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ANEXO 5 – Roteiro semiestruturado de entrevistas de beneficiários

9.2 A semiótica fenomenológica e a construção de significados

Esta relação metodológica entre a fenomenologia de Husserl e a doutrina “quase-necessária” dos signos de Peirce não vem a ser, nesta tese, um mero capricho intelectual. Ao contrário, tenta operacionalizar umas das mais importantes questões deixadas na Sexta Investigação no que tange à emergência dos atos expressos ou da expressividade das pessoas. Tal questão coloca em evidência a dificuldade de captar e problematizar objetivamente os atos significativos e intuitivos das expressões.

Conforme destacamos anteriormente, poderíamos resumir que, na fenomenologia husserliana, os atos expressos expressam vivências momentâneas próprias que se tornam objetos para os atos significativos e intuitivos. Entretanto, devemos considerar também, conforme explicitamos antecipadamente na epígrafe deste capítulo, que associados aos atos intuitivos existem uma série de elementos que são expressados somente através dos atos significativos. Nestes, portanto, os atos intuitivos disponibilizam o preenchimento ou recheio que encerra as expressões em pouca ou muita objetividade. Trata-se, de modo geral, de uma característica das expressões que denota às comunicações este processo de mediação simbólica, complexificando-a e atribuindo sentidos mais ou menos objetivos e/ou subjetivos para as expressões. As expressões, deste modo, conservam significados que não se restringem aos aspectos objetivos daquilo que é expressado.

Mas razão de toda a dificuldade reside no fato de que, na aplicação direta das expressões, ou dos atos que exprimem, às vivências internas com-

preendidas intuitivamente, os atos significativos são completamente preenchidos pelas intuições internas correspondentes e, portanto, os dois se fundem da maneira mais íntima, ao passo que as intuições, enquanto internas, são absorvidas pela simples presentação dos atos significados (HUSSERL, 1996, p. 196).

Os atos expressos significativos, deste modo, são os principais responsáveis pela expressão dos significados da participação na problematização das relações estabelecidas por seu fenômeno temporal. Neste contexto, é que entende-se as relações de primeiridade, secundidade e terceiridade da semiótica peirceana como elementos importantes para a elucidação destas expressões significativas. E, portanto, um fundamental enlace metodológico para problematizar tais significações.

Com isso, Peirce identifica e explicita em suas categorias semióticas elementos que subsidiam o esclarecimento das complexas relações que entrelaçam os atos expressos em seu jogo entre a intenção de significar e a intuição sensível expressa. O autor propõe, através da discriminação dos sentimentos, ação/reação e interpretação, um ponto de partida complementar e elucidador para a construção de significados frente a mediação simbólica realizada pelos fenômenos temporais.

A presente tese se utiliza, metodologicamente, de tal complementação, fazendo destas categorias semióticas um cenário elucidativo para apresentar os atos significativos expressos através da problematização destas categorias, que, por fim, acabam por dar forma a um conjunto mais amplo de significações. Neste sentido, constitui-se a possibilidade das pessoas expressarem um conjunto mais amplo de relações emergentes do processo de mediação simbólica, contribuindo para que a problematização derive em maior número de significações, explorando, consequentemente, uma gama mais ampla de intuições.

Metodologicamente, a pessoa, como unidade ontológica, passa pela problematização de sua própria experiência em torno do fenômeno da participação, que em linhas gerais resgata a participação deste “ente” do ser que está no modo de ser do desenvolvimento. Portanto, “aquilo que se mostra ao ser” através de sua experiência com a participação é problematizado para que seja possível expressar os significados da mesma. Como diria Heidegger (1998, p. 44), “as modalidades de

acesso e interpretação devem ser escolhidas de modo que este ente possa mostrar- se em si mesmo e por si mesmo”. Não obstante, emergem destas problematizações

aspectos que nos permitem observar, também, as intenções das pessoas frente ao fenômeno temporal da participação e, consequentemente, os elementos de

direcionamento ou afastamento do ser em relação aos modos de ser do desenvolvimento. Aspectos tais, que serão trabalhados, metologicamente, na seguinte seção através das matrizes fenomenológicas heideggerianas.

10 A ANTROPOLOGIA HEIDEGGERIANA E OS MODOS DE SER

COMO POSSIBILIDADES: A SEMIÓTICA EXISTENCIAL

“A interpretação fenomenológica deve oferecer para a própria pre-

sença a possibilidade de uma abertura originária e, ao mesmo tempo, da própria pre-sença interpretar a si própria. Ela apenas acompanha essa abertura para conceituar existencialmente o conteúdo fenomenal do que assim se abre”.

Martin Heidegger (Ser e Tempo). À guisa de apresentar os elementos que completam o círculo metodológico utilizado para a experiência analítica desta tese, nos deparamos neste momento com a necessidade de explicitar os caracteres fenomenológicos que compõem o terceiro nível desta análise. Sob a influência da antropologia heideggeriana, atenta- se, com isso, para explorar e interpretar as expressões que deixam margens para compreender a abertura e o direcionamento do ser que está nos modos de ser do desenvolvimento.

Como destacou-se nos capítulos anteriores, o fenômeno temporal da participação para o desenvolvimento emerge com uma substancial carga simbólica de atração do ser que, nesta experiência simbólica, pode ou não direcionar-se para o modo de ser do desenvolvimento, um modo impessoal de ocupação aberto pelas possibilidades emergentes do fenômeno temporal da participação. Essas possibilidades, diria Heidegger (1998, p. 39), “são ou escolhidas pela própria pre-

sença ou um meio em que ela caiu ou já sempre nasceu ou cresceu”.

Através desta ideia que enreda a pre-sença em um feixe de possibilidades, podemos explorar mais um dos pressupostos da antropologia heideggeriana que influenciam sobre a presente metodologia. De acordo com esta, deparamo-nos constantemente com as possibilidades emergentes das temporalidades as quais visamos, porém cada temporalidade influencia para a conformação de distintas formas de abertura do ser. Para o caso dos modos de ser do desenvolvimento, a pessoa já experienciou a temporalidade da participação, a qual possibilitou a abertura do ser para os modos de ser do desenvolvimento. Podemos considerar, então, que estaremos nos deparando com a pessoa enquanto ser que está na cotidianidade do desenvolvimento, sendo assim, “sujeito” da cotidianidade, ou seja, o próprio impessoal.

cotidianidade da pre-sença que conformam os modos de ser do desenvolvimento, como em qualquer outra cotidianidade da pre-sença, as pessoas experienciam estas ocupações impessoais através de uma ideia de espacialidade que o autor denomina de circunvisão. Esta, deriva das relações inerentes aos sentidos do mundo (intuitivo/fenomenológico), do “mundo” (cartesiano) e dos outros (impessoal). Tais relações emergentes da circunvisão são importantes elementos para entender o direcionamento do ser frente aos entes e, com isso, suas relações com as possibilidades.

Ou seja, Heidegger dá destaque à composição de sentidos que conformam as percepções e experiências, em que a circunvisão concerta e da sentido as relações mundanas. Seguindo as orientações husserlianas, as características deste “mundo circundante” das ocupações derivam, principalmente, destas relações entre o intramundano (intuitivo), empírico (cartesiano) e impessoal (simbólico/discursivo). Assim sendo, na circunvisão da pessoa que está na cotidianidade da pre-sença derivam-se, geralmente, os modos de ser-no-mundo (intuitivo), de ser-em-si (cartesiano) e de ser-com-os-outros (impessoal).

Neste sentido, ao estar direcionado para as ocupações do mundo circundante do desenvolvimento, a pessoa tende a deparar-se com as possibilidades evidenciadas nesta conjuntura, a qual está imersa, ao mesmo tempo, nas relações com os outros. As ocupações pressupõem uma abertura do ser da pre-sença para os modos de ser-no-mundo que, consequentemente, pré-ocupa a pre-sença com a abertura do ser aos outros, conformando um modo de ser-no-mundo-com-os-outros. “Os “outros” são aqueles dos quais, na maior parte das vezes, ninguém se diferencia

propriamente, entre os quais também se está” (HEIDEGGER, 1998, p. 169)

A convivência nesta cotidianidade simbólica que entrelaça as relações sociais, naturais e intuitivas enjaulam as ocupações na impessoalidade. Nas ocupações com o mundo circundante, diria Heidegger (1998, p. 179), “o arbítrio dos outros dispõe

sobre possibilidades cotidianas do ser da pre-sença”. Configura-se, de acordo com o

autor, uma situação de “tutela dos outros” e desta tutela emerge o impessoal. Podemos observar nas palavras do autor que o sujeito da cotidianidade tende a ser algo impessoal. “O quem não é este ou aquele, nem o próprio do impessoal, nem

alguns e muito menos a soma de todos. O quem é o neutro, o impessoal”

(HEIDEGGER, 1998, p. 179).

desenvolvimento determina à pessoa uma modalidade impessoal de ser, dissolvendo a pre-sença no modo de ser dos outros, onde a cotidianidade é dominada pelo impessoal. Neste sentido, “o impessoal pertence aos outros e

consolida seu poder” (HEIDEGGER, 1998, p.179).

Portanto, nesta conjuntura da ocupação, os modos de ser do desenvolvimento encontram-se, simultaneamente, em relações intramundanas (ser- no-mundo), sociais, discursivas e simbólicas (ser-com-os-outros) e fisícas ou materiais (ser-em-si), de onde emergem elementos analíticos indicadores para tratar sobre o direcionamento do ser. Emergem, com isso, relações de espacialidade em que uma conjuntura intencionada e complexa de sinais, referências e significâncias conduzem a pre-sença em seu dis-tanciamento e direcionamento em relação aos entes. “Esta orientação regional da multiplicidade de locais do que está à mão

constitui o circundante, isto é, o fato de os entes que de imediato vêm ao encontro no mundo circundante estarem em torno de nós” (HEIDEGGER, 1998, p.150).

Metodologicamente, a problematização da pessoa visa destacar este caráter impessoal do modo de ser do desenvolvimento através da explicitação dos aspectos que conformam as distintas cotidianidades, onde a pessoa encontra-se dispersa na impessoalidade. Busca-se, portanto, evidenciar esta dispersão da pessoa para que se promova a emergência de possibilidades que serão confrontadas em relação às possibilidades dos modos de ser do desenvolvimento.

A pessoa deve poder problematizar seu modo de ser impessoal para, com isso, possibilitar uma abertura originária para que a própria pre-sença possa interpretar-se suficientemente para poder revisar suas significações. Em torno desta abertura originária do ser da pre-sença é que podemos resgatar as possibilidades e discutir o direcionamento do ser da pre-sença em relação aos modos de ser do desenvolvimento. Assim, o modo de ser do desenvolvimento, como uma cotidianidade da pre-sença, será também problematizado como mais uma das possibilidades.

De início, a pre-sença é impessoal e, na maior parte das vezes, assim permanece. Quando a pre-sença des-cobre o mundo e o aproxima de si, quando ela abre para si mesma seu próprio ser, este descobrimento de “mundo” e esta abertura da pre-sença se cumprem e realizam como uma eliminação das obstruções, encobrimentos, obscurecimentos, como um romper das deturpações em que a pre-sença se tranca contra si mesmo (HEIDEGGER, 1998, p. 182).