• Nenhum resultado encontrado

PARTE I: O SUJEITO, A CONDIÇÃO HUMANA E O

3. A CONDIÇÃO HUMANA E A VITA ACTIVA

3.3 A AÇÃO: O SINGULAR E O PLURAL

A ação corresponde a “condição humana da pluralidade”, ou seja, a única tarefa que é exercida diretamente entre os homens e sem mediação das coisas ou da matéria, e ao fato de que os homens vivem na terra e habitam o mesmo mundo. A partir desta pluralidade, fato de sermos todos humanos sem que ninguém seja exatamente igual, compreende-se a relação da política como inerente à condição humana da ação.

A ação é a característica do "Homem" na condição de "Homem", característica esta que tem o poder de fazer com que ele se integre à esfera pública, de fazer com que ele revele quem ele é e inicie novos processos, ilimitados e potencialmente eternos. O Homem enquanto age deixa de ser escravo das necessidades, deixando para trás o trabalho e a obra, para finalmente ser livre. Agindo o Homem desvincula-se do reino doméstico, o oikos e entra na polis, no espaço político. A própria ação é a liberdade, e por conseqüência só se é livre no espaço público. Com a crescente apolitização ou o modo apolítico de vida dos homens têm-se reduzido o espaço público, reduzida a ação, correndo-se o risco de um caminhar à escravidão maior, fazendo com que o animallaborans finalmente predomine por completo sobre o zoonpolitikon. Para Arendt, a ação política é sinônima de liberdade. Não é domínio, e não se baseia na distinção entre governantes e governados e nem é mera violência, mas ação em comum acordo, ação em conjunto, sendo reflexo da condição plural do homem e fim em si mesma.

Dessa forma, a política, tal como Arendt a entende, como criação do novo, do inesperado, como ação plural, resultado do amor ao mundo e não como violência, não somente se apresenta como uma alternativa, como algo realizável inerente à condição humana, mas também representa uma necessidade, pois é condição para a constituição do

indivíduo e da comunidade. A perda da concepção política de liberdade, do entendimento de que a liberdade não pode ser obtida na solidão e que não se resume ao “quero”, mas que também necessita do “posso”, pode- se dizer que liberdade não significa fazer o que se deseja, não significa soberania, pois só se é livre perante outros que também o sejam (ARENDT, 2007 e TORRES, 2007).

A distinção singular entre animallaborans e o zoonpolitikon vem à tona no discurso e na ação. Através deles, os homens podem distinguir-se, ao invés de permanecerem apenas diferentes, pois a ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas enquanto homens. Esta manifestação, em contraposição à mera existência corpórea, depende da iniciativa da qual nenhum ser humano pode abster-se sem deixar de ser humano. Isso não ocorre com nenhuma outra condição da vitaactiva (ARENDT, 2010).

Arendt afirma que é com palavras e atos que nos inserimos no mundo. A ação é o segundo nascimento, a efetivação da condição humana da natalidade, afirmando o fato de nosso aparecimento físico que não nos é imposta pela necessidade como o trabalho e nem desencadeada pela utilidade como a obra.O discurso por sua vez corresponde à efetivação da condição humana da pluralidade, ao fato da distinção entre iguais.

Ao agir e falar os homens mostram quem são, se revelam uns aos outros. Somente a partir do discurso e da palavra falada é que suas ações ganham sentido ou significado em relação a alguma realidade objetiva mundana no “espaço entre” os grupos e pessoas, desvelando o sujeito que atua e fala configurando a “teia” de relações humanas. Embora a ação possa ser considerada como tradução de liberdade, da capacidade humana de instaurar novidade no mundo, contraditoriamente em nenhuma outra situação as pessoas são menos livres do que nessa teia de relações influenciadas pela política, pelo poder e o espaço das aparências que potencialmente existem, mas não necessariamente para sempre.

A ação atua sobre os seres capazes de realizar suas próprias ações e implica em reações, que além de serem respostas as suas próprias ações também afetam aos outros de modo ilimitado e imprevisível. A ilimitabilidade da ação é apenas o outro lado de sua capacidade de estabelecer relações podendo romper limites e transpor fronteiras de forma que toda ação se converte em reação em cadeia, e na qual todo processo é causa de novos processos. A imprevisibilidade do resultado da ação vai além da impossibilidade de predizer as consequencias de

determinado ato, estando também relacionada ao caráter revelador da ação e do discurso, nos quais alguém se revela a outro e somente pode ser identificado de fato por este outro.

Ao longo da história tanto os homens de ação quanto os pensadores sempre estiveram em busca de substituir a ação na esperança de que seu domínio pudesse escapar da acidentalidade e da irresponsabilidade moral inerente a pluralidade dos agentes. A frustração da imprevisibilidade dos resultados, da irreversibilidade do processo e o anonimato dos autores das ações compõem os três aspectos que fragilizam a ação e extraem sua própria força.

A substituição da ação pela fabricação na idade moderna é a constatação da fragilidade da ação e do discurso, principalmente da política, onde a ação passa a ser uma mera execução de ordens. Ocorre aqui a transformação da ação em uma modalidade de fabricação e a concomitante degradação da política como um meio efetivo para atingir as coisas, de sorte que a incerteza mais que a fragilidade passa a ser o caráter decisivo dos assuntos humanos.

Devido à complexidade do assunto acerca da Condição Humana apresentada por Hannah Arendt, foi elaborado um quadro resumo sobre o tema como forma de facilitar a leitura horizontal das peculiaridades da Vita Activa, o trabalho da obra e da ação apresentados no Quadro 01 abaixo.

Vita Activa

Trabalho Obra Ação

Privado Privado Público

Vida Materialidade Pluralidade,

Discurso – distinção entre iguais

Terra Viola a natureza

Matéria transformada

Age para ser livre Nascimento-morte

(Vida biológica com seus ciclos e necessidades, trabalhando para suprir as demandas corporais de processo vital). Fabricação Instrumentos e ferramentas. Desencadear o novo, Segundo nascimento – efetivação da condição humana da natalidadade.

Liberdade Bens de consumo Consumo A durabilidade e a objetivação são resultados da fabricação, Artificialidade das coisas duráveis, Relativa durabilidade, Objetos de uso que em uso adequado não causam seu desaparecimento, Objetos destinados ao uso, Propriedade, Valor, A durabilidade não é absoluta, O uso desgasta a durabilidade.

Entre os homens sem mediação das coisas, Fim em si mesmo.

Nutre o processo vital Artificialismo humano Teia de relações humanas Trabalho improdutivo Coisas de curta duração Trabalho produtivo Utilitarismo Possibilidade de revelação e constituição da identidade pessoal O “corpo se mistura

com” A “mão que opera em”

Estar junto com os outros

Repetição Multiplicação

Estabilidade e solidez

Homem na condição de homem

Animal laborans Homo faber Zoonpolitikon

Sobrevivência da espécie

Permanência da vida mortal

Quem ele é O uso e o consumo se justapõem no trabalho e

na obra