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AÇÕES DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL DA REDE MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ

SUMÁRIO

4 RELAÇÕES SOCIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: DIMENSÕES ÉTNICO-RACIAIS, CORPORAIS E DE GÊNERO

2.7 AÇÕES DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL DA REDE MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ

Em virtude das demandas da Lei Federal 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDBEN, incluindo nos currículos escolares o ensino de história e cultura africana e afro- brasileira nas instituições privadas e particulares, a Secretaria Municipal de São José, deu início em 2007, a uma discussão sobre a formação de

profissionais para atendimento a estas demandas25. Os debates tiveram origem com um grupo de professores/as de história da rede de educação deste município, que realizaram uma mesa-redonda para tratar das questões determinadas pela lei.

A partir disso, foi criado em 2008, o Programa de Educação da Diversidade Étnico-racial integrado a Secretaria Municipal de Educação, que promoveu atividades de formação continuada mensalmente com

representantes de todas as Unidades Municipais26. Estes eram

responsáveis por multiplicar saberes construídos durante o processo de formação, além de socializar documentos e materiais pedagógicas, contribuindo para uma educação promotora da igualdade étnico-racial. Nesse mesmo ano, foram distribuídos livros pedagógicos, literaturas infantis, CDs, DVDs, entre outros instrumentos para todas as instituições de Educação Infantil e Ensino Fundamental da rede. No mês de novembro, em comemoração ao “Dia da Consciência Negra” foram realizadas oficinas, apresentações de dança e capoeira, buscando valorizar culturas de matrizes africanas.

Segundo representantes do Setor Pedagógico da referida rede, a capoeira é uma atividade integrada ao currículo oficial, atendendo a todas as escolas de Ensino Fundamental desde o ano de 2005. Recentemente, essa ação foi ampliada para todos os Centros de Educação Infantil de São José que recebem durante a semana um/a professor/a de capoeira para realização de rodas, apresentações e danças com os grupos de crianças.

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As informações aqui expostas acerca das ações de promoção da igualdade étnico-racial no município de São José foram obtidas através de conversas, entrevistas informais e documentos cedidos pela representante do Setor de Educação das Relações Étnico-Raciais da Secretaria de Educação do referido município.

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A Rede Municipal de São José atende atualmente cerca de 26.000 crianças, adolescentes, adultos e idosos, distribuídos nos diferentes níveis e modalidades de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos, Escolas Profissionais e Entidades Filantrópicas.

Figura 1- Capoeira no CEI Pedro Leite.

Fonte: Diário de campo, 05/10/12.

Figura 2- Capoeira com o Grupo 6.

Fonte: Diário de campo, 19/10/12.

A Secretaria de Educação desse município elaborou em 2008 uma coleção de Cadernos Pedagógicos com o intuito de subsidiar o trabalho pedagógico na construção de projetos e reflexões acerca da prática pedagógica. A temática em estudo foi contemplada no Caderno

“Referenciais pedagógicos para uma abordagem multicultural: reflexões sobre as Leis 10.639/03 e 11.645/08” trazendo ensaios sobre a história da África e Cultura Afro-Brasileira. No que tange a Educação Infantil, esse documento apresenta duas páginas abordando a necessidade de privilegiar a diversidade étnico-racial também nessa etapa da educação a fim de combater práticas discriminatórias desde a mais tenra idade.

No ano de 2009, o Programa Diversidade Étnico-Racial, composto por professores/as interessados/as pela temática contou com uma representante responsável por suas ações, oferecendo oficinas e discussões em encontros mensais com os/as profissionais. Além de

história e cultura africana e afro-brasileira, a formação continuada27

incluiu a temática indígena catarinense, em conformidade com a Lei Federal 11.645/08. Nesse mesmo ano foi realizado o I Seminário da Educação de São José, e entre as temáticas selecionadas para discussão, a diversidade cultural compôs tema em quatro oficinas.

Em 2009 a Câmara de Vereadores de São José instituiu a Lei nº 4.854/09, determinando o dia 20 de novembro como feriado municipal, data de aniversário da morte de Zumbi dos Palmares. O projeto de lei, de autoria do vereador Orvino Coelho de Ávila, foi aprovado por unanimidade, e promulgado pelo Presidente da Câmara Municipal, Amauri dos Projetos. Além de estabelecer a data, a lei incluiu a Semana Josefense da Cultura afro-brasileira no Calendário Oficial de Eventos no Município, realizada pela Prefeitura e por organizações do Movimento Negro. No entanto, esta determinação foi suspensa conforme liminar do Órgão Especial do Tribunal da Justiça do Estado de Santa Catarina que declarou inconstitucional a referida lei. A Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN – foi ajuizada pelo Sindicato do

Comércio Varejista de Florianópolis.28

No ano seguinte, 2010, o prefeito Djalma Berger firmou apoio com o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial - FIPPIR, com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

27

Conforme entrevistas informais com a responsável pelo Setor de Educação das Relações Étnico-Raciais, a proposta de Formação Continuada da Rede Municipal de Educação do município de São José modifica-se anualmente, de acordo com o grupo organizador.

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Informação extraída do site da Câmara de Vereadores de São José. Disponível em http://www.cmsj.sc.gov.br/portal/?page=noticias&id=1427&pagina=2. Acesso em 19 de dezembro de 2012.

– SEPPIR, assumindo o comprometimento do município com a criação de ações e políticas públicas de reparação a população negra de São José. A partir dessa parceria, o município ficou responsável pela criação de uma Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial – COPPIR, a fim de fomentar ações e projetos que auxiliam na promoção da igualdade racial em São José. Porém, de acordo com a pessoa responsável pelo Setor de Educação das Relações Étnico-raciais, o projeto construído visando a criação deste órgão, não foi reconhecido pelos setores responsáveis por questões burocráticas ou mesmo, desinteresse político.

A Secretaria de Educação do município supracitado, no ano de 2011, definiu por meio de portaria, o Setor de Educação das Relações Étnico-Raciais, integrado a esta seção. De acordo com a representante deste departamento, as funções são: acompanhamento às unidades educacionais municipais, garantindo o cumprimento das Leis Federais 10.639/03 e 11.645/08 nos planejamentos escolares, Projeto Político Pedagógico e outros instrumentos educacionais; elaboração e análise de materiais didáticos pedagógicos e específicos das Relações Étnico- Raciais e organização de formações continuadas sobre Educação das Relações Étnico-Raciais aos/as professores/as de todos os níveis e modalidades de ensino.

A formação continuada de 2011 também contemplou a Educação das Relações Étnico-Raciais, sendo realizada durante os meses de março a novembro, para os diversos níveis e graus de ensino. Segundo a

representante, foi necessário inicialmente sensibilizar os/as

educadores/as que participavam das formações através de vídeos, apresentação em Power Point e diálogos, possibilitando conhecer o processo histórico vivenciado pela população negra. A partir dessas primeiras conversas e aproximações, os/as professores/as sentiram mais confiança em expor suas experiências, relatando situações e conflitos essenciais para discussão. Além disso, os/as educadores/as tiveram a oportunidade de conhecer em um dos encontros, o professor Marcos Moreira, que abordou a história e os aspectos culturais Guarani.

Figura 3- Formação sobre História Guarani.

Fonte: Arquivo da Secretaria Municipal de Educação, 2011.

De acordo com avaliações da formação continuada para a educação infantil, podemos averiguar a relevância que a temática e as discussões tiveram para o aprendizado e a desconstrução de posturas preconceituosas dos/as próprios/as professores/as.

Participar deste grupo foi de suma importância, pois em alguns momentos foram nos oportunizando trocas de experiências sobre o tema, deixando o grupo bem tranquilo em suas colocações. O momento que o Marcos (índio) passou suas vivências, foi bem interessante, pois o mesmo nos faz reportar a algumas vivências de nossa infância (...) (Avaliação realizada por uma professora para o curso de Formação Continuada em 2011).

Em outro relato podemos perceber que o mito da democracia racial ainda permeia o imaginário das pessoas, indicando uma forte crença na não existência do preconceito e da discriminação racial no Brasil.

Foi uma formação muito interessante. Não imaginava o quanto ainda existe o preconceito e como ele é escondido, a partir do momento que se coloca em discussão em um grande grupo acaba criando polêmica. (...) Acredito que depois dessa

formação todos sairão diferentes e com um pensamento diferenciado ao planejar suas aulas, e como se comportar diante das circunstancias que os envolve diante das situações constrangedoras. (Avaliação realizada por uma professora para o curso de Formação Continuada em 2011).

Além dessas ações, o setor de Educação das Relações Étnico- Raciais produziu o Projeto de Biblioteca Itinerante Multicultural, que consiste em um Baú Multicultural com cerca de 70 livros de literatura e de formação, cujos títulos possibilitam que se promova o respeito às diferenças (racial, cultural, gênero, social, sexual), além de instrumentos musicais de diferentes culturas, CDs, DVDs, jogos e brinquedos educativos construídos pelas crianças e professores/as que recebem o baú em sua instituição. Recentemente, o baú conta também com dois livros em braile e gravuras em relevo e textura, provendo a acessibilidade de crianças cegas e com baixa visão. Este projeto propõe transmitir para as instituições onde atua outras histórias, abordando questões referentes às diversidades existentes em nossa realidade social, promovendo discussões e vivências com crianças e adolescentes nas instituições de educação.

Figura 4 - Baú Multicultural.

Fonte: Arquivo da Unidade Escolar CEI Zenir Kretzer/SJ.

Em 2011, ocorreu a Semana da Consciência Negra, com Programação Cultural e exposição de projetos pedagógicos, lançamento de livros e exposição fotográfica, exibição do filme “Filhas do Vento” e

conversa com o diretor Joel Zito de Araújo. Além disso, foram realizadas oficinas de cestaria guarani, contação de histórias africanas, confecção de tranças e máscaras africanas e uma discussão com a professora Ilka Boaventura Leite e o cacique guarani Hirau Moreira sobre “Resistência e invisibilidade nas comunidades tradicionais”.

A Fundação Municipal de Cultura e Turismo de São José criou o Projeto “Redescobrindo São José”, propondo valorizar e difundir a cultura e a história do município, desenvolvendo ações de visitas aos Centros Históricos e às instituições culturais destinadas a alunos/as do Ensino Fundamental da rede de ensino. Por meio dessas atividades, este projeto pretende refletir acerca das diferentes etnias componentes do município.

No ano de 2012, concretizou-se um diagnóstico do patrimônio cultural de São José executado por participantes do Núcleo de Estudos Negros – NEN, com objetivo de investigar, entre os/as moradores/as, a importância do patrimônio material e imaterial do município. Um dos resultados dessa pesquisa diz respeito ao reconhecimento da população de origem africana no patrimônio cultural de São José, caracterizado por artefatos e territórios como os diversos terreiros de manifestações religiosas, a capoeira, o samba, o carnaval, o Cacumbi, entre outros aspectos que marcam a importância de diversos grupos populares na formação do patrimônio cultural da cidade. No entanto, São José ainda carece de medidas e ações de políticas públicas para valorização e proteção da história e do legado cultural que o município carrega.

Além dessas informações, o relato da responsável pelo Setor de Educação das Relações Étnico-Raciais menciona que o município ainda possui muitos desafios perante as desigualdades encontradas cotidianamente e constatadas em indicadores sociais.29 Por isso, faz-se necessário mobilizar tanto o poder público, no sentido de atuar na construção de políticas públicas de promoção pela igualdade racial, bem como sensibilizar professores/as e familiares para que assumam a tarefa de educar crianças e adolescentes, reconhecendo, valorizando e respeitando as diferenças existentes na sociedade.

29

Estudo de indicadores socioeconômicos da população negra da Grande Florianópolis, 2012. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~nuer/arquivos/r- rrqimghvql_estudo-socioeconomico-da-populcao-negr.pdf. Acesso em 20 de dezembro de 2012.

A instituição de educação infantil colaboradora desta pesquisa possui um Projeto Político Pedagógico reconstruído a partir de 2009, quando a creche foi vinculada a Secretaria Municipal de São José. De acordo com as conversas obtidas com a Supervisora da instituição, este documento necessita de reflexões e reformulações diante das transformações que ocorrem nas relações humanas. Ao iniciar a pesquisa empírica na creche mencionada, solicitamos à Equipe de Coordenação o acesso ao Projeto Político Pedagógico, para conhecer a história e as propostas desta escola, sobretudo no que diz respeito à existência ou não da temática da educação das relações étnico-raciais. No entanto, foi disponibilizado apenas a apresentação do PPP e a trajetória histórica da construção da instituição, o que dificultou nosso conhecimento a respeito dos outros conteúdos privilegiados neste documento.

No próximo capítulo, apresentamos os instrumentos

metodológicos adotados durante a investigação e o contexto histórico- social do município e do Centro de Educação Infantil elegido para a realização dessa pesquisa, buscando reconhecer e valorizar aspectos culturais, sociais e históricos que constituem aquele local.

3 CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Apresentamos, nesse capítulo, a trajetória metodológica que fundamentou o estudo, expondo procedimentos adotados durante o processo de investigação, concordando que “[...] não existe um método único de investigação cientifica. O método científico engloba muitas abordagens diferentes, tão variadas quanto às próprias disciplinas científicas” (GRAUE; WALSH, 2003, p. 33). De tal modo, para compreender crianças em um contexto específico de educação, é essencial agrupar diversos instrumentos metodológicos enfrentando o desafio de conhecer seus modos de ser, pensar e se expressar. Para subsidiar os aspectos metodológicos, destacamos também as contribuições dos Estudos Sociais da Infância como aporte teórico dessa investigação.