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PARTE I: O SUJEITO, A CONDIÇÃO HUMANA E O

4. O CUIDADO DE SI

4.3 A HISTÓRIA DO CUIDADO DE SI

4.3.1 O cuidado de si no período clássico

No Período Clássico a temática do cuidado de si foi consagrada por Sócrates (469–399 a. C.), que colocou a problemática do cuidado de si no centro de suas reflexões provocando posteriormente uma verdadeira cultura do cuidado de si nos Séculos I e II sendo estes considerados como a idade de ouro do cuidado de si(CASTRO, 2004).

Sócrates tinha a preocupação com o saber, com o homem e o significado da existência humana e buscava o conhecimento através do

diálogo, da ironia e da maiêutica. Por meio de perguntas e respostas ele procurava abrir os olhos das pessoas em relação a si mesmas – costumes pelos quais decretaram a sua morte por “não acreditar nos deuses e corromper a juventude”(CASTRO, 2004).

A Apologia ou a Defesa de Sócrates é centrada na preocupação de Sócrates em examinar e refutar as acusações que pairam sobre ele, retratando sua vida e mostrando o verdadeiro significado de sua missão. Sócrates nesta fase proclama os cidadãos dizendo: “Não tenho outra preocupação senão a de vos persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que cuideis menos de vossos corpos e de vossos bens do que da perfeição de vossas almas...” (AVRELLA, 2008 p. 54).

Encontramos também alusão ao cuidado de si nos principais textos de Platão, em especial em Alcebíades I, apontado como um dos pontos de partida da história do cuidado de si mesmo na antiguidade. Neste texto a problemática do cuidado de si aparece em relação a três questões: a política, a pedagogia e o conhecimento de si. Com a pergunta “O que significa ocupar-se consigo?” surge o que poderia denominar-se o momento construtivo do platonismo, ou seja, a subordinação do cuidado ao conhecimento e o entrelaçamento das práticas de cuidado e o conhecimento (CASTRO, 2004; PLATÃO, sd). Em vários trechos do diálogo de Alcebíades estão descritas sentenças como: “é preciso que te ocupes contigo mesmo, que não te esqueças de ti mesmo, que tenhas cuidado contigo mesmo” (PLATÃO, sd).

No Banquete, que trata do amor (Eros) como desejo de beleza, de imortalidade, de sabedoria como processo de elevação da alma em busca da perfeição. Na República – A Alegoria da Caverna, Platão formula seu modelo ideal de cidade e investiga o conhecimento da justiça e do próprio conhecimento. Platão explica o processo pelo qual o indivíduo passa ao se afastar do mundo do senso comum e da opinião em busca do saber e da visão do Bem e da Verdade. A partir desta visão os prisioneiros tornam-se sábios e passam a ter a tarefa político-pedagógica de indicar a seus antigos companheiros o caminho do conhecimento e da verdade (MARCONDES, 2007).

Ainda no período clássico, Aristóteles descreve no Tratado da Alma – A natureza da Alma a primeira investigação sistemática de questões sobre a natureza da alma (psyché). Aponta que o conhecimento da alma deve ser considerado de grande valia para o entendimento mais completo da verdade e especialmente da natureza humana (MARCONDES, 2007).

O cuidado de si também é identificado no pensamento epicurista que ensina uma modalidade de prazer que não se confunde com a

disciplina masoquista. Na concepção de Epicuro, a felicidade é decorrência do prazer; de um prazer que nasce da saúde do corpo e da serenidade do Espírito. Este estado de alma é atingido, segundo seus ensinamentos, pelo conhecimento e controle dos desejos, dentre outras posturas diante da vida. A sua Carta sobre a felicidade, dirigida a um de seus mais fiéis discípulos - Meneceu, deixa bem clara a sua concepção de prazer, simultaneamente físico, intelectual, estético e espiritual:

“Consideremos também que, dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo” (EPICURO, 1997; p.10).

Epiteto, diferente dos filósofos estóicos que tinham como ponto de partida o estudo da natureza, defendia a liberdade humana enquanto liberdade de pensamento, onde a sabedoria e a felicidade estariam na aceitação da ordem natural das coisas tais como são e como foram criadas por Deus. Para Epiteto a liberdade restringia-se ao pensamento (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001).

Ainda no período clássico, o ceticismo surge e é caracterizado como a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza a respeito da verdade, inclusive a verdade sobre si, até então vista como sustentação para o cuidado de si, o que implica uma condição intelectual de dúvida permanente e na admissão da incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade. Dividido na corrente filosófica e científica, tem na primeira uma postura em que as pessoas escolhem examinar de forma crítica se o conhecimento e a percepção que possuem são realmente verdadeiros, e se alguém pode ou não dizer se possui o conhecimento verdadeiro. A corrente científica adota, como refere o nome, uma postura científica e prática, em que alguém questiona a veracidade de uma alegação e procura prová-la ou desaprová-la usando o método científico (SMITH, 2000; DUTRA, 2005).

A escola estóica fundada no séc. III a.C. por Zenão de Cítio ao lado do aristotelismo foi a doutrina que maior influência exerceu na história do pensamento ocidental integrando doutrinas modernas e contemporâneas. Assim como o epicurismo e o estoicismo, o epicurismo compartilhava da idéia da supremacia da moral sobre as teorias e o conceito da filosofia como vida contemplativa acima das ocupações, das preocupações e das emoções da vida comum. Entre os principais fundamentos do ensinamento estóico estão a divisão da filosofia em lógica, física e ética; a concepção da lógica como dialética ou o raciocínio hipotético; e o conceito de uma Razão divina que rege o mundo e todas as coisas segundo uma ordem necessária e perfeita (ABBAGNANO, 2003).