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CONSEQUÊNCIAS ORGÂNICAS DA VIOLÊNCIA PARA O CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DAS VÍTIMAS

4 REVISÃO DE LITERATURA

4.6 CONSEQUÊNCIAS ORGÂNICAS DA VIOLÊNCIA PARA O CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DAS VÍTIMAS

A violência, desafio mundial e plurissetorial, está presente em todas as sociedades, independentemente de raízes culturais, religião ou desenvolvimento econômico, causando não somente impacto social como também para a saúde da população. Além dos prejuízos individuais, com potenciais anos de vida perdidos, a violência ainda resulta em altos custos econômicos e sociais para o Estado e para as famílias.

Estima-se que os Estados Unidos gastam cerca de nove bilhões de dólares, anualmente, com as consequências dos maus-tratos nas suas vítimas. E, entre as crianças que sobrevivem aos maus-tratos, estima-se uma taxa de 30% de vítimas com sequelas (FRANZIN, et al., 2013; TERRA; SANTOS, 2006).

De acordo com a argumentação de Deslanez (2012), quando esse problema afeta a população infantil, ele se torna ainda mais preocupante, pois a violência contra a criança inclui tanto danos imediatos quanto em médio e longo prazo. De forma geral, toda criança que sofre violência nos primeiros anos de vida pode ter seu desenvolvimento cerebral comprometido. Após um longo período de vitimização ou presenciando atos de violência, a criança terá o seu sistema imunológico e o nervoso afetados, resultando em inaptidões sociais e cognitivas.

A exposição precoce da violência na infância está relacionada com o desenvolvimento de enfermidades em etapas posteriores da vida. Os sinais da violência se traduzem em consequências que podem ser distintas segundo a etapa do desenvolvimento. Quanto mais precoce, intensa ou prolongada a situação de violência, maiores e mais permanentes serão os danos para a criança. Nesse sentido, a idade, o grau de desenvolvimento psicológico, o tipo de violência, a frequência, a duração, a natureza, a gravidade da agressão, o vínculo afetivo entre o autor da violência e a vítima, ou ainda as medidas em curso para a prevenção de agressões futuras, determinam o impacto da violência na saúde, para esse grupo etário (BRASIL, 2010a).

Essas violências se interpõem como uma ameaça ao direito à vida e à saúde de crianças e adolescentes. Agir na vanguarda da saúde pública pressupõe conhecer os tipos e natureza da violência, bem como as suas formas e manifestações, além das consequências da exposição, para atuar no cuidado, em todas as dimensões, com fluxo ágil e competente, em cada nível da atenção. (BRASIL, 2010a, p. 27)

4.6.1 Violência física

Segundo dados da World Health Organization (2002), de uma forma geral, a violência física pode ser praticada por meio de tapas, beliscões, chutes e arremesso de objetos, ocasionando lesões, traumas, queimaduras e mutilações. Apesar da subnotificação, é o tipo mais identificado pelos profissionais nos serviços de saúde. A literatura cita que as principais consequências da violência física são os traumas ou contusões, as fraturas e as queimaduras.

Uma das sequelas, em crianças menores de um ano de idade, é a síndrome do bebê

sacudido, também encontrada com os sinônimos de trauma craniano abusivo, trauma craniano não acidental ou infligido e trauma craniano violento, geralmente causado por

violenta movimentação da criança, segurada pelos braços ou tronco. Essa ação provoca o choque entre a calota craniana e o tecido encefálico deslocado, ocorrendo desde micro hemorragias, por rupturas de artérias e veias, até hemorragias maciças e rompimento de fibras do tecido nervoso. De acordo com diversos estudos na área, os principais sinais dessa síndrome são o hematoma subdural, o edema cerebral e a hemorragia de retina. A agitação é uma das formas mais prevalentes de abuso em crianças muito jovens, apresentando maior frequência entre os bebês de 0 a 9 meses de idade. Nesse tipo de agressão, a maioria dos autores são homens, e, sendo eles mais fortes do que as mulheres, consequentemente, a força aplicada é maior, causando, portanto, maior dano à saúde da criança. Cerca de 1/3 de lactantes que são continuamente sacudidos evoluem com óbito, e a grande maioria dos sobreviventes cursa com retardo mental, paralisia cerebral, convulsões, hemorragia de retina e cegueira (BRASIL 2010a; DELANEZ, 2012).

A Síndrome da criança maltratada – The Battered-child Syndrome – foi descrita pela primeira vez pelo médico americano Kempe, em 1962, sendo caracterizada pela presença de lesões repetidas, que atingem o sistema esquelético e o sistema nervoso. Comumente, a criança apresenta fraturas múltiplas, traumatismo craniano e visceral graves. Atinge crianças de todas as idades, e a maioria dos casos traz consequências graves (WHO, 2002).

Em 1999, Meadow definiu a síndrome da morte súbita do lactente – sudden infant

death syndrome – como a morte inesperada de crianças menores de um ano de idade, que

ocorre durante o sono, na qual a história clínica, o exame físico, a necropsia e o exame do local do óbito não demonstram a causa específica da ocorrência. A síndrome de morte súbita

do lactente é uma condição que requer estudos mais aprofundados, visto que o termo se

tornou uma barreira para a investigação sensata e sensível dos óbitos infantis. Tanto o médico legista quanto o patologista são pressionados para fornecer um diagnóstico rápido após o exame de necropsia, para que o corpo da criança seja liberado para a família providenciar o

funeral. Inevitavelmente, há uma tendência para que todas as partes busquem uma causa natural, e não uma causa violenta para a morte súbita de uma criança. Dessa forma, óbitos cujas causas de morte foram a síndrome de morte súbita do lactente podem mascarar possíveis mortes intencionais de crianças na faixa etária de maior risco.

Trauma na cabeça é a causa mais comum de óbito de crianças vítimas de violência, principalmente na faixa mais vulnerável de 0 a 2 anos de idade. Independentemente da idade da criança, os traumatismos não fatais são mais frequentes na cabeça e no abdome, e as fraturas podem ser únicas ou múltiplas e em diferentes estágios de cicatrização (BRASIL, 2006; WHO, 2002).

Para Oliveira e colaboradores (2014), as vítimas de violência física são 2,5 vezes mais propensas a terem lesões maxilofaciais. Esse fato pode estar relacionado com o fato de a face ser uma região de fácil visualização anatômica.

Day e colaboradores (2003), reforçados por Santos e colaboradores (2010), alertaram para o fato de que lesões na pele podem fornecer sinais claros de abuso físico, e a contusão é a lesão mais comum nesse tipo de violência, cujos sinais podem incluir vermelhidão, equimoses ou hematomas, muitas vezes, imprimindo, na criança, a marca do objeto utilizado para produzir a agressão, como varas, fios, cintos, mãos fivelas, sapatos. Em crianças pequenas, com idades entre 1 e 6 anos, o abuso físico é caracterizado por hematomas e equimoses na região periorbitária, no tronco, nas nádegas e coxas, além de queimaduras de 2º e 3º grau, principalmente no períneo, nas nádegas, em mãos e pés (BRASIL, 2006).

Toon e outros (2011) revelam que as queimaduras são a terceira causa mais frequente de lesões em crianças de 0 a 4 anos de idade, podendo acarretar sequelas graves e até a morte, sendo responsáveis por uma maior permanência de internação do paciente e custo elevado dos tratamentos.

As lesões por queimaduras, em que se suspeita ou confirma a ocorrência de violência contra a criança, correspondem de 10 a 20% dos casos. Enquanto as queimaduras acidentais têm uma taxa de mortalidade de 2%, nas queimaduras intencionais, essa taxa chega a 30% em crianças. Estudos americanos mostram que a parte de corpo mais atingida por queimaduras intencionais são tronco (78,9%), períneo (31,9%), nádegas e pés.

Em estudo realizado por Thoresen e outros (2015) com adultos noruegueses, os autores observaram que tanto mulheres quanto homens que foram vítimas de violência física ou sexual na infância apresentaram, na vida adulta, quadros de depressão e (ou) ansiedade.

4.6.2 Violência sexual

Muitas crianças são envolvidas em crimes sexuais que, aparentemente, não resultam em danos físicos ou evidências materiais, pois, a maioria das práticas envolve atos libidinosos que não deixam provas objetivas que possam ser constatadas pelo perito médico legista durante a realização do exame de corpo de delito (CAMPOS et al., 2005).

Mouden e outros (1998) advertem que, na maioria das vezes, as crianças que sofreram violência sexual apresentam exames genitais normais. Dessa forma, a história da criança é o componente mais importante na avaliação do abuso sexual. Essas crianças necessitam de uma investigação mais aprofundada, pois, muitas vezes, o abuso é descoberto em decorrência da associação com o surgimento de problemas físicos de saúde, como infecções, principalmente no trato urinário, lesões genitais, dores abdominais, constipação ou problemas comportamentais (WHO, 2002, 2006).

Franzin e colaboradores (2013) argumentam que muitas meninas que foram vítimas de violência sexual saem de casa quando o agressor é o pai ou padrasto, passando a viver nas ruas, onde ficam expostas a agressões, delinquências, doenças psicossomáticas ou sexualmente transmissíveis. Em um estudo realizado em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, observou-se que 23,4% das crianças em “situação de rua” não retornavam para suas casas em função de terem sido vítimas de maus-tratos recorrentes em seus domicílios (DAY et al., 2003).

Segundo Delanez (2012), estudos apontam algumas consequências físicas e psicológicas da violência sexual que vitima crianças. No rol das consequências físicas, são citadas: edema ou lesões em área genital (sem outras doenças que os justifiquem), lesões de palato ou de dentes anteriores (decorrentes de sexo oral), sangramento vaginal inespecífico, sangramento, fissuras ou cicatrizes anais, dilatação ou flacidez de esfíncter anal (sem presença de doença que justifique), rompimento himenal, doenças sexualmente transmissíveis, AIDS, gravidez, aborto.

O elenco das consequências psicológicas e psiquiátricas inclui distúrbios ou impossibilidade de assumir uma vida sexual adulta saudável, desvio do comportamento sexual como promiscuidade, perversões, fetichismo, pedofilia, iniciação precoce à atividade sexual, abuso de substâncias psicoativas, álcool e outras drogas, depressão, distúrbios de ansiedade, síndrome do pânico, alternância de humor, permanente sentimento de culpa, baixa autoestima, tendências suicidas.

4.6.3 Violência psicológica

Thoresen e outros (2015) destacam que a violência psicológica na infância pode desencadear sintomas agudos de sofrimento e, progressivamente, vir a bloquear ou a impedir o curso normal do desenvolvimento, num processo crônico que deixará sequelas em vários níveis de gravidade. Surgem como sinais de angústia e ansiedade, que acabam por determinar problemas comportamentais, que fogem ao padrão habitual e motivam a procura dos serviços de saúde.

Na relação dos problemas de saúde mental decorrentes da violência psicológica, destacam-se a depressão e o transtorno de estresse pós-traumático, o qual comumente é desencadeado por uma situação violenta. Esse transtorno envolve intenso medo, impotência ou horror, todas as vezes que a criança revive o episódio violento através de recordações e sonhos aflitivos, sofrimento intenso e fuga de situações relacionadas àquele evento (BRASIL, 2002, 2002b).

4.6.4 Negligência ou abandono

Fadiga, desatenção, hipoatividade, hiperatividade, problemas no desenvolvimento cognitivo, atitudes de adultos, atrasos na aprendizagem, além de problemas físicos de saúde, como doenças parasitárias recorrentes, doenças de pele, cárie dental, desnutrição ou obesidade, são algumas consequências dos maus-tratos por negligência ou abandono (BRASIL, 2002).

Segundo relatam Reichenheim, Hasselmann e Moraes (1999), crianças negligenciadas ou pouco supervisionadas pela família correm maior risco de ser vítimas de acidentes domésticos do que crianças não negligenciadas. Sob esse rótulo, encontram-se as quedas, os envenenamentos, as queimaduras, os atropelamentos peridomiciliares. As consequências dessas ocorrências podem ser desde lesões leves até a morte da criança.

Para Mouden e outros (1998), negligência dental é um tipo específico de negligência, definido como a ausência de cuidados por parte dos pais ou do tutor, não procurando cuidados profissionais quando a criança se encontra com cáries, infecções ou qualquer outra condição dental ou das estruturas de suporte que dificulte a mastigação, deglutição, fonação, cause dor, atraso ou retardo no crescimento ou desenvolvimento infantil.

Compartilhando a mesma opinião, AL-Habsi e colaboradores (2009) advertem que crianças negligenciadas têm 5,2 vezes mais chances de terem dentes com cárie ou outros problemas dentais pela falta de cuidado e compromisso dos pais com a saúde dos filhos.