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Moisés Sbardelotto1

Resumo: Nas interações sociais tecnologicamente mediadas, manifestam-se lógicas midiatizadas nas práticas religiosas da sociedade. Neste artigo, refletiremos sobre a noção de usos e apropriações religiosos de redes sociodigitais, ou seja, as rela- ções entre tecnologias digitais de comunicação e as práticas sim- bólicas de grupos religiosos. Em seguida, analisaremos, em uma rede social digital específica, o Facebook, a presença da Igreja- instituição e de usuários individuais e coletivos, em três “pági- nas” explicitamente relacionadas com o catolicismo, descreven- do suas práticas a partir e sobre o catolicismo. Então, examina- remos a experimentação religiosa em rede e as novas práticas de sentido por parte de indivíduos e grupos sociais, mediante reconexões. Como pistas de conclusão, indica-se que, nas redes

1 Doutor em Comunicação pelo PPGCC-Unisinos, na linha de pesquisa Midiatização e Processos Sociais. E-mail: msbardelotto@yahoo.com.br. CV: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4438348J9

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sociodigitais e em seu fluxo comunicacional de sentidos inces- sante, o “católico” se manifesta como uma complexa construção social a partir dos mais variados polos da circulação comunica- cional, que se constituem como tais em sua ação circulatória em dispositivos conexiais.

Palavras-chave: redes sociais digitais, usos e apropriações, cir- culação, Facebook, religião.

Abstract: In the technologically mediated social interactions, it is possible to perceive mediatized logics in the religious practic- es of society. In this article, I will reflect on the notion of religious uses and appropriations of socio-digital networks, i.e., the rela- tionship between digital technologies of communication and the symbolic practices of religious groups. Then, I will analyze, in a specific social digital network – Facebook –, the presence of the institutional Church and of individual and collective us- ers in three “pages” explicitly related to Catholicism, describing their practices from and about Catholicism. Then, I will exam- ine the networked religious experimentation and new practic- es of meaning by individuals and social groups, via reconnec- tions. In conclusion, it is stated that, in socio-digital networks and in their unceasing communicational flow of meanings, the “Catholic” manifests itself as a complex social construction on the basis of the various poles of communicational circulation, which are constituted as such in their circulatory action in con- nectial dispositives.

Keywords: social digital networks, uses and appropriations, cir- culation, Facebook, religion.

1 Introdução

Na economia comunicacional contemporânea, as redes sociodigitais podem ser percebidas como um ambiente em que os usuários em geral – instituições, grupos e indivíduos – pro- duzem conteúdos midiáticos de forma pública e os distribuem de modo abrangente e instantâneo. Tais redes também possibi- litam o surgimento de novas relações sociais e o enriquecimento de vínculos já existentes. Nesses ambientes, a vida social encon-

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tra-se em constante pulsação a partir das interações comunica- cionais sobre “o que está acontecendo”2. Formam-se aí novos

dispositivos interacionais da sociedade com a própria sociedade (BRAGA, 2012), mediante tecnologias digitais, nos quais senti- dos são construídos e postos em circulação pelos próprios usuá- rios, e não mais apenas pelas corporações midiáticas.

“As interações midiatizadas constituem, com efeito, o pivô desses dispositivos, não somente através das múltiplas transações dos utilizadores com os conteúdos, mas também da constituição de redes sociais entre os usuários”, moldando um “tecido extensivo de relações multidirecionais” entre as pessoas (MILLERAND; PROULX; RUEFF, 2010, p. 2, trad. nossa). Relações humanas e relações de sentidos sociais se articulam, se comple- mentam e se complexificam nessa nova ambiência.

Nas interações sociais tecnologicamente mediadas, manifestam-se lógicas midiatizadas, lógicas estas que envolvem também as práticas dos indivíduos e as estratégias de institui- ções sociais como as Igrejas. Instituições e agentes individuais do campo religioso, assim, vão se reposicionando nesse novo cenário e vão sendo impelidos pela nova complexidade social a modificar suas estruturas comunicacionais e sistemas internos e externos de significação do sagrado em sociedade. Nessa inter- face específica do processo de midiatização digital – a saber, com o fenômeno religioso –, vemos cada vez mais a apropriação das redes digitais como ambientes de circulação de crenças, símbo- los, discursos e práticas religiosos, remodelados para novas di- nâmicas comunicacionais.

O religioso passa a circular nos meandros da internet por meio de uma ação não apenas do âmbito da “produção” ecle- sial-institucional ou midiática, mas também mediante uma ação comunicacional de inúmeros agentes (usuários, tecnologias, sentidos) da rede. Ocorre a inscrição dos chamados “receptores” nos processos produtivos, deslocando inclusive o funcionamento

2 Chama a atenção que em uma das principais redes sociodigitais, o Twitter, essa expressão faz-se presente ipsis litteris. Ao acessar a sua conta pessoal, o usuá- rio se depara com a seguinte pergunta: “O que está acontecendo?”. E o Twitter também afirma na sua página principal: “Conecte-se com seus amigos e outras pessoas que você quer seguir. Saiba das últimas novidades, em tempo real, e de

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dos chamados “produtores” eclesiais ou midiáticos, que passam também a desenvolver funções de consumidores (FERREIRA; FOLQUENING, 2012). Não apenas as instituições eclesiais, nem somente as corporações midiáticas, mas também a sociedade em geral, nos mais diversos âmbitos da internet, falam sobre e fazem algo com o “religioso” – em um processo simultâneo que poderíamos chamar de “procepção” (produção-recepção).

Em nosso caso específico, interessamo-nos por uma fa- ceta desse religioso, a saber, o catolicismo3 em rede. Na internet,

os fluxos de sentido em rede moldam e fazem circular comuni- cacionalmente imagens, textos, vídeos, etc. sobre o “católico”, ou seja, construtos simbólicos socialmente relacionados ao catoli- cismo. Contudo, não nos interessa analisar que “católico” é esse, mas sim como ele se forma e se constitui – isto é, os processos comunicacionais envolvidos nessa ação social. Assim, podemos analisar as redes sociais digitais não na sua rigidez estrutural (nós + conexões), mas a partir das ações de conexão que as constituem, em que um trabalho em rede (network) se desdobra a partir de plataformas tecnológicas, agentes sociais e construtos simbólicos.

Neste artigo, primeiramente, refletiremos sobre a no- ção de usos e apropriações religiosos de redes sociodigitais, ou seja, as relações entre tecnologias digitais de comunicação e as práticas simbólicas de grupos religiosos. Em seguida, analisare- mos, em uma rede social digital específica, o Facebook, a presen- ça da Igreja-instituição e de usuários individuais e coletivos, em três “páginas” explicitamente relacionadas com o catolicismo. Nelas, descreveremos traços e marcas deixados por tais agentes, que apontam não apenas para as suas crenças religiosas (mani- festadas em seu discurso social), mas também para as suas prá- ticas situadas e contextualizadas a partir e sobre o catolicismo, ou seja, a apropriação sociorreligiosa das redes sociais digitais. Então, examinaremos a experimentação religiosa em rede e as novas práticas de sentido por parte de indivíduos e grupos so- ciais, que dizem o “católico” midiaticamente para a sociedade

3 O interesse pelo “católico” se deve à relevância sócio-histórico-cultural da Igreja Católica, especialmente no Brasil. Segundo o IBGE, embora com uma queda mar- cante desde o século XIX (em 1872, 99,7% da população brasileira era católica), os católicos ainda são a maioria religiosa do país, com 64,6% do total da popula- ção em 2010. Dados disponíveis em: <http://migre.me/ddYsQ>.

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em geral, mediante reconexões. Como pistas de conclusão, indi- ca-se que, nas redes sociodigitais e em seu fluxo comunicacional de sentidos incessante, o “católico” se manifesta como uma com- plexa construção social a partir dos mais variados polos da cir- culação comunicacional, em que os indivíduos e as instituições não se atêm mais a papéis fixos de “produção” e “recepção”, mas se constituem como tais justamente em sua ação circulatória em dispositivos conexiais.