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Estatísticas de mortalidade

4 REVISÃO DE LITERATURA

4.5 PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA

4.5.4 Estatísticas de mortalidade

4.5.4.1 Panorama mundial

As mortes representam apenas uma pequena fração do problema dos maus-tratos, visto que, anualmente, milhões de crianças são vítimas de abuso não fatal (OMS, 2006, p. 11). Minayo e Souza (1997/1999) afirmam que a violência afeta a saúde porque ela representa um risco maior para a realização do processo vital humano: ameaça a vida, altera a

saúde, produz enfermidade e provoca a morte como realidade ou como possibilidade próxima. Porém, para a World Health Organization (2013), a mortalidade decorrente dos maus-tratos é apenas a ponta do iceberg, pois se estima que, para cada óbito de criança decorrente de maus- tratos, existe de 150 a 2.400 casos de maus-tratos não fatais.

Kleves e Leeb (2010) apontam o homicídio como a quinta maior causa de morte de crianças menores de cinco anos de idade, afirmando que quase 50% desses homicídios são atribuídos a maus-tratos. As informações sobre os óbitos de crianças decorrentes da violência são coletadas nos sistemas de registros de óbitos ou dados de mortalidade. Ainda que esse assunto esteja recebendo cada vez mais atenção nas últimas três décadas, há uma escassez de informações relativas às ocorrências, como acontece com a maioria das estatísticas relacionadas aos maus-tratos infantis, podendo haver subnotificação de dados sobre homicídios de crianças. Mesmo assim, em todo o mundo, estatísticas apontam que mais de 53 mil crianças morrem a cada ano vítimas de homicídios (DOUGLAS, 2013; SIDEBOTHAM; ATKINS; HUTTON, 2012).

Segundo a World Health Organization (2002), as maiores taxas de homicídios em crianças menores de cinco anos ocorrem na Africa, com taxa de 17 homicídios por 100 mil crianças, entre os meninos, e de 12,7 por 100 mil crianças, entre as meninas. As menores taxas são encontradas na Europa, Mediterrâneo Oriental e Pacifico Ocidental.

O fator de risco de maior impacto para a violência contra crianças é a idade. Dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos indicam que, no universo de indivíduos com menos de 18 anos de idade, os bebês de até um ano são o grupo que corre o segundo maior risco de morte por homicídio. O risco de morte é cerca de três vezes maior para crianças com menos de um ano de idade do que para o grupo entre 1 a 4 anos de idade. A estimativa mundial de homícidios infantis sugere que a taxa, para o grupo de 0 a 4 anos, é duas vezes maior do que para o grupo de 5 a 14 anos de idade, resultado da dependência, vulnerabilidade e relativa invisibilidade social, características referentes às crianças menores (ASSIS et al., 2012; DOUGLAS, 2013; LEE; LATHROP, 2010; WHO, 2006). Veloso e colaboradores (2013) relatam que, em países como a Finlândia, Alemanha e Senegal, as idades de maior vulnerabilidade ao abuso físico fatal estão entre 0 e 2 anos.

Em relação ao sexo das crianças, pesquisas internacionais apontam que a proporção de homicídios por violência entre os meninos é de 53%, enquanto entre as meninas é de 47%, demonstrando uma discreta diferença nas frequências (DOUGLAS, 2013). Em algumas regiões, a desigualdades de gênero e a discriminação colocam as meninas em risco aumentado

para os óbitos decorrentes de maus-tratos. As práticas aqui incluem o infanticídio feminino, os chamados "crimes de honra", e a negligência decorrente do sexo da criança (WHO, 2006).

Embora não seja possível especificar a proporção de homicídios infantis que são cometidos por pais ou outros membros da família, alguns estudos, cuja maioria foi realizada em países de alta renda, sugerem que os membros da família são responsáveis pela maioria dos homicídios em crianças de 0 a 14 anos, e, quanto mais nova a criança, maior será a probabilidade de sua morte ser causada por um parente próximo (ASSIS et al., 2012; WHO, 2006). Em abordagem sobre esse mesmo assunto, Martins (2010) e Douglas (2013) relataram outras pesquisas indicando que, em 75% dos casos, os pais biológicos são os únicos responsáveis pela autoria do homicídio, ou agiram com a ajuda de alguém, acrescentando que outros familiares também podem estar envolvidos com maus-tratos fatais, como os padrastos (11,1%), madrastas (3,4%) e outros familiares.

Organizações internacionais indicam que o risco de abuso infantil fatal é de duas a três vezes maior em países subdesenvolvidos, quando comparados àqueles que desfrutam de uma melhor condição socioeconômica (WHO, 2002, 2006).

Reza, Mercy e Krug (2001) comentam que, nas regiões que enfrentam conflitos, as taxas de mortalidade devido aos eventos de guerra são altas entre as crianças, principalmente na faixa etária de 0 a 4 anos de idade. No mundo, a taxa de mortalidade devido às guerras, no ano de 1990, foi de 16,2 por 100 mil crianças de 0 a 4 anos de idade. Nesse mesmo ano, as maiores taxas de mortalidade de crianças de 0 a 4 anos registradas devido às guerras foram de 57,5 por 100.000 crianças na região da África Subsaariana, 42,5 por 100.000 crianças no Oriente Médio e 23,1 por 100 mil crianças na Europa.

De acordo com Gawryszewski, Koizumi e Mello-Jorge (2004), as altas taxas de homicídios verificadas nos Estados Unidos, em todas as faixas etárias, são atribuídas ao culto pelo armamento e à permissividade em relação à compra de armas, além da questão racial.

Segundo estimativas da Universidade de Tennesse, reveladas por Parks e colaboradores (2002) e Iarskaia-Smirnova, Romanov e Antonova (2008), cerca de 4 mil crianças morrem anualmente, nos Estados Unidos, por culpa dos adultos, e os resultados apontam que homicídio é a terceira principal causa de morte de indivíduos entre 1 e 4 anos de idade, e a quarta causa para crianças de 5 a 9 anos e de 10 a 14 anos.

Estudos desenvolvidos nos estados americanos revelaram que, no ano de 2006, mais de 900 mil crianças foram vítimas de maus-tratos, das quais 1.400 foram a óbito. Ainda nos Estados Unidos, no ano de 2007, 794 mil crianças foram violentadas, sendo que 10,8% delas

foram vítimas de violência física. Do total de crianças violentadas no ano de 2007, 1.760 foram a óbito (FRANZIN et al., 2013).

Segundo relato de Douglas (2013), as estatísticas oficiais dos Estados Unidos indicam que, no ano de 2009, 1.170 crianças morreram em decorrência de maus-tratos, embora pesquisas não oficiais afirmem que o número real foi muito maior. Dessas vítimas, 36,7% morreram em decorrência de violência física e negligência, 35,8% por negligencia e 23,2% por violência física, sendo que violência psicológica e violência sexual ocorreram com menor frequência.

Estudo realizado, também nos Estados Unidos, sobre a mortalidade de crianças menores de 5 anos de idade, tendo como causa a violência infantil, analisou registros de 600 crianças, das quais 42% eram brancas e 38% negras. Quanto à tipologia da violência, 66% das crianças sofreram violência física e 10% negligência, sendo que a principal autoria dos maus- tratos físicos foi atribuída aos pais ou padrastos, e a maioria das situações de negligência teve as mães como autoras. A maioria das crianças vitimadas tinha entre 0 e 1 ano de idade (HIGH BEAM, 2010).

Para Proeschold e Harmon (2010), as lesões e violências, associadas a outros eventos de consequência fatal, são problemas de saúde pública na Carolina do Norte – Estados Unidos, onde, segundo os autores, os homicídios foram a 2ª causa de morte devido a lesão intencional, no ano de 2009, em todas as faixas etárias.

Na cidade de Los Angeles, Califórnia, Estados Unidos, tiroteios entre gangues de rua são uma importante causa de morbimortalidade de crianças e adolescentes, constituindo-se em um problema de Saúde Pública, pela magnitude das consequências para o setor saúde e para a sociedade em geral. Em estudo que buscou revisar os registros de todos os tiroteios entre gangues que aconteceram nessa cidade no ano de 1991, foram analisados 429 registros de crianças e adolescentes baleados, dos quais 36 crianças (5,3%) tiveram ferimentos fatais. Além disso, 10 a 20% das crianças da cidade de Los Angeles já testemunharam pelo menos um homicídio, condição que pode acarretar sérios problemas psicológicos nessas crianças (HUTSON; ALGLIN; PRATTS JR, 1994).

Lee e Lathrop (2010) relatam um estudo realizado no Novo México, que analisou os dados referentes às necropsias realizadas em crianças e adolescentes de 1 a 18 anos, no período compreendido entre os anos 2001 a 2006. Dos 142 homicídios registrados, 38,7% correspondiam a crianças com idades entre 1 e 5 anos, com média de idade de 1 ano, com proporção de 2,2 meninos para cada menina. As causas de morte mais prevalentes foram traumatismo craniano (44,4%); síndrome da criança espancada (15,6%); múltiplas lesões

contusas (15,6%) lesões abdominais (8,9%) asfixia (6,7%), síndrome do bebê sacudido (2,2%); desidratação ou má nutrição (2,2%). A maioria das vítimas apresentava lesões na cabeça (84,4%), fraturas ósseas (40%), marcas de mordidas (11,1%). Os exames toxicológicos foram positivos em 26,7% das vítimas, sendo que 13,3% das drogas identificadas nos exames eram substâncias antiepilépticas. Embora seja um método raramente utilizado, a intoxicação por substâncias pode ser utilizada para matar a criança ou contribuir para que o homicídio ocorra. Assim, os exames toxicológicos devem ser realizados em todos os casos de mortes suspeitas e nos homicídios de crianças. Em relação ao local de ocorrência do óbito, 89% deles ocorreram na residência, 6,7% no hospital, 2,2% na residência da cuidadora e 2,2% em instituição de acolhimento. Familiares estavam envolvidos com a autoria das violências em 80% dos casos, sendo que os pais foram os autores em 36% deles, pais e mães em 30,6%, somente as mães em 16,7%, os padrastos em 8,3%, as madrastas em 5,6% e tios ou tias em 2,8% dos casos. Porém informações sobre possíveis fatores de risco para a violência contra as crianças – como idade dos pais, estado civil, uso de álcool, situação de emprego e escolaridade – encontravam-se subnotificadas, impedindo a análise dessas variáveis e da relação delas com os óbitos.

Maus-tratos contra crianças levam à morte prematura de 852 crianças e adolescentes menores de 15 anos anualmente na Europa, embora nem todas as mortes por maus-tratos sejam contabilizadas e, consequentemente, esse número tendo a ser subestimado nas estatísticas. Estudos mostram que, no continente europeu, as taxas de mortalidade são maiores nas crianças com idades entre 0 e 5 anos, e a proporção de óbitos entre os meninos é de 61%, sendo, portanto, maior do que entre as meninas. No diz respeito às condições socioeconômicas dos países, as taxas de homicídios de crianças e adolescentes menores de 15 anos é 2,5 vezes maior nos países de renda média e baixa em relação aos países de maior poder aquisitivo. Adicionalmente, as taxas de mortalidade são maiores nas comunidades mais pobres, mesmo nos países mais ricos (WHO, 2013).

Sidebotham, Atkins e Hutton (2012) apresentam dados de um estudo realizado na Inglaterra e no País de Gales sobre a morte de crianças entre os anos de 1974 a 2008, no qual foi observada a redução dos óbitos de lactentes e crianças na faixa etária entre 1 e 14 anos, decorrentes de agressões, refletindo melhorias na proteção às crianças contra a violência naqueles países. Porém, apesar dessa redução no número de casos, estima-se que de 1 a 2 crianças morrem a cada semana na Inglaterra e no País de Gales como resultado da violência física ou negligência. Para Al-Habsi et al. (2009), o abuso de crianças ocorre em todas as classes sociais, porém é mais visível nas populações de menor poder aquisitivo.

Na Finlândia, a frequência de lesões fatais na infância é uma das mais elevadas da Europa Ocidental. Enquanto, no ano de 1950, a incidência de lesões fatais em crianças foi de 40 para cada 100.000 crianças de 0 a 14 anos de idade, em 1960, foi de 30 por 100 mil crianças, e de 27 por 100 mil crianças em 1970, considerando a mesma faixa etária. Ainda nesse país, um estudo realizado no ano de 1971 apontou que os óbitos de crianças na faixa etária de 1 a 14 anos, por lesões intencionais, corresponderam a 9% do total das lesões fatais, no ano de 2010, e as lesões intencionais corresponderam a 12% do total. Assim, embora o número de óbitos de crianças decorrentes de lesões intencionais não seja alto, há uma clara necessidade de medidas preventivas para evitar mortes violentas de crianças na Finlândia (PARKKARI et al., 2013).

4.5.4.2 Panorama nacional

Dados do Ministério da Saúde revelaram que, entre as crianças brasileiras menores de um ano de idade, a violência fatal não apresenta diferenciação quanto ao gênero, embora, nos primeiros anos de vida, os meninos sejam mais vitimados pela violência fatal do que as meninas (BRASIL, 2008).

No Brasil, o uso de armas de fogo é um importante fator motivador de óbitos de crianças e adolescentes (BRASIL, 2006). No ano 2000, as armas de fogo foram responsáveis por 72,1% dos homicídios de crianças e jovens na faixa etária de 0 a 19 anos.

Gawryszewski, Koizumi e Mello-Jorge (2004) revelam que, no ano 2000, ocorreram 118.367 óbitos por causas externas no Brasil, em todas as faixas etárias, dos quais 38,3% foram homicídios, predominantemente de indivíduos do sexo masculino. A maioria desses homicídios foi ocasionada pelo uso de armas de fogo.

De acordo com relato de Mascarenhas e outros (2010), no ano de 2006, foram registrados, no país, 310 homicídios de crianças menores de 10 anos, representando 7% do total de óbitos por causas externas nessa faixa etária. No mesmo ano, o risco de morte de crianças menores de 10 anos por agressões fatais foi de 0,9 por 100 mil crianças menores de 10 anos. Quando os dados foram estratificados por faixa etária, verificou-se que as crianças menores de um ano estiveram expostas a maior risco de morte por violência, sendo de 0,6 por 100 mil na faixa etária de 1 a 4 anos e de 0,8 por 100 mil na faixa etária de 5 a 9 anos.

Pesquisas nacionais indicam o aumento da violência nas cidades de pequeno e médio porte, condição antes observada apenas nas grandes cidades. Os estudiosos da área destacam que a presença de agressões, inclusive com óbitos por uso de armas de fogo, denuncia o

aumento da violência nos últimos anos em cidades brasileiras de menor porte populacional (MARTINS; ANDRADE, 2005).

Em estudo realizado na cidade de Recife, capital do Estado de Pernambuco, no período compreendido entre os anos 1998 e 2004, os pesquisadores Costa, Ludermir e Silva (2009) analisaram as características da mortalidade por violência contra adolescentes, segundo as variáveis condições de vida e raça ou cor. Após a análise dos dados, os pesquisadores concluíram que a maior taxa de mortalidade ocorreu devido aos homicídios, vitimando adolescentes que viviam entre as piores condições de vida, sendo que 92,45% deles eram negros, e o instrumento mais utilizado foi a arma de fogo. Assim, como Recife é uma das cidades mais violentas do Brasil, seu número elevado de homicídios pode estar associado ao incremento do uso das armas de fogo.

4.5.4.2.1 Panorama do Estado da Bahia

Dados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) apontam que, no Estado da Bahia, nos anos de 2011 e 2012, ocorreram 25 e 18 óbitos de crianças menores de 10 anos de idade, respectivamente, decorrentes de agressões (Códigos X85 a Y09 da CID-10). No Estado, a taxa de óbitos por agressões, nessa faixa etária, foi de 1,1 por 100 mil crianças menores de 10 anos no ano de 2011 e 0,8 por 100 mil crianças menores de 10 anos em 2012. Essa mesma taxa em Salvador, capital do Estado, foi de 1,8 por 100 mil crianças menores de 10 anos em 2011 e 0,9 por 100 mil crianças menores de 10 anos no ano de 2012, apontando uma redução de 50% nessa taxa entre os dois anos analisados (BRASIL, 2015c).

Estudo realizado em 1991 descreve a distribuição da mortalidade por causas externas no espaço urbano do município de Salvador, capital do Estado da Bahia. Como resultados, os autores verificaram que o tipo principal de morte violenta, em Salvador, foi representado pelos homicídios, com diferenças entre os gêneros feminino e masculino e entre as faixas etárias. No que diz respeito ao grupo de 0 a 4 anos de idade, a taxa de mortalidade por homicídios foi de 0,9 por 100 mil habitantes, não apresentando diferenças entre gêneros. No grupo de 5 a 9 anos de idade, a taxa de mortalidade por homicídios foi de 0,8 por 100 mil habitantes para o gênero feminino, porém, no ano de 1991 não houve homicídios de crianças do gênero masculino nessa faixa etária. O estudo concluiu que o problema das mortes violentas, no município de Salvador, apresentava-se como uma das principais questões de saúde pública e cidadania (PAIM et al., 1999).

4.6 CONSEQUÊNCIAS ORGÂNICAS DA VIOLÊNCIA PARA O CRESCIMENTO E