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A ação de execução do título de crédito eletrônico

No documento Título de crédito eletrônico (páginas 114-126)

4. O TÍTULO DE CRÉDITO ELETRÔNICO E A CARTULARIDADE

4.3. A ação de execução do título de crédito eletrônico

A ação de execução tem a finalidade de satisfazer em relação ao credor, o cumprimento da prestação mencionada no título.

Apenas por didática, marcamos aqui as diferenças entre o processo de execução e o processo de conhecimento, usando as palavras de Humberto Theodoro Júnior90,in verbis:

“Atua o Estado, na execução, como substituto, promovendo uma atividade que competia ao devedor exercer: a satisfação da prestação a que tem direito o credor. Somente quanto o obrigado não cumpre voluntariamente a obrigação é que tem lugar a intervenção do órgão judicial executivo. Daí a denominação de ‘execução forçada’, adotada pelo Código de Processo Civil, no art. 566, à qual se contrapõe a idéia de ‘execução voluntária’ ou ‘cumprimento’ da prestação, que vem a ser o adimplemento.

Enquanto no processo de conhecimento o juiz examina da lide para ‘descobrir e formular a regra jurídica concreta que deve regular o caso’, no processo de execução providencia ‘as operações práticas necessárias para efetivar o conteúdo daquela regra, para modificar os fatos da realidade, de modo a que se realize a coincidência entre as regras e os fatos’”.

Para realizar a execução, necessária a existência de um título executivo e do inadimplemento, ou seja, que a obrigação não tenha sido voluntariamente cumprida pelo devedor. O título executivo poderá ser judicial ou extrajudicial: judicial quando resultar de um processo de conhecimento; extrajudicial quando definido legalmente.

É o caso dos títulos de crédito nominados, como a duplicata, o cheque, a letra de câmbio, a nota promissória, debênture91.

90 HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil, vol. II, p. 709-710. 91 Código de Processo Civil, art. 585.

A execução de um título de crédito eletrônico, por tudo o que manifestamos até o momento, dependeria de mudanças na legislação, não só na regulamentação material do título, mas também processual.

Não obstante, valemo-nos uma vez mais da opinião de Adrianna de Alencar Setubal92 sobre a questão, in verbis:

“Diante disso, perguntamos, o que fazer ou como fazer para executar um título de crédito eletrônico? São duas as soluções que vislumbramos. A primeira delas é usar do mesmo artifício utilizado no protesto por indicação, no qual se tem a determinaç ão do título a ser protestado identificado eletronicamente. A segunda alternativa é materializar o título, com o uso de periféricos de saída como as impressoras. Impresso o título, este seria juntado à petição inicial, sem qualquer inovação quanto ao que hoje temos”.

Alternativamente à utilização do mesmo artifício utilizado no protesto por indicação, que já tratamos no capítulo anterior, preferimos a regulamentação do título de crédito eletrônico. Regulando o ato de criação do título, com a segurança jurídica necessária, inclusive com a certificação da assinatura, a materialização do título, como sugere a autora citada, não seria problema.

A propósito da questão, tivemos acesso a um trabalho de autoria do Vice-Presidente do INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PROCESSUAL e ex- ministro do Superior Tribunal de Justiça, Professor Athos Gusmão Carneiro, contendo sugestões para uma nova sistemática da execução. Na parte III do referido trabalho (não publicado), há um esboço de projeto de lei sobre a execução dos

títulos executivos extrajudiciais, com proposta de nova redação do art. 566 do Código de Processo Civil, cuja redação atual tem o seguinte teor:

“Art. 566. Podem promover a execução forçada: I – o credor a quem a lei confere título executivo; II – o Ministério Público, nos casos prescritos em lei.

Eis a redação proposta no referido trabalho:

“Art. 566. Pode promover a execução forçada o credor por obrigação expressa em documento por lei considerado título executivo extrajudicial, redigido por escrito ou constante de registro eletrônico autorizado”. Grifamos.

Poderíamos citar outros mecanismos processuais aptos a darem suporte para a cobrança de um crédito não materializado (ação de cobrança, por exemplo), mas é evidente que o caráter executivo extrajudicial conferido aos títulos de crédito, constitui -se em grande atrativo para a concretização de negócios via cambiária, de modo que nenhum sentido haveria em discutirmos soluções para os negócios firmados eletronicamente, se desconsiderássemos o aspecto processual da questão.

4.4. A jurisprudência

A influência do computador e dos meios de transferência de fundos, constituem fator de mudança fundamental nos negócios, sobretudo os bancários, onde as operações são processadas quase que integralmente pela via eletrônica, através dos chamados bancos eletrônicos. Pode-se afirmar, ainda, que a utilização

dos meios eletrônicos no cotidiano é irreversível. E esta realidade não será diferente nos negócios realizados através dos títulos de crédito, como, aliás, já se observa na prática.

Em conseqüência, à medida em que os avanços superem ou modifiquem as normas vigentes, imprescindível sua adequação, com a rapidez que as circunstâncias o exigem, preferentemente, incorporando os princípios modernos de conduta, já que este parece ser um caminho sem volta.

Como os avanços sociais, em todos os campos, têm se dado com uma rapidez inalcançável pelo direito positivo, a jurisprudência, historicamente, tem equacionado as naturais diferenças. No Brasil, entretanto, além de não contarmos, ainda, com textos legais que tratem especificamente da intromissão da informática nos negócios, sobretudo os realizados com títulos de crédito, a matéria tem sido pouco submetida aos Tribunais pátrios.

A propósito, é provável que o pequeno número de controvérsias submetidas ao Judiciário possa ser atribuída à segurança com que os bancos realizam, sobretudo, operações envolvendo as chamadas ‘duplicatas escriturais’.

Como já apontamos em considerações anteriores, ao celebrar operações de desconto bancário, por exemplo, com as informações comerciais transmitidas via magnética, os bancos já asseguram, independentemente de protesto, o direito de regresso em relação ao contratante, no caso, o

sacador/emitente da duplicata. Nestes casos, em não sendo adimplida a obrigação pelo sacado/aceitente, a conta-corrente do sacador é que será onerada. Não estamos a considerar, embora também seja prática comum, a existência de outras garantias, como fiança e aval, por exemplo.

Não seria lógico, assim, munido destas alternativas, saírem os bancos a executar os sacados/devedores, que, inclusive, nem sempre e necessariamente integram a carteira de clientes do banco, ao contrário do sacador, que tem nesta premissa a condição para operar.

De outra parte, já tivemos oportunidade de consignar a nossa particular descrença de que a jurisprudência, isoladamente, possa firmar um posicionamento concreto sobre a matéria, pelo menos em um tempo que se julgue razoável à segurança que as novas relações creditícias estão a demandar.

Não é só uma questão de tempo, em verdade. Razões de ordem subjetiva levam-nos a desacreditar que o judiciário brasileiro, historicamente conservador, possa enveredar por um caminho de vanguarda nessa matéria, por isso o nosso convencimento de que se faz necessária a presença do legislador para regulamentar as novas práticas existentes por conta das inovações tecnológicas nos negócios, como é o caso dos títulos de crédito.

Apesar das poucas decisões sobre o assunto, permitiremo-nos citar algumas delas. Entretanto, verificaremos que, no mais das vezes, não enfrentam o

nó górdio de toda a controvérsia aqui tratada, qual seja, a desmaterialização do título de crédito.

Em texto a que já fizemos referência no capítulo anterior, o Professor Celso Barbi Filho93 reporta-se a decisões como esta, do Tribunal de Alçada do Paraná, verbis:

“O artigo 13, parágrafo 1º, da Lei n. 5.474, permite que o protesto da duplicata por falta de aceite e de devolução seja feito apenas por indicação do portador, dispensando-o da produção de qualquer outra prova e firmando a sua responsabilidade pela inexatidão das declarações que forem feitas. Assim a duplicata ou triplicata, ainda que não aceita, desde que preencha os requisitos do inciso II, letras a, b, c, e parágrafo 2º do artigo 15 da Lei n. 5.474 constitui título hábil à execução extrajudicial.” (Acórdão unânime da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Paraná na Apelação Cível n. 69.065-5, publicada no Diário da Justiça do Paraná de 23.9.94, página 80, e no Repertório IOB de Jurisprudência, 1ª quinzena de fevereiro de 1995, Código 3/10515, página 44).

Decisão do mesmo Tribunal e também citada pelo Professor Celso Barbi Filho:

“Constitui título certo e líquido o borderô de duplicata, não devolvida pelo devedor, que contenha as parcelas do valor total da dívida e dia do vencimento, em correspondência com os valores apontados no negócio jurídico de desconto e crédito na conta corrente do devedor.” (Acórdão unânime da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Paraná na Apelação Cível n. 67.649-3, publicada no Diário da Justiça do Paraná de 21.10.94, página 73, e no Repertório IOB de Jurisprudência, 1ª quinzena de dezembro de 1994, Código 3/10338, página 450).

Ainda citação do Professor Celso Barbi:

“Se a duplicata é encaminhada para aceite e não é devolvida pelo devedor, sendo protestada e comprovada a operação de desconto através de borderô, não há que se falar em iliquidez.” (Acórdão unânime da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Paraná na Apelaç ão Cível n. 67.678-4, publicada no Diário da Justiça do Paraná de 16.9.94, página 115, e no Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª quinzena de outubro de 1994, Código 3/10178, página 388).

O 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo proferiu julgado com a seguinte ementa94:

“Duplicata – Protesto por indicação – Desnecessidade da juntada do título original – Execução fundada no próprio instrumento de protesto – Duplicata – Prova da efetiva prestação de serviços e do vínculo contratual – Impossibilidade de apresentação do título por ter o mesmo ficado retido com o executado – Desnecessidade de extração de triplicata – Regularidade formal do título – Possibilidade de execução – recurso não provido”.

De outro lado, existem também entendimentos em sentido contrário, exigindo-se a presença da duplicata não aceita a despeito do que dispõe a Lei. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais já julgou que, “por não possuírem

força executiva, não podem os instrumentos de protesto realizado por indicação instruir pedido de falência”.95

93 CELSO BARBI FILHO, A supressão documental da duplicata, Revista Literária de Direito, setembro/outubro

de 1997.

94 1º TACivSP, Ag 740.306-3, rel. Juiz Roberto Bedaqui, DJSP 3.9.97, p. 81 e Repertório IOB de Jurisprudência,

2ª quinz. Fev. 98, código 3/14082, p. 79.

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul96 decidiu que “para

viabilizar o processo de execução, as duplicatas não aceitas devem instruir a petição inicial, acompanhadas do instrumento de protesto e da prova de entrega das mercadorias, pois são documentos indispensáveis à propositura da ação”.

As ementas dos julgados acima transcritas, estão muito distantes da discussão aqui estabelecida: a ausência da cártula, a desmaterialização do título de crédito. Todos os julgados cogitam da hipótese de efetiva emissão da duplicata e, nos casos que admitem a sua supressão, o fazem com base na Lei 5.474 de 18 de julho de 1968, que disciplina as regras para os casos de não devolução do título – quando encaminhado para aceite –, admitindo o protesto por simples indicação. Esclareça-se, ademais, que a extração da triplicata é prevista para os casos de perda ou extravio da duplicata97.

Definitivamente, as decisões judiciais, como já dissemos, não enfrentaram concretamente a discussão posta, pois na prática negocial moderna (assunto tratado no capítulo anterior), onde os registros mercantis são repassados às instituições financeira através de meios eletrônicos, definitivamente não há a emissão do documento físico.

Ao considerarmos, em linhas passadas, as dificuldades que vislumbramos num avanço judicial sobre a matéria, de modo que a jurisprudência

96 TJMS, AC classe “b” XVII 39.362-0, DJMS 7.4.95, p. 4, e Repertório IOB de Jurisprudência, 1ª quinz. Jun.

pudesse fazer as vezes do legislador, interpretando sob novas perspectivas a legislação vigente, apontamos como dificultador, além da postura conservadora do nosso Judiciário, o fator tempo.

Para tanto, importante dizer que o uso da duplicata escritural, no Brasil, não é fato recente, abarcando pelo menos duas décadas, ou seja, tempo suficiente para que já tivesse sido enfrentada dentro de seu aspecto real. Vejamos o que diz o precursor desta discussão no país, o Professor Newton de Lucca98:

“2. A Duplicata Escritural no Brasil

Pode-se dizer, introdutoriamente, que as preocupações com a gestão dos títulos de crédito em nosso país começaram por volta da década de setenta. A tese que o Banco do Brasil levou ao XI Congresso Nacional de Bancos, em 1975, no Rio de Janeiro, intitulada ‘Cobrança Direta’, assinalava:

‘Área crítica dos serviços executados pelos bancos comerciais, a cobrança de títulos ameaça sufocar o Sistema sob toneladas desses papéis, de volume sempre crescente em face do expressivo desenvolvimento econômico nacional, de uma indústria mais dinâmica e produtiva e de um comércio mais agressivo’.

Registrava-se, à época, que no ano de 1971 o Banco do Brasil cobrara 18 milhões de títulos, cifra essa que pularia, em 1974, para 27 milhões.

Trabalhávamos, então, na Associação dos Bancos no Estado de São Paulo e cuidamos de acompanhar a forma pela qual as preocupações com o aprimoramento de gestão bancária dos títulos de crédito vinham se desenvolvendo.

Aos 5 de fevereiro de 1979, referida entidade editou uma Circular acerca da Cobrança de Títulos de Crédito com o propósito simultâneo de estudar a racionalização e a padronização dos procedimentos existentes nos bancos comerciais e, igualmente, estudar a viabilidade de implantação no Brasil dos

97 Lei 5.474/68, art. 23.

sistemas informatizados e já utilizados com êxito no exterior, analisando-a tanto sob o ponto de vista técnico quanto no que se refere à sua problemática jurídica.

As respostas enviadas pelos bancos à referida Circular não deixavam margens a dúvidas. O acúmulo de títulos cambiariformes – causado, no caso, pelas nossas duplicatas mercantis – e a demora no fluxo dos documentos estavam a indicar que se deveria buscar solução semelhante à que, anos antes, já havia sido adotada na França.

Depois de estudos e discussões a respeito da matéria, concluiu-se pela criação da chamada duplicata escritural, plasmada, de certo modo, à imagem e semelhança da Lettre de Chenge-Relevé. (...)”.

Fazemos referência, por fim, a acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, que tem a função constitucional de harmonizar a interpretação da legislação infra-constitucional, ressaltando desde logo que, no mesmo diapasão das decisões já referidas, também não enfrentaram a questão aqui discutida.

No Recurso Especial nº 40.078-RS, tendo como relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu dispensável a apresentação dos originais das duplic atas nos autos da execução, na hipótese de retenção dos títulos. Este o trecho da ementa, no que interessa ao tema:

“(...) III – Em tese, a falta dos originais das duplicatas nos autos da execução não constitui vício passível de impugnação em exceção de pré-executividade, tendo em vista que os mesmos podem ser dispensados na hipótese de retenção dos títulos, atendidos os demais requisitos previstos em lei”.

Ou seja, no caso concreto houve a emissão do título, da cártula, apenas ficou retido em poder do devedor/sacado, razão pela qual o Tribunal entendeu

desnecessária a apresentação dos originais. O julgado, assim como os demais citados, não se presta para equacionar o problema proposto.

No Agravo em Recurso Especial nº 294.826- MG, o Ministro Eduardo Ribeiro, Relator, procedeu à seguinte decisão, publicada no DJ de 10.08.2000:

“Não se defere pedido cautelar de sustação de protesto de duplicata, se presentes, através da prova reduzida, indícios suficientes da existência de efetiva transação mercantil entre os litigantes. A apresentação de alegações inverídicas e infundadas, objetivando sustar protesto de duplicata sacada em razão de comprovado negócio mercantil caracterizam litigância de má-fé. A recorrente aponta, além de dissídio, violação aos arts. 6º, 7º, 8º e 12 da Lei 5.474/68. Alega que a recorrida não cumpriu as exigências dos dispositivos, ao deixar de provar o recebimento da mercadoria e que remeteu a duplicata para aceite. Salienta que nem mesmo se apresentou o título em discussão. O recurso não merece prosperar. O aresto afirma que os documentos trazidos comprovam a existência do título e do negócio jurídico. Chegar à conclusão diversa implica necessariamente reexame de provas, o que é vedado pela Súmula 07 desta Corte. No que se refere à remessa da duplicata para aceite, não houve discussão sobre o tema, pelo que carece do indispensável prequestionamento. Nego provimento ao agravo”. Grifamos.

Note-se que no caso supra, não fosse questão de natureza processual – ausência de prequestionamento -, o Tribunal pudesse ter enfrentado questão importante para o presente debate, o não envio do título para aceite, como alegou o recorrente.

Ainda do Superior Tribunal de Justiça, o Recurso Especial nº 58075-SP, relator o Ministro Barros Monteiro, no qual a 4º Turma decidiu que “Os ‘borderôs de

desconto de duplicatas’ (relação de títulos que a emitente-cedente leva ao banco para desconto), ainda que acompanhado dos protocolos de remessa dos documentos para aceite, não constituem títulos de crédito hábeis a embasar o ajuizamento da execução” (RSTJ 116/255).

Como se pode perceber e não obstante uma prática consolidada no mercado financeiro já de muitos anos, o fato ainda é desconhecido pelos tribunais, e mesmo que viesse a ser conhecido, o nosso convencimento pessoal, por razões mesmo de ordem subjetiva, não é otimista. Por isso, continuamos a acreditar na necessidade de criação legislativa para confirmar as inovações promovidas pela tecnologia no mundo jurídico, no caso em apreço, nos títulos de crédito.

No documento Título de crédito eletrônico (páginas 114-126)