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ANEXO 5 – Roteiro semiestruturado de entrevistas de beneficiários

4.1 A ética organizacional do desenvolvimento

Se a ideia em torno do desenvolvimento seria ir de uma posição à outra melhor6, incita-se a construção de sentidos para estas possíveis melhorias e formas para alcançá-las. Quer dizer, a construção de valores, qualidades e, além disso, métodos, projetos, de modo geral, caminhos a percorrer. No caso do desenvolvimento, essas são tarefas das organizações. Entretanto, é somente a partir de sua integração econômico-burocrática que estas se tornam organizações para o desenvolvimento. Portanto, as organizações para o desenvolvimento não são qualquer tipo de organização, mas formas sociais específicas que interagem com as dimensões econômico-burocráticas das sociedades para instituir as dinâmicas do desenvolvimento. Na contemporânea fase multidimensional, as organizações, em sua interação, seriam as responsáveis por constituir as dinâmicas destas distintas dimensões.

Como veremos nesta seção, a vida organizacional vigente tem origem no desenvolvimento, (re)nasceu na modernidade como a nova estrutura social que permitia às sociedades ocidentais, nesta fase moderna, dar sequência a sua empresa da evolução.

Acompanhando a onda positivista que demarcou significativamente o paradigma moderno, introduziram-se nos mais diversos campos de conhecimento, a tendência à extrapolação dos métodos e técnicas usualmente praticados pelas ciências naturais às ciências sociais e humanas. Neste processo, constituíram-se cenários para a interpretação, também das organizações, que assumissem a metáfora dos sistemas biológicos como base principal de teorização nas ciências organizacionais.

O método sociológico e o funcionalismo alavancados por Durkheim, denotaram um sentido sistêmico às sociedades, as quais, através da reificação do fato social, adquiriram um objeto empírico e positivo passível de análises quantitativas, avançando para o estabelecimento das ideias de normalidade junto às

práticas sociais. Além disso, as interpretações (a posteriori) dos aportes realizados por Max Weber em torno da instituição do modelo burocrático, inspiraram outros representativos modelos na busca pela racionalização e eficiência, influenciando à difusão da “crença de que a burocracia formal é um dos meios mais eficazes de

atingimento dos objetivos organizacionais” (REED, 2004, p.38).

Portanto, as leituras de Weber e Durkheim criam norteamentos e enunciados fundamentais para a emergência daquilo que conhecemos como teoria organizacional, que encontra no pensamento de Talcott Parsons e seus alunos, entre estes Robert K. Merton, importantes construções teóricas. O primeiro, avançando na idealização das organizações como uma estrutura formal e integral, em que a ação era compreendida em termos de papéis sociais, que correspondiam a determinadas funções adaptáveis para a concertação dos objetivos organizacionais, ou seja, uma extrapolação do modelo burocrático weberiano à ação organizacional. E o segundo, caracterizando-se por aproximar a ideia de normalidade ao contexto organizacional. Esta aproximação derivou da análise do ideário circunscrito no conceito de função, proporcionando, através da extrapolação do binômio durkheimiano “normal- patológico”, a instituição do binômio mertoniano “funcional-disfuncional”, que subentendia, por sua vez, as capacidades adaptativas de determinadas funções ou papéis à composição e manutenção de dado sistema (SOUZA, 2001).

Apesar de que as teorizações iniciais sobre as organizações utilizassem um viés funcionalista-sistêmico, em que os operários, vistos como seres humanos, recebiam atenções secundárias. Houve, através do processo de teorização, uma aproximação significativa ao trabalhador. Neste acercamento, inaugura-se uma perspectiva que seria fundamental para delimitar o mundo organizacional, o cânone

funcional-estruturalista, internalizando, com isso, a tentativa de quantificar, também,

as relações sociais. Mesmo que de maneira “primitiva”, o operário passou a ser entendido como ator e, neste caso, suscetível a transformações relacionais no âmbito da “firma”, passando-se a considerar aspectos relacionados, por exemplo, a liderança e a dinâmica de grupos.

De modo geral, poder-se-ia categorizar a instituição e a formação do modelo organizacional do desenvolvimento em três momentos: um breve início, em que os autores focaram na compreensão das organizações frente aos fenômenos sociais em ocorrência; num segundo, avançando para a construção de tarefas para a engenharia organizacional direcionadas às “firmas”, traçando, assim, enunciados

iniciais. E, por fim, o “processo de canonização”, quando a “firma” é adotada de maneira fiel como o modelo organizacional para o desenvolvimento.

Três décadas (1900-1930) foram necessárias, portanto, para realizar a transição entre as primeiras idealizações, com Taylor e Fayol, e a conformação de um padrão organizacional, que já compreendia a organização a partir de, no mínimo, três dimensões complementares: a estrutura, as pessoas e o ambiente, as quais, deste modo, serviam de substrato para a elaboração dos principais ideais utilizados pelo mundo organizacional na sequência deste período, correlacionando-se ao apresentar forte aproximação com a abordagem sistêmica (SOUZA, 2001).

Mas, o que explicaria esta rapidíssima transição?

Não foi somente no mundo organizacional que as coisas efervesceram-se; as sociedades conviveram, na passagem do século XIX para o XX, com transformações que mudariam de forma significativa o planeta. Entre estas, poder- se-ia elencar: a consolidação do Estado Moderno de plataforma gerencial antropocêntrica, formal e racional; a afirmação da empresa privada e de base industrial; a instituição da divisão do trabalho; o crescimento das urbanizações; a difusão da mecanização industrial e agrícola; a expansão do petróleo e o consequente uso de seus derivados plásticos; a utilização em larga escala dos insumos agrícolas sintéticos; a difusão da educação técnica; o incremento tecnológico da comunicação e transporte, como, telefonia, automóvel e aviação; o acontecimento da primeira guerra mundial; etc.

Neste contexto, observa-se como o projeto moderno associou ciência, política, religião, tecnologia, capital, recursos, símbolos e ideologia para consolidar- se como uma plataforma global de organização social. Portanto, o mundo complexificou-se, dinamizou-se, integrou-se e, deste modo, foram rápidos também os avanços perceptivos sobre as forças que interagiam com as organizações. Entretanto, nenhuma força alterou tanto o mundo organizacional, neste período, quanto a expansão do uso do petróleo e seus derivados, pois este acontecimento deu início a um modelo industrial de caráter altamente inovador, ou seja, capaz de modificar, de forma singular, o ritmo de transformações nas sociedades.

Da mesma forma, estes sucessos tecnológicos avalizavam a tecnologização do mundo acadêmico e o positivismo denotava o sentido ético ao mesmo, o qual passou a realizar sua “vontade de verdade”, mas, por outro lado, passava também a submeter-se às orientações do principal indicador de desenvolvimento, o capital.

Neste caso, era obvia a associação entre a ciência, dentre estas a organizacional, e a empresa privada, uma das principais forças dinamizadoras dos processos capitalistas durante um período em que se consolidavam padrões compatíveis entre as plataformas estatais. Em um mundo em que o capitalismo difundia-se pelos Estados-Nações, os enunciados gerados pelo modelo organizacional empresarial amplificavam esta difusão.

Às matrizes da modernidade, deste modo, introduziam-se às distintas dimensões das sociedades, substituindo praticamente todas as plataformas dialógicas tradicionais. A subjetividade eclesiástica dava lugar à objetividade científica; a personalidade à autoridade; a religião à ideologia; a contemplação à experiência; a ascese extramundana à intramundana; e o saber tácito ao empírico. Enfim, as sociedades ocidentais passaram a gerenciarem-se através de outras bases ontológicas, as quais davam centralidade à expressão máxima das capacidades humanas em adequar os socioambientes aos seus ideários de bem- estar moderno. Assim, passava-se por um período de enorme crença sobre a capacidade de concretização do projeto moderno que, concomitantemente, transcendia aos padrões organizacionais. O reducionismo cartesiano e a máxima comtiana de ordem e progresso expressavam-se no conjunto social através da formalização, do controle e do planejamento, num mundo ocidental em que o crescimento econômico era visto, cada vez mais, como um sinônimo de desenvolvimento.

As teorias organizacionais, com isso, também assumiram estas premissas para sua cientificação e, neste contexto, prezaram pelas teorizações que complementassem suas perspectivas em torno da “firma” através de abordagens sistêmicas. A meta principal do sistema organizacional era seu desenvolvimento, entretanto, o indicador qualitativo era representado pelo crescimento econômico.

“Consequentemente, o estudo da organização foi modelado como uma ciência aplicada. Sua compreensão positivista da prática da ciência tornou-se o princípio organizador da pesquisa sobre organizações” (REED, 2004, p. 39).

Deste modo, a ciência organizacional autodefinia-se como um espaço disciplinar bastante fechado, girando em torno das interpretações sobre as contribuições weberianas, aquelas que tangenciavam os campos da psicologia e da sociologia, e, utilizando a plataforma positivista, que atentava, principalmente, para a pesquisa aplicada. De forma geral, esta ciência seguia fielmente um momento

histórico que expressava-se na busca pela racionalização e objetivação, priorizando, portanto, determinadas perspectivas para a idealização da realidade, que atendessem, com isso, a suplantação de paradigmas associados à priorização de análises subjetivas.

O amalgama difuso entre psicologia aplicada, sociologia e relações humanas foi dirigido a resolução de problemas, […] os parâmetros de pesquisa de campo legítimos foram definidos pela intersecção entre um entendimento particular de Weber e um entendimento particular da ciência (REED, 2004, p.39).

Portanto, a ciência organizacional delimitava-se a si própria para tornar-se uma ciência aplicada destinada a contribuir para a gestão das organizações modernas. Estas assumidas opções ideológicas enfocaram-se nos valores culturais norte-americanos, que, no período pós-guerra, promoveram energicamente a difusão do capitalismo inserido à instituição indiscutível da propriedade privada. “A

autoridade da ciência confirmou a validade do conceito americano de administração e propriedade e impregnou a ciência organizacional com uma falsa universalidade”

(REED, 2004, p.42).

O cânone construído pela ciência organizacional nesta fase moderna delimitou de forma significativa à inserção de problemáticas às discussões acerca das organizações, padronizando-as. Assim, o modelo burocrático referenciava a condição existencial e as matrizes dialógicas organizacionais, enquanto que, simultaneamente, as relações mercadológicas e econômicas indicavam a qualidade de seus processos. Ao discurso do desenvolvimento, então, atrelaram-se os enunciados organizacionais que, embora não tenham sido elaborados diretamente para este, encontraram pontos convergentes na operacionalização global deste discurso.

Poder-se-ia destacar que, através das escolhas e opções ideológicas, paulatinamente, constituíram-se as organizações socioinstitucionais. Estas, por sua vez, apresentaram, através da entidade burocrática, uma condição existencial, enquanto o capital indicava o sentido de sua existência. Deste modo, as relações com o capital e com o universo burocrático influenciaram diretamente para a instituição das organizações como a forma social de diálogo no desenvolvimento.

De modo geral, a burocracia estatiza as organizações, delimita sua posição, seu espaço, controla e determina seu universo interno e externo de diálogo, dá forma, assim, a sua estratégia. Com isso, antes de qualquer coisa, para participar na

realidade do desenvolvimento, é necessário integrar-se a sua dimensão econômico- burocrática, ou seja, é necessário integrar-se às organizações.

Perpassa pelas organizações cultivar a empresa ocidental da evolução, assim, perpassa por estas também, trabalhar a filosofia desta empresa, bem como os caminhos para segui-la. Já observou-se que o caminho é a integração econômico-burocrática, mas qual seria sua filosofia?

Portanto, não se reconhece qualquer tipo de economia, qualquer tipo de burocracia, qualquer tipo de organização, qualquer tipo de participação, mas somente tipos específicos, os quais, de modo geral, fazem parte da herança discursiva ocidental e, supostamente, são os únicos tipos que contemplariam os níveis adequados de racionalidade, compartilhando assim, com os mitos da integração econômico-burocrática que contribuem para a sustentação do desenvolvimento. “Faça sua parte”, expressa o famoso jargão altruísta, mas uma parte que deve levar em consideração a existência de pressupostos organizacionais. Não obstante, pode-se observar que, nesta história organizacional, houve uma mudança importante no teor discursivo, na perspectiva e na conjuntura política das organizações em seu relacionamento com o desenvolvimento. Conforme nos demonstra o antropólogo Marc Abélès, a principal mudança no teor discursivo do desenvolvimento se deu pela emergência de uma “política da sobrevivência”, a qual passa dividir a espaço com aquilo que era denominado de política da convivência, tão aclamada para conformação do Estado de bem-estar moderno. Este autor destaca que, na transição entre o breve período de decadência da ideia de desenvolvimento e seu posterior período de ressurgência caracterizado pela entrada da abordagem multidimensional, produziu-se uma marcante reformulação ou complementação político-organizacional. Aquelas dimensões do desenvolvimento que eram, até então, negligenciadas, foram abordadas pelas organizações socioinstitucionais através de um discurso apelativo caracterizado pela utilização de um viés catastrófico ou apocalíptico como, por exemplo, no tratamento dado às questões ambiental-culturalistas.

Além disso, o autor indica que, sob a influência destes discursos catastróficos, houve uma rápida estruturação estatal e global para potencializar as intervenções nos mais distintos âmbitos e problemáticas sociais, estabelecendo, assim, um espaço organizacional particular que estruturou-se rapidamente através da política da sobrevivência. Um espaço permeado, principalmente, por enunciados que

remetem a ideias de um futuro ameaçador com incerteza, precariedade, pobreza, destruição ambiental e cultural, fome, doença, etc., e que se identifica pela transferência de poder para as organizações internacionais. Organismos que, por sua vez, assumem funções de governança que competem ou complementam os Estados nacionais como, por exemplo, FMI, Banco Mundial ou OMC e também ONG's internacionais, que gerenciam recursos econômicos e influenciam sobre governos, empresas, meios de comunicação e sociedade civil (ABÉLÈS, 2008).

É neste contexto que podemos categorizar as organizações que trabalham para o etnodesenvolvimento, ou seja, a partir de uma conjuntura organizacional estabelecida sob o viés da política da sobrevivência. Uma política que lança ainda mais elementos simbólicos sobre o fenômeno da participação, atraindo as pessoas e direcionando-as para as ocupações disponibilizadas nestas dinâmicas organizacionais. Ou seja, participar do desenvolvimento é dar esperanças para a sobrevivência de territórios, ambientes, ecossistemas, nações, instituições, sociedades, culturas, etnias, etc.

4.2 A versão étnica das organizações para o desenvolvimento e suas