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ANEXO 5 – Roteiro semiestruturado de entrevistas de beneficiários

10.1 A semiótica heideggeriana

Para definir o direcionamento do ser frente às temporalidades da ocupação, a antropologia heideggeriana constrói categorias analíticas que, de acordo com suas referências fenomenológicas, aproximam-se, também, da doutrina “quase- necessária” dos signos de Peirce. No entanto, nos estudos dos processos de mediação simbólica, a semiótica peirceana se dedica, principalmente, para explicitar a “força” simbólica na interação imediata com as realidades. Heidegger, sem descaracterizar a proposta de Peirce, descreve diferentes espaços ou regiões onde estabelecem-se tais mediações simbólicas, apontando, neste sentido, para uma diferenciação analítica complementar a de Peirce, atentando, contudo, para o estudo do direcionamento do ser frente às temporalidades.

Nas ocupações que compõem a cotidianidade da pre-sença, Heidegger identifica, pelo menos, três “dimensões” entrelaçadas que orientam o processo de mediação simbólica: o circundante do mundo intuitivo, do mundo físico da existência e do impessoal. Uma tricotomia heideggeriana que contribui para elucidar o direcionamento do ser, em que as relações que conformam esta conjuntura possibilita alcançar um elevado senso de espacialidade, passível de direcionamentos. Não obstante, não se trata somente de uma orientação geográfica ou “espacial”, mas sim uma orientação que aborda os distintos modos de ser e considera suas relações com os mesmos. “Todos os onde são descobertos e

interpretados na circunvisão, através das passagens e caminhos do modo de lidar cotidiano, e não constatados e enumerados numa leitura de medições do espaço”

(HEIDEGGER, 1998, p. 151). De acordo com o autor, tal senso de espacialidade revela-se através das características do dis-tanciamento e do direcionamento.

Contrariamente ao que possa-se imaginar, dis-tanciamento faz referência à aproximação em relação àquilo que está no entorno (à mão) na circunvisão da cotidianidade da pre-sença, ou seja, levando a pre-sença mais próxima à conjuntura de referências impessoais da ocupação. Com isso, há um dis-tanciamento em relação ao ser da pre-sença e um direcionamento aos entes da ocupação. “A

ocupação exercida na circunvisão é um dis-tanciamento direcional” (HEIDEGGER,

1998, p. 157). Neste sentido, a ocupação disponibiliza para a cotidianidade da pre- sença uma série contínua de sinais que, por sua vez, ganham significância dentro de uma conjuntura (relações complexas de referências) e, neste contexto, o

direcionamento sempre está dotado de intencionalidade, predelineando a ocupação. Aquilo que, de certa forma, é denominado por Peirce de representâmens e que transmitem a ideia da presença de uma crosta sígnica que quase- necessariamente conduz nossas relações com as realidades é explicitado por Heidegger através da denominação de totalidade referencial. Objeto, fundamento e interpretante que na teoria peirceana dão forma aos representâmens podem ser comparados, quase sem perda de sentido, aos sinais, referências e significâncias que na teoria heideggeriana conformam a totalidade referencial. De fato, os dois autores buscam denominar e discriminar uma situação conjuntural que é determinante para a atração e permanência do ser da pre-sença para os modos de ser da ocupação, explicando as tendências humanas em optar por caminhos preestabelecidos. Conforme destaca Heidegger (1998, p. 160), “o destino em geral

acha-se prelineado pela totalidade referencial estabelecida numa destinação da ocupação, em cujo seio a ação libertadora de deixar e fazer em conjunto instaura referências”. Seria, de alguma forma, aquilo que Peirce (2012) define como a

“doutrina quase-necessária dos signos” que, de modo geral, usurpa de nós uma mediação existencial direta com as realidades, mas que ao mesmo tempo, permite- nos verificá-la e experimentá-la construtivamente, progressivamente e através de diferentes vieses.

Em torno desta relação intencional da ocupação, onde destacam-se as categorias do dis-tanciamento e direcionamento, que podemos contemplar o terceiro nível de análise metodológica estabelecido para esta tese. Um nível de análise que preza por evidenciar as tendências de continuidade das pessoas em relação às experiências de ocupação nos modos de ser do desenvolvimento.

As similaridades entre a antropologia heideggeriana e a semiótica peirceana não são meros elementos do acaso, mas sim uma demonstração dos esforços de ambos os autores em explicar e elucidar as influências dos aspectos simbólicos na concertação das experiências humanas. Com isso, pode-se identificar complementariedades no trabalho destes autores em que a centralidade dos distintos níveis analíticos aqui utilizados conformam um caminho lógico de análise. Neste último nível, porém, prezou-se pela tentativa de abertura do ser para as possibilidades da pre-sença, em que as possibilidades do modo de ser do desenvolvimento podem ser compreendidas e comparadas para revelar as tendências de continuidade nas experiencias do desenvolvimento, ou seja, as

tendências de continuidade na participação para o desenvolvimento.

De modo geral, podemos observar que os dois primeiros níveis de análise visam evidenciar, respectivamente, as categorias semióticas peirceanas e os atos expressos husserlianos. Neste contexto, preza-se para que o primeiro nível de análise explicite as vivências momentâneas próprias das pessoas que estão no modo de ser do desenvolvimento, as quais serão problematizadas como objetos para dar forma, no segundo nível de análise, a construção de significados em torno do fenômeno temporal da participação. Por fim, no terceiro nível de análise, atentamos para destacar os elementos mais aparentes presentes na circunvisão da ocupação do desenvolvimento e que, de alguma forma, conduzem ao dis- tanciamento direcional das pessoas. Busca-se, com isso, explorar a totalidade referencial ou o conjunto de representâmens destacados nas entrevistas, bem como as significações expressas para colocar em evidência a experiência total do ente do ser que está no modo de ser do desenvolvimento. A construção do discurso das pessoas entrevistadas abre espaço para a compreensão desta experiência cotidiana a partir de uma situação de estar-lançado em uma temporalidade, potencializando a

disposição para outro processo de projeção ou para dar sequência a experiência

cotidiana da participação.

Portanto, estaremos observando no próprio discurso pessoal que dá forma a construção de significados da participação a partir de seu fenômeno temporal, um processo de comparação entre aquilo que foi projetado simbolicamente (disposição), remetendo-a para o modo de ser do desenvolvimento, e a leitura de sua experiência enquanto estar-lançado no projeto (compreensão). “Disposição e compreensão são,

de maneira igualmente originária, determinadas pelo discurso” (HEIDEGGER, 1998,

p. 187). Ou seja, através do discurso de significação apresentado pela pessoa durante a problematização realizada na entrevista estaremos atraindo-a para as possibilidades da pre-sença de modo a evidenciar os elementos expressos que influenciam em suas projeções enquanto pessoa.