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ANEXO 5 – Roteiro semiestruturado de entrevistas de beneficiários

5.2 As condições participativas e suas tipologias “top-down”

Portanto, denota-se à participação a possibilidade de co-construção das transformações sociais em que o cidadão também poderia exercer o controle sobre as transformações em ocorrência. Esta ideia, assim, torna-se um enunciado operacional renovador para a democracia. O qual, segundo alguns autores, poderia ser entendido de duas formas: “participação em” ou “participação sobre” (PATEMAN, 1992; DAHL, 2001; SANTOS & AVRITZER, 2003; CORNWALL, 2008; SALM & MENEGASSO, 2010).

A primeira significa ser ou ter parte na comunidade para decidir sobre algo que é do interesse de todos. Já a participação sobre dá a ideia de controle, tipificado pelo caso da participação na comunidade para exercer o controle social sobre as atividades do poder público. Em qualquer um desses casos, quando dirigida à construção do bem comum e à estabilidade da sociedade, a participação é entendida como uma ação legítima a ser exercida pelo cidadão. A participação também é necessária para proteger a liberdade, desenvolver a democracia e permitir o equilíbrio psíquico do cidadão (SALM & MENEGASSO, 2010, p.4).

Poder-se-ia colocar que, neste contexto, à participação designa-se um sentido panaceico frente aos problemas derivados da relação entre o desenvolvimento e o

sentido da existência pessoal. Com isso, eleva-se ao extremo um sentido sistêmico da interação entre as formas de organização social, o qual indica uma ideia de interação permanente entre a existência pessoal e a organização social para o desenvolvimento.

Os enunciados participativos tenderam a incorporar significados que atribuem uma ideia de intrinsecidade entre a existência pessoal e as formas organizacionais para a ação pública. A qual desenha para tal enunciado, significados bipolares em que, em um extremo o indivíduo é manipulado enquanto no outro, é este quem manipula. As principais tipologias acerca da participação tendem a realizar-se através de análises escalares destes enunciados e compartilham a interpretação de que o uso do mesmo referencia-se através dos processos de legitimação para as ações organizacionais (SALM & MENEGASSO, 2010).

Dentre os autores que construíram tipologias acerca da ideia de participação, o comum foi o entendimento da mesma através da análise escalar. Arnstein (1969) descreveu sua tipologia na forma de uma escada em que entre o degrau mais alto e o mais baixo destacaria, respectivamente, os seguintes tipos de participação: controle do cidadão sobre o estado; poder delegado ao cidadão; parceria com o cidadão; consulta; informação; pacificação; manipulação.

Em Pretty (1995) observa-se similar tipologia, em que este descreve sua escada colocando entre o ponto mais baixo e o mais alto os tipos de participação como: manipulativa; passiva; por consulta; por incentivo; funcional; interativa; automobilização.

Já White (2000) é mais generalista, destaca apenas quatro tipos de participação, também de modo escalar, colocando entre o ponto mais baixo e o mais alto os seguintes tipos: nominal; instrumental; representativa; transformativa.

Além disso, Salm & Menegasso (2010) avançam, ainda mais, sobre estas tipologias, construindo outra. Mantendo o padrão da análise escalar, são interrelacionadas as três tipologias supracitadas. Entretanto, no caso destes autores, há uma explicitação ainda maior da crença na ideia de uma integração indissociável entre o sentido da existência pessoal e as formas de organização social. Então, os autores elaboram sua tipologia através da extrapolação da ideia de participação para a construção de “modelos de coprodução”. Ou seja, ressaltando a impossibilidade de haver uma separação entre o sentido da existência pessoal e as formas organizacionais, assim, colocam em sua tipologia não mais tipos de participação,

mas “modelos de coprodução”. No entanto, não deixam de compartilhar com as propostas escalares dos primeiros tipólogos da participação, indicando entre as expressões inferiores e superiores da participação, respectivamente, cinco “modelos

de coprodução”: nominal; simbólica; funcional; representativa com sustentabilidade;

para a mobilização comunitária.

A participação, nestas tipologias, é sempre vista como uma reação a algum agente externo, nestes casos, as organizações socioinstitucionais governamentais, internacionais, das sociedades civis e de segundo grau, persistindo a questão sobre o porquê da participação necessitar sempre de um balizamento em relação a algo? Pode-se perceber, então, que há pressupostos ideológicos por trás da construção das tipologias. Os agentes externos são sempre vistos como necessários, colocando as experiências participativas em um feixe complexo de relações com tais agentes. São estas características que permitem-nos categorizar as críticas participativas em dois grandes grupos de discussão, stricto e lato sensu. A participação, em seu sentido amplo, traz esperanças de que a democracia representativa pode ser permeada pelo povo de forma mais direta, diminuindo os paradoxos da representação sem promover qualquer ruptura com a inegociável filosofia administrativa que estruturou as organizações socioinstitucionais para a operacionalização dos modelos vigentes. Portanto, em seu sentido amplo, a participação não exige a revisão sobre os contratos sociais que atualmente vigoram e, de maneira reformista, é introjetada nas agendas sociopolíticas para otimizar as experiências representativas, onde é enormemente valorizada.

Como observa-se, a participação passa, portanto, de necessidade à premissa. A ressignificação e a reformulação do discurso para o desenvolvimento proporcionadas pela aproximação do mesmo ao espaço promoveu a associação dos enunciados ambiental-culturalistas. O que possibilitou a relativização necessária para a amplificação do desenvolvimento através da apropriação de novas dimensões, em que praticamente toda ação social humana passou a ser atrelada ao desenvolvimento. Os enunciados participativos, por sua vez, reforçam a ideia de uma relação indissociável entre o sentido da existência pessoal e as formas de organização social. De modo geral, em um extremo você é co-gestor e no outro você é gerido (é um recurso, um objeto).

Frente a este contexto, observa-se a tendência de “valorização da participação” (DIESEL & NEUMANN, 2010). Ou seja, frente aos processos

organizacionais para o desenvolvimento, a participação torna-se um enunciado que atribui uma dimensão qualitativa para a legitimação destes processos. O desenvolvimento que, até então, era alvo de infinitas críticas por priorizar apenas dimensões quantitativas, principalmente relacionadas às matrizes econômicas, ganha fôlego ao atrelar uma dimensão qualitativa positiva, a participação. Assim, este enunciado passa a ser valorizado nos processos organizacionais, onde fica implícita a ideia de que, quanto mais elevada a atuação social na escada da participação, melhor é a qualidade destes processos.

A partir destas mudanças paradigmáticas amplas, valorizadoras da “participação”, práticas sociais são problematizadas e renovadas, sobretudo quando já eram percebidas como limitadas, não atendiam mais as expectativas criadas em torno delas. Assim, a participação passa a se constituir fator de renovação das práticas sociais, assumindo caráter multifacetado [...] (DIESEL & NEUMANN, 2010, p. 250).

Conforme destacam Diesel & Neumann (2010), são observadas pelos menos três formas de valorização da participação: na gestão pública, que buscaria fertilizar, mais diretamente, os processos de democratização através, por exemplo, da construção de instâncias para a participação ou do fortalecimento das organizações da sociedade civil11; nos processos de geração de tecnologias e na

assistência técnica, que compreenderia, de modo geral, a renovação das

abordagens relativas à construção de tecnologias e da resolução de problemas no âmbito da pesquisa agropecuária como, por exemplo, a ideia da co-construção de inovações12; e, por fim, nas intervenções via projetos, que relacionaria as intervenções direcionadas, principalmente, as variadas dimensões desenvolvimentistas como, por exemplo, ao desenvolvimento rural e ao etnodesenvolvimento incluindo, nestes casos, populações rurais, tradicionais e povos indígenas inseridas em conjunturas organizacionais voltadas à execução de intervenções via projetos13. Esta última, por sua vez, relacionando-se diretamente com o presente projeto de tese e que tentaremos explorar mais detidamente na seguinte seção.

A valorização da participação em seu sentido amplo conformou novas formas

11 Finot (2001) dá ênfase a esta questão em “Descentralización en América Latina: teoría y práctica”. 12 Ver maiores detalhes em Sabourin (2006).

13 Uma forma de intervenção amplamente utilizada pelas agências de CID, baseada na modalidade de projetos em que preza-se pela participação local na gestão (DAVIS & SOEFTESTAD, 1995) e onde difundiram-se amplamente as ferramentas participativas (CHAMBERS, 1992; 2004; GEILFUS, 2002).

de abordar este discurso que já não opõe-se simbolicamente as dinâmicas representativas, mas sim introduz símbolos que indicam a necessidade das pessoas ocuparem-se com a gestão do desenvolvimento nas modalidades predelineadas de modo a não radicalizar suas estruturas socioinstitucionais.

5.3 A valorização da participação nas intervenções via projetos para o