• Nenhum resultado encontrado

Codificação das violências segundo critérios universais

4 REVISÃO DE LITERATURA

4.3 A CRIANÇA COMO VÍTIMA E OS MECANISMOS DE ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA

4.4.5 Codificação das violências segundo critérios universais

A décima edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID–10) é uma publicação conjunta das duas mais importantes instituições internacionais que tratam dos temas relacionados à Saude – a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Panamericana da Saúde (OPAS) –, cujo objetivo é fornecer códigos relativos às categorias de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para lesões ou outros eventos de saúde. A cada estado de saúde é atribuída uma categoria única à qual corresponde um código. Uma das alterações dessa edição da CID, em relação ao documento anterior, diz respeito às causas externas de morbidade e de mortalidade que, enquanto nas revisões anteriores, se constituía em uma classificação suplementar, na sua décima edição elas estão elencadas no capítulo XX (códigos V01 a Y98), possibilitando a classificação de ocorrências e circunstâncias ambientais como a causa de lesões, envenenamento e outros efeitos adversos. Quando se utiliza um código deste capítulo, pretende-se que ele seja um código adicional a outro código pertencente a outro capítulo da Classificação que está indicando a natureza da lesão. Na maioria das vezes, a natureza da lesão está classificada no Capítulo XIX, Lesões, Envenenamento e Algumas Outras Consequências de Causas Externas (códigos S00 a T98). As causas de morte deveriam, de preferência, ser tabuladas segundo os códigos de ambos os capítulos – Capítulo XIX e Capítulo XX –, mas, se somente um código for utilizado para a tabulação, então o código do capítulo de causas externas (Capítulo XX) deverá ser o preferido (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000).

A CID-10 permite dupla classificação dos diagnósticos em três situações, entre as quais se destaca a codificação de uma causa externa de morbidade ou mortalidade, que pode ser classificada no capítulo XIX (Lesões, Envenenamento e Algumas Outras Consequências de Causas Externas) ou no capítulo XX (Causas Externas de Morbidade e Mortalidade). Sobre essa mesma abordagem, existe orientação do Ministério da Saúde indicando que, para causas externas, o diagnóstico principal deve ser codificado de acordo com o Capítulo XIX, e o diagnóstico secundário pelo Capitulo XX (BRASIL, 2008).

Considerando que o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) não dispunha de mecanismos de correlação entre a natureza do agravo e a causa externa que motivou sua etiologia, o Ministério da Saúde, pela Portaria GM/MS nº 142, de 13 de

novembro de 1997, determinou que, a partir de 1º de janeiro de 1998, o preenchimento dos campos referentes ao caráter da internação, diagnóstico principal e diagnóstico secundário das Autorizações de Internações Hospitalares, a serem processadas pelo SUS, quando se tratar de internações motivadas por causas externas, deverá contemplar, no campo diagnóstico

principal, o código do Capitulo XIX da CID-10, referente à causa externa que motivou a

internação (natureza da lesão) e, no campo diagnóstico secundário, o código do Capitulo XX, referente à circunstância da lesão (BRASIL, 1997).

Mesmo assim, Minayo e Souza (1999) consideram a categoria “causas externas” da CID-10 pouco rigorosa e muito abrangente. Além disso, a complexidade das manifestações da violência não permite uma classificação muito precisa e, ao mesmo tempo, compreensível, já que está em jogo um número excessivo de eventos e processos, incluindo acidentes, suicídios, homicídios, lesões intencionalmente infligidas por terceiros, lesões autoinfligidas diversas de suicídios, além das subdivisões relativas a esses eventos. Assim, no intuito de identificar o maior número possível de casos de violência contra as crianças e evitar estatísticas subestimadas sobre esse fenômeno, concebe-se que todos os eventos relacionados à infância, codificados no Capítulo XIX da CID-10 como T74 – síndromes de maus-tratos –, ou no Capítulo XX como X85 a Y09 – Agressões –, são caracterizados como atos de violência contra a criança.

Entretanto, a literatura admite a existência de significativos erros de codificação das causas de morte em crianças, pois muitos óbitos ocorridos nesse grupo não são investigados e (ou) os exames post mortem não são realizados, o que torna dificil estabelecer o número preciso de óbitos de crianças vitimadas pela violência em todos os países. Sobre esse aspecto, um estudo realizado nos Estados Unidos apontou um grande percentual de óbitos de crianças vítimas de homicídios que foram codificados como morte súbita ou acidental (WHO, 2002).

Outrossim, ainda com referência às informações sobre óbitos de crianças em decorrência da violência, o Capitulo XX (Causas Externas de Morbidade e da Mortalidade) da CID-10 contém duas categorias que devem ser utilizadas para classificar os óbitos cuja causa básica é maus-tratos (Y06 a Y07.9). Entretanto, em algumas situações, a investigação não é realizada de forma bastante cautelosa, e, em consequência, a causa do óbito da criança é confundida com as demais agressões (X85 a Y05; Y08 a Y09). Com vistas a esse propósito, é necessário que, durante a investigação, fique caracterizado que houve uma ação continuada de maus-tratos até a morte. Na situação em que não se puder confirmar o caráter contínuo da ação, o óbito será, então, codificado como “agressão” (BRASIL, 2013).

Sobre a vigilância dos casos não fatais de violência, a literatura revela que a equipe hospitalar responsável pelo atendimento da criança, muitas vezes registra outra causa para a lesão, diversa da síndrome de maus-tratos. Na Europa, várias abordagens estão sendo propostas com o intuito de melhorar a codificação dos casos de maus-tratos, incluindo protocolos com foco em lesões de alto risco (WHO, 2013).

Para o registro da notificação interpessoal ou autoprovocada, no SINAN, utiliza-se o código genérico Y09 – agressão por meio não especificado – da CID-10, visto que a ficha de notificação desse agravo é única para os mais variados atos de violências. Por esse motivo, a análise das notificações desse agravo, no SINAN, não é realizada segundo a categoria da CID-10, mas sim por sua tipologia, a saber: intrafamiliar ou doméstica, extrafamiliar ou comunitária, autoprovocada, institucional. De acordo com a natureza da violência: física, negligência ou abandono, sexual, psicológica ou moral, dentre outras (BRASIL, 2014d).

Segundo a World Health Organization (2013), a literatura revela que a equipe hospitalar responsável pelo atendimento da criança, muitas vezes, registra outra causa para a lesão, diversa da síndrome de maus-tratos. Dessa forma, na perspectiva de provocar mudanças nessa realidade, várias abordagens vêm sendo propostas em países da Europa, com o intuito de melhorar a codificação dos casos de maus-tratos, incluindo protocolos com foco em lesões de alto risco.