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6 A ética e economia da contribuição: em busca de perspectivas

Vamos agora abordar o que chamamos de “as questões éticas”. Então, vamos identificar algumas dessas questões éticas.

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A primeira questão gira em torno da credibilidade das fontes. Com a participação massiva de amadores e de não pro- fissionais, o controle da qualidade da informação é algo interes- sante. Essa questão sobre a garantia das fontes está se tornando uma questão maior. A problemática é a seguinte: será que deve- mos confiar a profissionais o controle da qualidade da informa- ção produzida pelos amadores? Ou, ao contrário, será que de- veríamos desenvolver mecanismos de autocontrole, que seriam utilizados pelos amadores? A questão da qualidade da informa- ção que produzem é uma problemática muito interessante para o futuro do jornalismo, o jornalismo profissional, que está sendo cada vez mais alterado por esse jornalismo cidadão.

A segunda questão ética gira em torno do que chama- mos de “deslocamento das especialidades”, as práticas de cons- trução de materiais utilizando o recurso de chamar um grande número de indivíduos para solucionar problemas. Essas práti- cas, então, levantam a questão dos status e da autoridade dos especialistas no seu papel de criação e validação da informação difundida. O papel da especialidade, então, deve se transformar. Podemos perceber que a palavra expert não é mais exclusiva dos especialistas; pode haver uma especialidade desenvolvida por amadores. Antes dessa pesquisa, costumávamos dizer que sim, havia os amadores de um lado, mas havia os especialistas de ou- tro. Os amadores desenvolviam um papel de amadores e os es- pecialistas, de especialistas. E percebemos que não é assim, que as coisas são mais complicadas. Os amadores podem participar do desenvolvimento de uma especialidade.

A terceira questão ética é sobre a identificação das res- ponsabilidades, entre as quais a identificação e veracidade das fontes, o que nos traz a questão da identificação das responsabi- lidades jurídicas e morais em relação à natureza da informação difundida. Que atores devem assumir essa responsabilidade? São apenas os autores, os criadores dos bens culturais que de- vem assumi-la? Será que são as firmas responsáveis pelos sites e pelas plataformas? São os grandes operadores de redes? Vemos, então, que devemos analisar precisamente cada caso, para ver como se desloca a responsabilidade. No jornal de dois dias atrás, vimos uma decisão da justiça, na França, considerando que o espaço do Facebook não era um espaço público, enquanto que

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no ano passado, ou há dois anos, não lembramos, decisões ju- diciais diziam que o espaço do Facebook era público. Podemos perceber as grandes consequências, de um ponto de vista jurí- dico, nessas diferentes definições. Vemos que muitas questões são levantadas e, à medida que as causas se apresentam diante dos tribunais de justiça, vamos ser obrigados a melhor definir as responsabilidades jurídicas nesses assuntos.

A quarta questão ética diz respeito às escolhas técni- cas. O que é uma escolha ética? É o fato de escolher, desenvolver uma rede, de acordo com uma dada arquitetura. Podemos, por exemplo, introduzir a possibilidade de feedback em uma arqui- tetura de rede ou não. Por escolha técnica designamos também o design de dispositivos técnicos ou também a concepção de có- digos informáticos. Observamos que, se escolhemos o software livre em vez de um software privado, já é uma escolha. E o que queremos dizer, do ponto de vista ético, é que a escolha técni- ca não é apenas técnica. Uma escolha técnica comporta uma di- mensão ética. Há uma dimensão de valor que está enraizada na decisão técnica. Retomando nosso exemplo de rede interativa: o fato de introduzir a possibilidade de intervir numa conversa que aparece num fórum coloca questões fortes (podemos in- tervir? Vai haver, ou não, moderação?). Observamos que todas essas dimensões comportam escolhas, em termos de valores. Precisamos, então, desvelar esse inconsciente moral que estru- tura escolhas de natureza aparentemente técnica.

Encerramos esse enfoque das problemáticas/questões éticas propondo algumas reflexões sobre as questões políticas de uma cultura da contribuição. Abordamos essa questão em termos de democracia participativa e, de fato, podemos nos per- guntar se há uma conexão entre a reciprocidade num modo de comunicação interativo e a ideia de uma democracia participa- tiva. Pensamos que talvez estejamos vivendo um momento em que devemos desenvolver uma reflexão crítica, porque a ideia de democracia participativa favorecida pelas ferramentas de comunicação é uma problemática que surgiu, por exemplo, na América do Norte, nos anos 1960. Em Quebec, houve um grande movimento em torno do que denominamos televisões comuni- tárias, a ideia de que a televisão poderia simplesmente ser posta a serviço da expressão cidadã. Nos mercados, por exemplo, das

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prefeituras, utilizou-se a televisão, que se tornaria prolongamen- to da palavra do cidadão, que começava a intervir na expressão municipal. Observamos que, com o tempo, as autoridades come- çaram a controlar cada vez mais esse dispositivo. Podemos pen- sar que a democracia participativa não está plenamente garan- tida pelo uso dessas tecnologias (claro que estamos falando de tecnologias audiovisuais, tecnologia da época da televisão, mas pensamos que estudos estão sendo realizados sobre o estado atual das coisas, no que diz respeito à democracia participati- va municipal, suscitada pelo uso dessas mídias sociais). Na ver- dade, pensamos que os espaços das mídias sociais – blogs, sites de redes sociais, Twitter – não são neutros. Voltando a falar da questão dos algoritmos, afirmamos que, em última instância, a formatação dos espaços de interação é restringida por escolhas de software, de design, de interface, pelo modo de administrar os sites.

Concluindo essa questão das problemáticas políticas, queremos mostrar a questão das ações de politização que se dão a partir do uso das mídias sociais. Nós nos vemos ante espaços de tomada da palavra por coletivos que podem gerar gestos polí- ticos que avançam rumo a uma politização, ou seja, tornando po- líticas as questões que podiam até então não sê-lo. Ou poderiam até então não parecer políticas. Vamos ilustrar essa ideia com um estudo de caso que foi realizado num fórum de pais de crian- ças autistas. Isso aconteceu no início dos anos 2000, quando pais de crianças autistas que moravam em Paris decidiram criar um fórum, na internet, só para conversar sobre as condições cotidianas das suas vidas com seus filhos autistas. E acharam interessante, então, poder descrever a situação em que vivem e, assim, buscar maneiras de solucionar problemas que podem surgir na vida cotidiana dessas pessoas com seus filhos autistas. E, aos poucos, as conversas entre esses pais, em resumo, dire- cionaram-se para o diagnóstico psicanalítico dessas crianças. Eles perceberam que estão todos cercados por psicanalistas, que lhes indicam que haveria, segundo esses psicanalistas, um problema na relação dos pais, muitas vezes da mãe com a crian- ça, que poderia explicar o comportamento autista da criança. Os pais, então, conversam neste fórum e percebem que há um sen- timento de culpa que foi interiorizado a partir desse diagnóstico

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psicanalítico e, aos poucos, percebem que são os psicanalistas que, de certa forma, têm o poder no espaço do diagnóstico das crianças autistas. E eles percebem que, na América do Norte, há outros diagnósticos, mais comportamentais, mais clássicos, que introduzem menos culpa, que falam menos da culpa, no caso dos pais. Não queremos tomar partido aqui a favor ou contra o diag- nóstico psicanalítico do autismo, mas sim mostrar que, do ponto de vista de uma sociologia dos usos dos fóruns, o que surgiu aí foi, de fato, o desejo destes pais de criar uma associação para gerar poder cidadão no espaço público, mais e além do seu pró- prio fórum. Eles se encontraram, então, fora deste fórum, frente a frente, em um espaço físico, e desenvolveram uma associação que, por sua vez, conectou-se com outras associações, até o ano passado. E ano passado houve uma mudança em escala nacio- nal em relação ao poder dos psicanalistas quanto à questão do autismo. É interessante observar esse caso como um exemplo de fórum na internet que suscitou uma ação de politização de uma questão que, inicialmente, não era uma questão política. Ou, pelo menos, não parecia ser uma questão política.

Concluímos, então, abordando a questão da forma de contribuição. Será ela uma nova forma de laço social ou será sim- plesmente uma recuperação mercantil, uma nova forma para o capitalismo tornar a relação social uma mercadoria? Quando fa- lamos de forma de contribuição, tentamos considerar a hipótese de haver uma unidade por detrás dessa diversidade de práticas aparentemente heterogêneas. E que essa diversidade pode ser expressa como sendo uma “forma contribuição”, o que remete a forma social, que encontramos em Simmel, forma social como maneiras de se associar, maneiras por meio das quais os indiví- duos interagem entre si. Elaboramos, um pouco anteriormente, o que entendemos como forma contribuição e concluímos fazen- do a seguinte pergunta: será que estamos diante da emergência de uma nova forma de laço social, que teria como consequência a necessidade de refletir sobre a dimensão moral e ética dessa emergência de uma nova forma de laço social? Ou será que tudo isto é apenas uma ilusão e estaríamos apenas no novo avanço de um processo de mercantilização, em que o capitalismo infor- macional se apropria do laço social para colocá-lo a serviço da produção do valor econômico?

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Referências

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LECOMTE, Romain Internet et la reconfiguration de l’espace pu- blic tunisien: le rôle de la diaspora. tic&société [online], v. 3, n. 1-2, 2009. Disponível em: <http://ticetsociete.re vues.org/702>. Acesso em: 28 dez. 2016.

PROULX, Serge. La puissance d’agir d’une culture de la contri- bution face à l’emprise d’un capitalisme informationnel: premières réflexions. In: CONSTANTOPOULOU, C. (org.). Barbaries contemporaines. Paris: L’Harmattan, 2012. p. 1-9.

PROULX, Serge. La puissance d’agir d’une culture de la contri- bution face à l’emprise d’un capitalisme informationnel: Premières réflexions. Revue du MAUSS permanente, 29 juin 2011 [online]. Disponível em: <http://www.jour naldumauss.net/./? La-puissance-d-agir-d-une-culture>.

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Dízimo digital

Digital tithe

Alexandre Dresch Bandeira1

Resumo: Este artigo tem por finalidade: entender como se dão as trocas financeiras modernas, seus significados simbólicos e produção de sentidos; discutir o papel do dízimo digital na atualidade; e de que maneira a contribuição, vista em Proulx, é espontânea ou se é uma manifestação do mercado de capitais. Além das trocas financeiras, existem as gratuitas, as doações de tempo e a dádiva, e procuramos saber como tudo isso se trans- forma em motivações por processos comunicacionais no cená- rio religioso. Não podemos contestar que, desde os primórdios, a religião e a comunicação andam de mãos dadas. Ambas surgi- ram de uma necessidade humana e social; do contrário, não te- riam evoluído. Pode-se afirmar que para fazer religião os nossos antecedentes careciam se comunicar com o divino.

Palavras-chave: mídia e religião, valor simbólico, doação, troca, dádiva.

Abstract: The objective of this article is: to understand how modern financial exchanges develop their symbolic meaning and their production of significance; to discuss the role of the

1 Doutorando em Ciências da Comunicação (Unisinos), Mestre em Ciências da Comunicação (Unisinos), Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda (Unisinos). E-mail: alexandre.dresch.bandeira@ gmail.com. CV: http://lattes.cnpq.br/2900867011772624.

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digital tithe in the present; and how this contribution, as seen in Proulx, is spontaneous or whether it is a manifestation of the capital market. Besides the financial exchanges, there is the free and voluntary donation of time and gifts, and we want to un- derstand how this becomes a motivation for communicational processes in the religious context. We know that since the be- ginning of time religion and communication are connected. Both came from a human and social need; otherwise they would not have evolved. It is possible to state that, concerning religion, our ancestors needed communication with the divine.

Keywords: media and religion, symbolic value, donation, ex- change, gift.

Introdução

Quem participou ou, de certa forma, já visitou várias organizações religiosas percebe que seu custo operacional é ín- fimo. Nas igrejas neopentecostais, o maior custo ainda é o alu- guel, repassado para os fiéis. Depois da igreja montada com seus bancos e púlpito, é só a manutenção. Como sabemos, a isenção dos impostos é completa. O que se percebeu é que, nessas igre- jas, o doar-se gratuitamente é o grande motivador. Mas esta doa- ção combina com a atualidade social em que estamos vivendo? Referimo-nos ao cenário atual, que é a sociedade pós-capitalis- ta, consumidora. Assim, diante desta perspectiva, pode-se infe- rir qual o estímulo que leva uma pessoa a participar como ator coadjuvante e se tornar até patrocinadora de um programa evan- gélico ou mesmo de obras de construção de templos temáticos. Fora isso, o trabalho pode ir mais longe e a pessoa ganhar um status de obreira(o), faxinar a igreja, organizar eventos, assesso- rar conforme sua profissão, dando o melhor de si à instituição a que pertence. Mas será que toda essa ajuda não possui nenhuma intenção de retorno? É algo totalmente desinteressado, ou há al- guma forma de compensação? Esta doação está diretamente li- gada ao fator cultural ou à própria religião? Promete algum tipo de recompensa ou retribuição? Cabe avisar que não nos com- pete investigar assuntos teológicos, econômicos, financeiros ou mesmo sociológicos. O que nos interessa é conferir estes campos

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para trazer uma compreensão comunicacional, buscando nestas interfaces um modo de pensar o simbólico e o comunicacional diante de alguns temas abordados no seminário Escola de Altos Estudos realizado por Proulx, com o tema “Mutação da comuni- cação: Emergência de uma cultura da contribuição na era digi- tal”. Como o tópico doação e gratuidade foi proposto por Proulx, vemos a necessidade de entender como isso se aplica na prática e o que envolve o simbólico, comunicacional, e mesmo o senti- do que isso produz. Conforme Proulx, o trabalho colaborativo é gratuito. Questionado se o mesmo pode ser remunerado, ele acrescentou ainda um comentário sobre a utopia pós-mercan- til, onde as relações sociais não estão regidas pelas normas do mercado. Assim sendo, nós devolvemos uma outra pergunta: na atualidade, o crescimento das igrejas neopentecostais não esta- ria acenando para o oposto, com o acirramento de uma relação cada vez mais monetizada e mercantilista nas ofertas dos ser- viços religiosos? Podem-se observar diariamente os impérios que se formam nas tais igrejas midiáticas, nos escândalos sobre fortunas de seus mandatários e no crescimento vertiginoso de- las. Estariam as tais igrejas forçando os fiéis a contribuir? Muitos sugerem uma “lavagem cerebral”, além de tantos outros adjeti- vos menos confiáveis. Toda esta motivação de doação pode estar vinculada a uma produção de sentido. Esta pode ser diferente para cada indivíduo, que, ao pertencer a uma instituição religio- sa, transformaria o seu modo de pensar, que, aos olhos de quem está de fora, parece um absurdo. Pode-se especular, então, que há diversas motivações para o fiel contribuir.