-tratos, pois somente assim, com a comprovação epidemiológica da sua magnitude, os profissionais de saúde e a sociedade poderão exigir mais efetivamente o suporte adequado para uma melhor intervenção e prevenção dos casos de violência.

Por outro lado, é preciso criar mecanismos sociais e exigir a atuação dos já existentes para que a “notificação” dos casos de violência pelo setor saúde não seja traduzida como “denúncia”, no sentido repressivo e policialesco do termo. Na prática, a notificação deve significar uma garantia de que a criança e sua família poderão contar com o apoio de instituições preparadas e profissionais competentes.

De acordo com Eisele e Campos (2005) e Martins (2010), a denúncia é o caminho mais recomendado e deve ser o de escolha, não apenas para não se incorrer em ilícito penal, por ter conhecimento de um crime e não o comunicar à autoridade competente, como também, e principalmente, para evitar o agravamento da situação. Assim, a sensibilização da população e o funcionamento do disque-denúncia em tempo integral, bem como um maior comprometimento das autoridades na reavaliação do funcionamento dos conselhos tutelares, para diminuir os subregistros e fortalecer a rede de proteção, são ações essenciais no controle e monitoramento dos maus-tratos infantis (COSTA et al., 2008).

Segundo Martins (2010), estudos alertam para o fato de que, além da falta de notificação por parte da sociedade e dos profissionais, os poucos serviços e iniciativas existentes no país para identificação e atendimento das vítimas não contam com uma rede de informação interligada que torne possível retratar o comportamento da violência na população.

A sociedade tem a obrigação de proteger as crianças das situações de maus-tratos, e os gestores públicos precisam de respostas para questões fundamentais sobre o tamanho do problema, sua gravidade e evolução, suas causas e consequências, além dos custos para a sociedade e para o Estado. De acordo com os argumentos da World Health Organization (2013), essas questões parecem ser, relativamente, de fácil resolução, em pleno século 21, embora as dificuldades surjam da falta de disponibilidade de dados confiáveis e válidos para cada região.