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Este artigo adota a perspectiva da midiatização (FERREIRA, 2006) como a unificação e diferenciação dos mer- cados discursivos a partir de três dimensões que se afetam mu- tuamente: processos comunicacionais, contextos sociais e dis- positivos. Estas dimensões são fundamentais para entender a comunicação realizada na contemporaneidade, principalmente na web, onde consumidores e produtores se revezam na produ- ção de materiais significantes.

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Assim, neste trabalho parte-se da ideia inicial de que a comunicação é uma forma de construir “zonas compartilhadas de sentido”2. Isto é, compartilhar os sentidos produzidos atra-

vés das estratégias empregadas e pelas lutas travadas entre os campos sociais envolvidos na própria comunicação, o que inclui em especial os atores sociais midiatizados, os usuários da rede mundial de computadores que disputam espaço para emitir seus discursos, suas ideias ou para fazer circular ideias com as quais concordam em um sistema de amplificação. Vive-se hoje um cenário onde as relações sociais são atravessadas por lógicas da mídia, o que altera o modo de organizar a vida social. Para Pedro Gilberto Gomes (2013),

A midiatização é um novo modo de ser no mun- do, tende-se a superar a mediação como categoria para pensar os meios hoje, mesmo sendo mais do que um terceiro elemento que faz a ligação entre a realidade e o indivíduo via mídia. Esse conceito contempla a forma como o receptor se relaciona com a mídia e o modo como ele justifica e tema- tiza essa relação. Por isso estrutura-se como um processo social mais complexo que traz no seu bojo os mecanismos de produção de sentido social (GOMES, 2013, p. 136).

Deste modo, a midiatização é um processo mais amplo, sistêmico, que trata de uma visão da sociedade que é fortemen- te impactada pelos dispositivos midiáticos, não apenas em sua figura técnica e tecnológica, mas em seu caráter semiológico também. É certo afirmar que a mídia não atua como um mero suporte, e tampouco ocupa a centralidade dos processos, como acontecia na chamada sociedade dos meios, mas se configura numa nova ambiência, num “bios midiático”, como afirma Sodré (2006), que perpassa o fazer social. Isto implica dizer que as ló- gicas que antes eram restritas ao campo da comunicação como fazer, gradativamente, vão se imiscuindo no cotidiano do cidadão comum que também se insere em lógicas comunicativas; tome- -se como exemplo a edição de vídeos, a redação de textos para

2 Esta definição aparece no texto de Jairo Ferreira “As instituições e os indivíduos no ambiente das circulações emergentes”, de 2012.

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a socialização e mecanismos de visibilidade. Conforme Bernard Miège (2009), a comunicação se inscreveu profundamente nas relações sociais e se generalizou, mesmo que a eficácia como ferramenta e técnica ainda não seja plenamente garantida ape- nas pelo seu uso. Ante a midiatização e as novas tecnologias da informação e comunicação, comunicar deixou de estar restrito a uma instituição ou organização, principalmente do domínio do jornalístico.

Serge Proulx (2013), ao se referir aos estudos da co- municação no espaço da internet, destaca que os próprios estu- dos sobre a recepção ou sobre o papel do receptor precisam ser repensados em função do contexto da multiplicidade de telas e dispositivos, onde todos são, em certa medida, emissores. Para Proulx,

Nós nos vemos diante de uma multiplicidade de fontes de telas numa confusão de gêneros sobre o que é publicidade, o que é informação pública, o que é comunicação, numa convergência entre o conteúdo das antigas mídias e os novos dispo- sitivos interativos digitais, que nos permitem re- mixar antigas mídias com elementos de criação inovadora. Vemos, então, uma multiplicação das telas. A tela está cada vez mais presente: do telefo- ne celular ao computador. A tela da televisão está em todas as nossas atividades diárias, agora trans- postas nas telas diversas e, ao mesmo tempo, em interação com o que está acontecendo. Estamos diante de uma hibridação dos nossos modos de difusão, distribuição e de comunicação. Passamos das audiências de massa às comunidades de inte- resse que reúnem coletivos de usuários, comuni- dades epistêmicas e comunidades de amadores (PROULX, 2013, p. 90).

Isto implica dizer que a midiatização se instaurou pro- fundamente no tecido social, sendo que os receptores agora se tornam, na expressão de Proulx, “interatores”, deixando o pos- to de passivos como nos esquemas canônicos da comunicação. Assim, há uma autonomização dos processos comunicacionais para além do trabalho jornalístico, por exemplo. Os próprios

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atores sociais midiatizados, conforme Proulx (2013, p. 91), “selecionam, orientam, recebem, interpretam, remixam, criam, transmitem mensagens. Estas tecnologias interativas definem a atividade de criação de conteúdos pelos usuários como ele- mento central de um novo ambiente informacional”. No entan- to, é válido destacar que a tecnologia potencializa o processo, mas a mudança é essencialmente social e não se dá apenas pela tecnologia, pois vai além dela. Trata-se do que Fausto Neto (2008) chama de uma cultura de mídia que é assumida ou que é introjetada ao longo dos anos. Nesse mesmo sentido, Proulx (2013, p. 91) destaca que a web social potencializa a constru- ção de uma cultura midiática por parte dos interatores. Mas que cultura é essa? Certamente, uma cultura que se constrói em um outro tempo, articulando presente e passado e talvez antevendo o futuro, o que significa que há uma dilatação de tempos.

E é exatamente dentro da problemática da midiatiza- ção, na esfera do digital, que este artigo se insere, uma vez que parte-se do pressuposto de que muitas imagens jornalísticas são apropriadas por usuários da web e reinscritas na própria midia- tização. Isto ocorre de tal modo que a memória iconográfica in- dividual vai sendo substituída ou preservada a partir da manu- tenção em circulação destas imagens, numa espécie de memória proteica ou, como afirma Anders (2011), “spare pieces” ou peças sobressalentes.

Esse duplo processo produz diversas transforma- ções nas disposições e dispositivos midiáticos, em suas relações com as instituições e indivíduos que os disputam, mobilizam e os desenvolvem. Os processos midiáticos somam, portanto, diver- sas circulações – emissão/recepção, emissão/ recepção/emissão e recepção/emissão/recep- ção – transformadas pela midiatização das insti- tuições (portais, novas configurações tipo Igreja Universal do Reino de Deus) e dos indivíduos (blogs, Facebook, MSN). Todos, emissores e re- ceptores, estão inclusos no processo de produção (FERREIRA; ROSA, 2011, p. 3).

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Avançando um pouco mais no esquema proposto por Ferreira e Rosa, observa-se que há uma acentuação/alteração dos sentidos em função da circulação intermidiática, ou seja, entre dispositivos diversos. As fotografias jornalísticas ganham uma condição de sobrevida distinta na web a partir do momento em que são distribuídas de modo reverberador em dispositivos que não são jornalísticos. As apropriações feitas pelos usuá- rios criam possibilidades outras de circularidade em blogs, no YouTube, nesta emissão que chamamos aqui como de “segundo nível”3, engendrando novas circulações.

Este cenário traz à tona as questões de base deste arti- go, que podem ser formuladas do seguinte modo: de maneira ge- ral, que lógicas da midiatização são perceptíveis na apropriação de imagens jornalísticas? Os mashups4 se constituem em cria-

ções, cocriações ou apenas adaptações do já visto? Parte-se do pressuposto de que a riqueza destas apropriações está na cria- ção de novas interações diferidas no espaço e no tempo a partir do discurso jornalístico já chancelado, reinvestindo tais imagens de força simbólica, sendo que tal trabalho é desenvolvido pelos atores sociais midiatizados. Contudo, antes de mais nada, é pre- ciso entender do que estamos falando quando nos referimos às apropriações.