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A heteroatribuição étnico-racial realizada pelas famílias

SUMÁRIO

4 RELAÇÕES SOCIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: DIMENSÕES ÉTNICO-RACIAIS, CORPORAIS E DE GÊNERO

3.1 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

3.2.6 A heteroatribuição étnico-racial realizada pelas famílias

Sobre a classificação étnico-racial do grupo colaborador da pesquisa, 13 famílias (54%) declararam as crianças como brancas, 6 famílias (25%) declararam seus/suas filhos/as como pardos/as, 3 (13%) declararam as crianças como negras e 2 (8%) preferiram não identificar a cor de seus/suas filhos/as.

Gráfico 9 – Classificação racial das crianças do G6.

Fonte: Criado pela pesquisadora com base nas informações das fichas de matrícula.

A discussão sobre o pertencimento étnico-racial no Brasil é uma questão que merece atenção dos/as estudiosos/as pela complexidade do sistema classificatório brasileiro, bem como os múltiplos vocábulos existentes para classificar as pessoas. Esse debate ganhou maior visibilidade em território nacional após a criação de políticas de ações afirmativas que amparam a população afrodescendente brasileira, mas para isso é preciso questionar: quem é negro no Brasil?

Ao ser questionado sobre esse assunto, Kabengele Munanga destaca que

parece simples definir quem é negro no Brasil. Mas, num país que desenvolveu o desejo de branqueamento, não é fácil apresentar uma definição de quem é negro ou não. Há pessoas negras que introjetaram o ideal de branqueamento e não se consideram como negras. Assim, a questão da identidade do negro é um processo doloroso. Os conceitos de negro e de branco têm um fundamento etno-semântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros organizados qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência. (MUNANGA, 2004, p. 52).

Assim, percebemos o quanto o sistema classificatório racial brasileiro é complexo, sendo que sua definição se dá especialmente pelos atributos físicos, sobretudo de algumas características particulares como a cor da pele, o tipo de cabelo e os traços fisionômicos. Isso porque no Brasil, a concepção de quem é branco ou não, pode variar de pessoa para pessoa e de local para local (NOGUEIRA, 2006). Em países, como os Estados Unidos, foram criados padrões de classificação racial rigorosos, baseados na descendência de cada indivíduo, inexistindo as categorias pardo, mulato ou mestiço, pois qualquer descendente pode declarar-se como negro.

A classificação da identidade étnico-racial do grupo colaborador da pesquisa é realizada de acordo com o método de heteroatribuição de pertença, em que o/a responsável/a pela criança atribui essa característica no ato de preenchimento da ficha de matrícula. Como vimos, das 24 crianças que frequentam o G6, 13 famílias declararam as crianças como brancas, 5 famílias declararam seus/suas filhos/as como pardos/as, 3 declararam as crianças como negras e 2 preferiram não

identificar a cor de seus/suas filhos/as. O quadro abaixo destaca o nome das crianças e a cor/raça atribuída por seus pais e/ou responsáveis no ato da matrícula:

Quadro 4 - Heteroatribuição de cor/raça realizada pelos pais e/ou responsáveis.

Nome Heteroatribuição pelos pais e/ou responsáveis

Ana Luiza Parda

André Pardo Arthur Branco Bernardo Branco Emanuella Branca Ester Branca Gabriele Negra Heitor Branco Isabela Branca Jenifer Negra

João Victor Branco

Juan Branco51

Kauan Pardo

Lucas Não identificou

Marcos Vinícius Branco

Maria Eduarda Parda

Richard Branco

Thainá Branca

Tuani Não identificou

Victor Hugo Branco

Vitória Andreza Parda

Vitória Catarina Branca

Willian Pardo52

Yasmim Negra

Fonte: Construído pela pesquisadora com base nas fichas de matrículas.

51

Nesse item da matrícula do Juan havia corretivo em cima da opção negro, sendo marcado com caneta na opção branca.

52

Nesse item da matrícula do Willian havia corretivo em cima da opção negro, sendo marcado com caneta na opção parda.

Outro fator importante a ser destacado, diz respeito a rasuras que encontramos nas fichas de matrícula no item cor/raça, sendo que

algumas apresentam corretivo na opção escolhida53, trocando a cor

anteriormente definido. Indagamos essa ocorrência para uma das auxiliares de ensino que desenvolve a atividade de preencher a matrícula das crianças. Esta nos relatou que

é muito complicado fazer essa questão para as famílias. Percebo que os pais não sabem lidar com isso, e deixam de identificar seus filhos de acordo com sua própria identidade. Quando acontece de riscarmos ou passamos o corretivo nessa opção, significa que a família escolheu uma cor/raça “acima” do que desejava que a criança seja, por exemplo, primeiro ela coloca que o filho é negro, mas depois pede pra trocar para pardo. (Auxiliar de Ensino Mara, Diário de Campo, 11/09/2012).

Com base nisso, observamos que a declaração e/ou atribuição54

da raça/cor é um assunto muito complexo entre as pessoas. Esse fato advém de um processo histórico brasileiro marcado pela negatividade do sujeito negro, bem como o preconceito e a discriminação que inferiorizam alguns grupos em prol de outros. E apesar de hoje reconhecermos que o conceito de raça, no sentido biológico, é inoperante, não existindo nenhuma raça superior a outra, esse termo ainda permanece no imaginário dos brasileiros, engendrando relações.

A pesquisa de Silva (2007), que investigou o acesso de crianças no sistema de educação infantil público municipal, evidencia que tanto as famílias quanto as profissionais da instituição têm dificuldade em lidar com o item que trata da declaração da cor/raça na matrícula das crianças. Ao acompanhar o processo de matrícula em uma creche, a pesquisadora percebe constrangimentos por parte das famílias em responder a esse quesito. Alguns desses responsáveis pelas crianças chegavam a perguntar ao funcionário que realizava a matrícula em que cor/raça se enquadrava seu/sua filho/a, demonstrando uma preocupação por parte dos familiares de que sua resposta em relação a esse item

53

Encontramos duas fichas de matrícula com rasura nesse item. 54

influenciasse na seleção da vaga. Silva ressalta que as “relações raciais estão presentes nas representações das famílias e dos funcionários como parte do imaginário social e se expressam nas constantes hesitações e até ironia no momento de perguntar/responder” (SILVA, 2007, p. 69).

Dessa forma, embora o século XXI marque uma mudança55 na

distribuição da população classificada de acordo com a cor/raça, demonstrando a valorização identitária dos grupos raciais historicamente discriminados, pesquisas como essa evidenciam a necessidade da criação de políticas e programas públicos de valorização da identidade étnico-racial para que a população brasileira se declare racialmente.

A partir dessa contextualização realizada acerca das crianças, das famílias e do local onde a instituição se localiza, compreendemos aspectos que englobam a vida de meninos e das meninas participantes da investigação. Após esse momento inicial, de conhecer o contexto social pesquisado, adentramos nas primeiras aproximações com o grupo de crianças buscando construir uma relação de confiança com os/as envolvidos/as neste trabalho.