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O documento tradicional e o documento eletrônico: validade jurídica.

No documento Título de crédito eletrônico (páginas 91-99)

3. A INFORMÁTICA E O DIREITO CAMBIÁRIO

3.5. O documento tradicional e o documento eletrônico: validade jurídica.

Como se procurou demonstrar ao longo da exposição, os documentos eletrônicos são uma realidade entre nós, mas a legislação ainda não se oc upou convenientemente desses aspectos da vida fática.

Dentre os documentos eletrônicos já efetivamente em uso, e no que interessa ao presente trabalho (títulos de crédito), encontra-se a duplicata escritural, como sendo aquela que independe do suporte físico para a sua existência, admitindo a transmissão por qualquer meio eletrônico, magnético ou afins. Poder-se-ia, ainda, cogitar dos sofisticados meios de pagamento utilizados pela rede bancária, como o cheque eletrônico, que sensibiliza a conta-corrente do emitente, através do uso de cartão, sem a necessidade de utilização da cártula (a folha de cheque).

Embora se possa utilizar o recurso da analogia, não é possível estender a esses documentos o endosso, instituto típico de direito cambiário que, na atual conformação legislativa, não dispensa a existência física do título (cártula). Há necessidade de criação de leis a respeito do assunto, a fim de se permitir o endosso também eletrônico nos títulos cambiários ou cambiariformes (existem, já, disposições a respeito de ações, títulos escriturados no SELIC e no CETIP, mas que não alcançam os demais títulos de crédito).

Porém, a falta de norma a respeito não pode constituir empecilho a implementação de tais mecanismos eletrônicos (endosso, por exemplo), haja vista que a incidência de princípios como da autonomia da vontade, boa-fé, obrigatoriedade dos contratos, usos e costumes, faculta às partes a liberdade para pactuar as condições do negócio, estabelecendo, via contratual, os mesmos efeitos que produziriam as obrigações pactuadas no documento-papel.

Nos anos 80, o computador era visto pela ciência jurídica como uma máquina qualquer, protegidos o hardware e o software pela legislação referente à propriedade intelectual. Até então, os litígios envolvendo computador e seus acessórios resumiam -se a causas de direito de patentes e autorais.

Contudo, é incontestável que as discussões jurídicas referentes à máquina não podem se resumir aos assuntos debatidos na década passada, pois cada vez mais cresce o uso da informática no cotidiano, seja com o advento de caixas eletrônicos nos bancos, seja na substituição das antigas máquinas de

escrever por avançados editores de texto. A Internet é o melhor exemplo dessa afirmação.

Todavia, um meio de comunicação tão fantástico e revolucionário não pode restar subutilizado em virtude de entendimentos arraigados e inflexíveis de antigos dogmas jurídicos. O reconhecimento do uso da Internet, como meio hábil para a realização de atividades comerciais, reconhecidas como válidas e eficazes, é sinal inconteste de sua legitimidade como instrumento de progresso social.

Partindo do conceito tradicional de documento, podemos verificar certa dificuldade inicial em nele abranger o documento eletrônico. Chiovenda73 assim o definiu: “documento, em sentido amplo, é toda representação material destinada a

reproduzir determinada manifestação do pensamento, como uma voz fixada duradouramente”.

Pontes de Miranda74 dizia que “o documento, como meio de prova, é

toda coisa em que se expressa por meio de sinais, o pensamento”.

Para José Frederico Marques75, “documento é a prova histórica real

consistente na representação física de um fato. O elemento de convicção decorre, assim, na prova documental, da representação exterior e concreta do factum probandum em alguma coisa.

73 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. 3, p. 127.

Todas estas lições (inúmeras outras poderiam ser colhidas), que ainda correspondem a uma definição corrente em nossos dias, conceituam o documento como sendo uma coisa, algo material e fisicamente tangível, não se vislumbrando, nestas conceituações, o pensamento que se quis documentar da matéria onde está gravado.

Entretanto, é interessante mencionar que para alguns doutrinadores o documento foi definido como sendo “o escrito” e não como “a coisa”. Assim, Jorge Americano76, após reproduzir a definição de Chiovenda, atribuindo-a para documento em sentido lato, afirmava que “em sentido restrito, é qualquer escrito ulizável como

prova do ato ou fato jurídico”.

Gabriel Rezende Filho77 ensinava que “instrumento público é o escrito

lavrado por oficial público, segundo suas atribuições e com as formalidades legais”,

enquanto “instrumento particular é o escrito emanado do interessado ou

interessados, sem a intervenção do oficial público”.

Na visão de Augusto Tavares Rosa Marcacini78, “um conceito atual de

documento, para abranger também o documento eletrônico, deve privilegiar o pensamento ou fato que se quer perpetuar e não a coisa em que estes se materializam. Isto porque o documento eletrônico é totalmente dissoc iado do meio

75 José FREDERICO MARQUES, Manual de Direito Processual Civil, vol. 2, p. 203. 76 JORGE AMERICANO, Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil, 1º vol. p. 333. 77 GABRIEL REZENDE FILHO, Curso de Direito Processual Civil, vol. II, p. 245.

78 AUTUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, O documento eletrônico como meio de prova, disponível em

em que foi originalmente armazenado. Um texto, gravado inicialmente no disco rídigo do computador do seu criador, não está preso a ele. Assumindo a forma de uma seqüência de bits, o documento eletrônico não é outra coisa que não a seqüência mesma, independentemente do meio onde foi gravado. Assim, o arquivo eletrônico em que está este texto poderá ser transferido para outros meios, sejam disquetes, CDs, ou discos rígidos de outros computadores, mas o documento eletrônico continuará sendo o mesm o”.

A validade do documento eletrônico em si não deveria ser questionada, afinal, se o contrato verbal é admitido em nosso sistema desde 1916, com o advento do Código Civil79, com maior razão deverá ser considerado válido um contrato realizado em meio eletrônico.

Seja como for, no Brasil, alguns projetos de lei começam a tratar do assunto, sendo que um deles traz uma definição do que venha a ser documento eletrônico. O Projeto de Lei nº 2.644/1996, que tramita na Câmara dos Deputados, diz o seguinte em seu artigo 1º:

“Considera-se documento eletrônico, para efeitos desta Lei, todo documento, público ou particular, originado por processamento eletrônico de dados e armazenamento em meio magnético, optomagnético, eletrônico ou similar”.

79 Código Civil Brasileiro, Lei 3.071, de 1916, art. 1.079: “A manifestação da vontade, nos contratos, pode ser

A grande discussão na doutrina está relacionada à eficácia probatória do documento eletrônico, já que se faz necessária a apresentação do documento para se exigir, por exemplo, um direito de crédito, tendo em vista o princípio da cartularidade.

O mestre Carnelutti80, em obra sobre a prova civil, denomina documento como “uma coisa representativa de um fato”. Tendo em vista que o documento é uma coisa representativa, chega-se à conclusão de que ele não existe no estado natural, e sim que é produto da atividade humana.

A definição mais clássica e geral de documento é a coisa representativa, isto é, aquela capaz de representar um fato. Se documento é a representação de um fato, ou a coisa que representa um fato, então documento eletrônico seria o arquivo eletrônico capaz de representar um fato através do tempo e do espaço.

O vocábulo prova é plurissignificativo, tanto na linguagem popular quanto na científica. Em geral, por prova entende-se tudo aquilo que é capaz de demonstrar a veracidade ou autenticidade de algo. Não se fala de prova senão a respeito de algo que venha afirmado, para provar-lhe exatidão. Na ciência é tudo aquilo que dá base de sustentação a uma dada afirmação científica e que pode ser repetida por qualquer outro cientista, para que alcance o mesmo resultado afirmado, desde que realizado nos mesmos termos.

No Direito, podemos dizer que o termo também é plurissignificativo, abrangendo tanto a atividade procedimental com o fim de ministrar ao juízo os elementos de convicção acerca da veracidade ou verossimilhança dos fatos jurídicos alegados em um dado processo, quanto o resultado desta atividade mesma.

José Frederico Marques diz que prova é o elemento instrumental para que as partes influam na convicção do juiz sobre os fatos que afirmaram como base de sustentação de suas pretensões, e o meio de que se serve o magistrado para averiguar a respeito dos fatos em que os titulares dos interesses em conflito fundam as suas alegações.

Para Pontes de Miranda, meio de prova é a fonte probante, o meio pelo qual o juiz recebe os elementos ou motivos de prova. Já elementos ou motivos de provas seriam informes sobre os fatos, ou julgamentos sobre eles, que derivariam daqueles meios; e a atividade para entregar ao juiz os meios de prova seria a produção da prova.

Prova é a representação de um fato. Destarte, por prova entendemos as afirmações ou representações que, apresentadas, após análise cognitiva, são capazes de alterar a convicção do órgão julgador acerca dos fatos controversos ou não suficientemente esclarecidos.

Harmonizando o princípio do livre convencimento motivado, insculpido na redação do art. 131 do Código de Processo Civil, com o da liberdade probatória, temos:

Art. 332 do Código de Processo Civil: “Todos os meios legais, bem como moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa”.

Os arquivos eletrônicos não são indissociáveis do meio físico em que se encontram. A posição dos que defendem o contrário desta afirmativa é fruto da tendência que os novos doutrinadores têm de achar que tudo que é eletrônico é virtual. Mas na língua portuguesa, ‘virtual’, segundo o dicionário Aurélio, é tudo aquilo que existe como faculdade, porém sem exercício ou efeito atual; ou ainda, potencial. O vocábulo não tem o caráter antinômico com ‘realidade’ como querem fazer crer os gurus do ‘novo mundo virtual’. Não existe nada mais material ou real que um arquivo eletrônico. Mesmo quando existe apenas na memória RAM o documento ainda assim é uma coisa, o resultado de um processo físico-químico que em uma operação lógica, traduzindo uma infinidade de zeros e uns, a linguagem binária, resulta no documento eletrônico. Não é a dependência do computador para existir que torna o documento eletrônico menos documento.

No documento Título de crédito eletrônico (páginas 91-99)