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SUMÁRIO

4 RELAÇÕES SOCIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: DIMENSÕES ÉTNICO-RACIAIS, CORPORAIS E DE GÊNERO

3.1 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

3.2.1 O município de São José: síntese de sua história

São José está localizado na Grande Florianópolis, estado de Santa

Catarina, região sul do Brasil e, atualmente possui uma área territorial35

de 151 km2,banhada pelas águas das baías norte e sul de Santa Catarina.

Segundo Gilberto Gerlach e Osni Machado (2007), sua história começou em 1750, quando 182 casais açorianos vindos das ilhas dos Açores e de Madeira fundaram a povoação de São José da Terra Firme. Já para o pesquisador Vilson Francisco de Farias (2006), a história de São José está ligada aos primeiros habitantes nativos de nossa terra.

Em virtude do aumento do povoado, em 1756, São José da Terra Firme foi elevado a Freguesia. De modo acelerado, desenvolveu-se a lavoura e o comércio, sobretudo o cultivo de algodão e linho, especialmente na região do Roçado onde foram fabricados pequenos teares. (GERLACH; MACHADO, 2007, p. 15). Com o passar dos anos, levas de imigrantes açorianos instalaram-se na freguesia de São José aumentando a população consideravelmente, habitando as regiões do vale do rio Maruim, Praia Comprida, Roçado, Capoeiras, Coqueiros, Estreito e Barreiros, áreas que naquele período ainda pertenciam a São José.

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Dado extraído do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

Disponível em:

http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=421660&r=2#. Acesso em 16 de agosto de 2012.

Após a independência do Brasil, chegaram estrangeiros alemães, que em 1829 fundaram a primeira Colônia alemã nomeada de São Pedro de Alcântara, situada há 25 km do centro de São José. Esses imigrantes espalharam-se por outras regiões como Santo Amaro, Antônio Carlos e Biguaçu ainda pertencentes à freguesia de São José, a procura de solos mais férteis para produzirem suas plantações.

A formação da comunidade de São José também contou com a presença da população negra incorporadas pelo trabalho de homens e mulheres escravizadas, que segundo Farias (2006) representou um

número significativo na década de 1840, contando com

aproximadamente 2.225 escravos de 10.419 habitantes livres. Outros imigrantes - italianos, franceses, espanhóis, árabes, entre outras etnias - também marcaram a história e a composição do município, contribuindo para o crescimento acelerado de sua população.

Consoante ao avanço da urbanização e a ampliação de empregos gerados pelos setores econômicos da cidade, ocorreu a ocupação das áreas menos habitadas de São José, dentre elas: Santos Saraiva, Renascer, Jardim Solemar, Zanellato, Morar Bem, Vila Formosa, José Nitro e Pedregal. Em consequência dessa grande ocupação de moradores/as, formaram-se muitas áreas desprovidas de estruturas econômicas, como energia, saneamento básico e transporte, característica das desigualdades existentes em nosso país.

Atualmente o município de São José possui 209.804 pessoas

residentes36, classificando-se como o quarto município mais populoso

do estado de Santa Catarina. Incorporada e este número, a população

negra37 josefense é de 31.602, representando 15% dos habitantes da

cidade. Os aspectos da cultura africana apresentam grande importância para este município, destacando diversos terreiros de Umbanda, Candomblé e Almas de Angola, além de grupos de samba e de capoeiras espalhados pela cidade.

Paulino de Jesus Francisco Cardoso (2008) e Janaina Amorim Silva (2011) em seus trabalhos de pós-graduação evidenciam a invisibilidade dada às experiências de origens africanas na história

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Fonte IBGE – Censo de 2010. Disponível em:

http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=421660&r=2#. Acesso em 16 de agosto de 2012.

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De acordo com as categorias utilizadas pelo IBGE a população negra agrupa pretos e pardos.

catarinense, sobretudo na região da grande Florianópolis. A forte imigração europeia no sul do país, supervalorizada pela história oficial, encobre e invisibiliza a história de alguns grupos populacionais. Isso porque a literatura tradicional, jornais e relatórios de viajantes dão ênfase ao colonizador europeu contribuindo para a invisibilidade histórica das populações negras em Santa Catarina.

Sobre isso Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni (1960) realizaram uma pesquisa na década de 1950 na antiga Desterro, hoje Florianópolis, com o intuito de investigar os aspectos das relações entre negros e brancos do período escravocrata, buscando entender normas de comportamento inter-racial em vigor. Ao realizar um levantamento sobre o desenvolvimento econômico e social em Santa Catarina, dando ênfase a região de Florianópolis, Cardoso alega que a economia catarinense desenvolveu-se lentamente com base na pesca, na agricultura, na indústria e no artesanato local, caracterizado pela pequena e média propriedade, sendo que a participação do trabalhador escravizado não chegou a superar a mão de- obra assalariada. Esse estudo demonstra que, embora no “início do povoamento da Ilha existiram negros na população catarinense, essa participação sempre foi

relativamente pequena.38 Isso se explica pela própria organização e pelo

ritmo de desenvolvimento da economia da região.” (CARDOSO; IANNI, 1960, p. 76).

Apesar da participação da população negra ser considerada pequena, tendo em vista algumas dificuldades de desenvolvimento da economia catarinense, ao realizar uma pesquisa de campo sobre a situação dos negros em Desterro, Cardoso (2000) evidencia não só uma desigualdade social, como também uma “desigualdade natural” entre negros e brancos na atual cidade de Florianópolis, em comparação a outros estados com regime escravocrata mais intenso. Mesmo quando não existia uma relação de domínio entre negros e brancos, permanecia uma “desigualdade natural” de superioridade branca em relação à subalternidade dos sujeitos negros. (CARDOSO, 2000, p. 199).

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É necessário destacar o estudo de Fernando Henrique Cardoso por trazer as populações de origem africana para a história catarinense, possibilitando novas pesquisas e reflexões acerca do processo historia dos/as africanos e seus descendentes nesse estado. Apesar disso, Cardoso não levou em consideração o ponto de vista e as estratégias criadas pelas populações investigadas que lutaram em defesa de seus direitos.

Ilka Boaventura Leite (1996) aponta que a identidade do sul do Brasil, especialmente em Santa Catarina, se estabeleceu pela negação da população negra, garantindo uma imagem de um “estado branco” no panorama nacional. Essa invisibilidade do negro no sul do Brasil é percebida pela autora na literatura científica que busca enfatizar a ausência do negro nesta região, simplificando a história das populações de origem africana no sul. Com isso, alguns mitos foram produzidos e perpetuados, como a ideia de que no sul existe menos discriminação racial, pois a quantidade de negros é apontada como pequena, caracterizando uma suposta democracia racial. (LEITE, 1996, p. 41).

No entanto, como já destacado acima, Cardoso e Ianni (1960) demonstraram que mesmo em áreas como Santa Catarina, onde o sistema escravocrata não teve a mesma amplitude de regiões de plantation, a população africana e afro-brasileira foi intensamente discriminada pela parcela branca. Por isso, segundo Leite (1996), as

(...) diferentes estratégias utilizadas pelos negros ao longo deste século para lidarem com a invisibilidade, o racismo e as mais diferentes formas de segregação, não podem mais ser desconsideradas. O território negro

aparece, então, como elemento de

visibilidade a ser resgatado. Através deles, os negros, isolados pelo preconceito racial, na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendência. A tradição negra tem

sido, comprovadamente, o próprio

enfrentamento, a resistência cotidiana, a luta pela recuperação da auto-estima. (LEITE, 1996, p. 50).

No entanto, é importante destacar que o período posterior a Abolição foi marcado por um enfraquecimento da economia catarinense, ocasionando grandes dificuldades de sobrevivência para as populações de origenm africana. Essa população contou com atitudes preconceituosas e segregacionistas em relação a cultura, fortalecendo obstáculos para sua integração numa sociedade considerada um “pedacinho da Europa no Brasil”.