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2.2 O CONTEXTO HISTÓRICO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

2.2.2 A abordagem burocrática

Este bloco trata da abordagem burocrática em sua forma teórica e nas configurações práticas que adquiriu na administração pública brasileira a partir dos anos Vargas.

Com a tomada do poder pelo grupo de Getúlio Vargas em 1930, teve início uma primeira tentativa de transformar a administração pública brasileira que era, até então, marcadamente patrimonialista. Essa tentativa − que pode ser enquadrada nos moldes weberianos46 − estava "inspirada nas melhores fontes disponíveis à época" (BRESSER- PEREIRA, 1998, p. 164).

O entendimento da necessidade de mudanças na administração pública, sobretudo no âmbito federal, conduziu o governo Vargas a propor uma Reforma do aparelho do Estado. Nesse sentido, Vargas encarregou Luís Simões Lopes e Maurício Nabuco para desenvolver um primeiro estudo acerca da reforma na administração pública (BRESSER-PEREIRA, 1998). Como resultado desse estudo, surgiu uma proposta inspirada no serviço público britânico, que tinha, em linhas gerais, as seguintes características: critérios profissionais para o ingresso no serviço público; desenvolvimento de carreiras e regras de promoção baseadas no mérito (MARTINS, 1997).

Essas características, que poderiam ser classificadas como princípios para burocracia weberiana, representavam grande avanço para a administração pública brasileira, na qual o acesso, até então, ocorria por critérios políticos de favoritismo. Contudo, a sua implementação encontrou grandes barreiras na herança política patrimonialista.

46 Por moldes weberianos entende-se o tipo puro de dominação legal: a burocracia perfeita descrita no conjunto

Em 1936, foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), que tinha como premissa a formação de servidores públicos com fundamento em mérito profissional. Para Bresser-Pereira (1998, p. 164) "a criação do DASP representou a afirmação dos princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica." Ainda, segundo esse autor (1998, p. 165):

As principais áreas objeto da reforma burocrática foram: a administração de pessoal (com o sistema de mérito fundamentando a reforma); o orçamento e a administração orçamentária (concepção do orçamento como um plano de administração); a administração de material (especialmente sua simplificação e padronização); e a revisão de estruturas e racionalização de métodos.

Na atuação do DASP, destacaram-se, principalmente, o esforço modernizador e a realização de investimentos para o aperfeiçoamento de servidores públicos. Apesar do empenho do DASP em erradicar um modelo fortemente patrimonialista, que tinha na tutela do coronelismo seu maior baluarte, surgiram no cenário da administração pública brasileira novas práticas políticas, tais como o "fisiologismo" e o "empreguismo". As pressões dos políticos que mantinham uma extensa rede sustentada pela manipulação e pela distribuição de cargos e benefícios públicos trouxeram dificuldades para que o DASP superasse o modelo patrimonialista. Essa primeira reforma administrativa ocorrida no Brasil, promovida pelo DASP, foi meramente instrumental já que transplantou princípios administrativos universais de organização, tais como a burocracia ortodoxa, para dentro de um regime ditatorial − o de Getúlio Vargas (SEGES, 2003).

Após a deposição de Vargas em 1945, "a reforma administrativa seria conduzida como uma ação governamental rotineira e sem importância, enquanto práticas clientelistas ganhavam novo alento dentro do Estado brasileiro" (BRESSER-PEREIRA, 1998, p. 166).

Para Martins (1997), os esforços de reforma na administração pública empreendidos no período geraram um padrão dual: de um lado, formou-se uma elite burocrática altamente

qualificada, nos primeiros escalões da administração federal, e, de outro, uma maioria de funcionários públicos despreparados muito suscetíveis às manipulações clientelistas e eleitoreiras, na base da pirâmide. Dessa maneira, os servidores públicos responsáveis pela gestão do cotidiano, das demandas mais imediatas do cidadão, ficaram à margem da profissionalização que atingiu os altos escalões da burocracia estatal. Parece que essa dualidade ainda permanece na cena da administração pública brasileira, demonstrando-se ainda mais visível na esfera da administração pública municipal.

Apesar da resistência que recebeu por parte dos interesses ligados ao clientelismo, a tentativa getulista de implantar um modelo racionalista na administração pública brasileira introduziu alguns elementos de uma proposta burocrática que, naquele momento histórico, representou um avanço (BRESSER-PEREIRA, 1998). Todavia, a administração pública burocrática aculturou-se no Brasil, adquirindo características próprias.

Segundo a ENAP (2002), essa burocracia “à brasileira” resultou, no exercício das atividades de administração pública, por um quadro administrativo composto por funcionários que obedecem somente às obrigações do seu cargo, têm competências funcionais fixas e estão submetidos a um sistema homogêneo de disciplina e de controle de serviço. Esses aspectos da burocracia no Brasil alimentaram a percepção corrente no senso comum de emperramento e desconfiança em relação ao serviço e ao servidor público.

Apesar dos esforços do DASP, a burocracia estatal, particularmente nos baixos escalões, assumiu como regra disfunções caracterizadas pela baixa produtividade e pelo excesso e má distribuição dos servidores no serviço público. (MARTINS, 1997).

Quanto aos altos escalões de servidores públicos da união, uma vez que a eles eram atribuídas as atividades de planejamento nacional, percebiam a si como atores principais do processo de desenvolvimento do país. Entretanto, mesmo com a alta performance dessas elites burocráticas − uma das mais profissionais da América Latina − a reforma da

administração pública, no período getulista, descambou para uma rigidez de procedimentos e controles.

Como decorrência dessas disfunções do modelo burocrático, o comportamento dos funcionários orientava-se pelo excessivo formalismo e ritualismo, privilegiando os procedimentos operacionais, e a estrutura hierárquica que se mostravam ineficientes, devido à sua rigidez e a sua verticalidade (ENAP, 2002).

Segundo Pacheco (2002b, p. 3), "a literatura brasileira sobre a administração pública, historicamente, tem sido marcada pela defesa da burocracia weberiana como solução para os problemas administrativos do país." No entanto, o modelo burocrático, além de não conseguir superar de todo o patrimonialismo, tornou a burocracia um fim em si mesma. Observa-se que essas disfunções não são prerrogativa exclusiva do Brasil, mas aqui assumiram vida própria, já que foram miscigenadas à cultura política nacional patrimonialista, gerando novas, expressivas e permanentes disfunções.

Criticar a burocracia não significa deixar de admitir que ela representou um avanço em relação ao patrimonialismo e que ainda continua tendo contribuições importantes para a administração pública brasileira. Entretanto, busca-se compreender, a seguir, os desdobramentos do modelo burocrático e suas disfunções, para contextualizar as práticas adotadas na administração pública no Brasil.

É difícil encontrar unanimidade em torno da origem do termo burocracia. Para Heady (1970), o termo bureaucratie foi usado primeiramente na França, no século XVIII, em referência ao funcionamento do governo, e depois, na Alemanha, como bürokratie. No entanto, sua introdução na academia ocorreu por meio do cientista social Max Weber (1864- 1920), cuja conceituação continua suscitando estudos e pesquisas.

Weber (1991) entende a burocracia como uma forma de dominação e conceitua dominação como a possibilidade de encontrar obediência, cujas bases de legitimidade são: a)

a dominação legal; b) a dominação tradicional e dominação carismática. Este estudo se restringe a examinar a compreensão de Weber acerca da dominação legal em seu tipo mais puro (a burocracia) e, particularmente, a recepção desses pressupostos no cenário de administração pública brasileira.

Em uma burocracia, "obedece-se não à pessoa [...], mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer" (WEBER, 1991, p.129). Essa impessoalidade na obediência ao estatuto se fundamenta no princípio de igualdade perante a lei e visa à preservação da ação de qualquer subjetivismo, favoritismo ou particularismo. Para Weber (1991), os que ordenam e os que obedecem estão submetidos a uma lei ou a uma norma com um fim em si mesma. A legitimação dessa obediência acontece porque assim determina o estatuto que garante a um superior o poder de mando. A base de legitimação desse tipo de dominação é absolutamente formal e abstrata, o que pode acarretar inúmeras disfunções.

Segundo Merton (1968, p. 271), num clássico estudo sobre as disfunções da burocracia:

A formalidade é expressa por meio de um ritual social mais ou menos complicado [...]. Tal formalidade [...] serve para reduzir ao mínimo a fricção, mediante a contenção, em larga escala, dos contatos oficiais dentro dos moldes previamente definidos pelas regras da organização.

A delimitação da ação do funcionário ocorre pela competência e pela formação profissional que originam um contrato de trabalho e "pagamento fixo, graduado segundo a hierarquia do cargo e não segundo o volume de trabalho” (MERTON, 1968, p. 271). Ao funcionário cabe executar as funções estritamente relativas ao seu cargo, sem qualquer interferência de interesses pessoais, e o contrato de trabalho se rege por uma profunda disciplina e obediência aos regulamentos.

Esse racionalismo burocrático tem como fim último a autopreservação e não admite comportamentos desviantes. Segundo Weber (1991), em uma burocracia perfeita, as vontades individuais não só não devem ser expressas, como também se apresentam nocivas à manutenção do status quo da organização e do capitalismo.47

Se, para Weber (1991), burocracia é sinônimo de organização e de eficiência, para o senso comum, ela se relaciona com emperramento e papelada e carrega um sentido pejorativo. Esse fator cristalizou, no imaginário popular, uma mentalidade avessa aos procedimentos burocráticos. Dada essa discrepância48 entre o conceito acadêmico de burocracia e aquele percebido pelo senso comum, cabe, aqui, uma tentativa de conceituação do que seja burocracia. A formulação teórica mais básica é aquela que considera a organização burocrática como se "compondo de uma hierarquia de autoridade altamente elaborada, sobreposta a uma divisão do trabalho também altamente elaborada" (HEADY, 1970, p. 37).

Esses dois aspectos, hierarquia e divisão do trabalho, são características essenciais a um processo burocrático porque visam garantir a eficiência do serviço público. Além desses elementos, é possível perceber a burocracia do ponto de vista comportamental e ou como estrutura.

Do ponto de vista comportamental, a burocracia se manifesta por meio de traços característicos, tais como a objetividade, a eficiência e a coerência. Nesse aspecto, a burocracia tenderia a comportamentos profissionais, ao invés de pessoais, imbuídos de uma profunda racionalidade. No entanto, o modelo burocrático não é um bem em si mesmo e pode produzir disfunções especialmente nocivas ao serviço público. Para Merton (1968, p. 275), a "estrutura burocrática exerce uma pressão constante sobre o funcionário, para que ele seja metódico, prudente, disciplinado.” Dessa maneira, o comportamento do funcionário dentro de

47 Essa relação da dominação legal, por intermédio da burocracia, com o capitalismo é apontada como central

por Weber (1991), pois, por meio dela, o capitalismo conseguiu um estágio de organização racional sem precedentes.

48 Discrepância, segundo Mager e Pipe (2001), consiste na diferença percebida entre o que é de fato e o que

uma burocracia vai sendo moldado de forma a condizer com a preservação do modelo, já que, para esse autor (1968) a eficácia da estrutura depende de infundir nos participantes do grupo, atitudes e sentimentos apropriados à legitimação do modelo.

A partir da leitura de Weber (1991), compreende-se que legitimar significa reconhecer como autêntico o poder da burocracia. Portanto, pode-se inferir que a burocracia é legitimada pela ampla adesão social aos seus postulados. Nesse sentido, a obediência à norma torna-se um fim em si mesma, levando o servidor público a internalizá-la e adotá-la como imutável e verdadeira, colocando-a em prática de forma disciplinada. Essa disciplina do servidor é vista como valor pela organização burocrática e resulta em excessivo formalismo49 e ritualismo, observados em muitas organizações privadas e públicas (MERTON, 1968).

Nesse contexto, Merton (1968) vale-se de uma expressão de Veblen e caracteriza a disfunção burocrática como "incapacidade treinada". Trata-se de uma inadequação de orientação, que acomete o servidor público, advinda do próprio modelo burocrático. Essa disfunção é descrita por Merton (1968, p. 277) da seguinte maneira:

(1) Uma burocracia eficiente exige confiança de reação e estrita devoção aos regulamentos. (2) Tal devoção às regras conduz à sua transformação em absolutas; já não são concebidas como relativas a um conjunto de propósitos. (3) Isto interfere com a adaptação rápida, sob condições especiais não claramente visualizadas por aqueles que lançaram as regras gerais. (4) Assim, os mesmos elementos que favorecem a eficiência em geral, produzem ineficiência em casos específicos.

O processo descrito por Merton leva à percepção de que o modelo burocrático condiciona o servidor público a uma visão estreita de sua função pública, pois não só o amarra a regras percebidas como imutáveis, como também não lhe permite visualizar o contexto em sua totalidade, de maneira que possa vir a questioná-lo. Essa situação em que é lançado o funcionário público o conduz a uma incapacidade de responder adequadamente às demandas

49 Guerreiro Ramos sugere regras que são utilizadas pelo formalismo: “evite dizer a palavra não; em vez disso,

use “mais ou menos”, “é difícil”, “pode ser”; bata nos ombros de todo mundo e abrace cordialmente as pessoas que encontrar chamando-as de “meu filho”, independentemente de sua idade” (GUERREIRO RAMOS, 1966, p. 343).

do cidadão. Espera-se desse funcionário que se adapte e que se conforme aos propósitos da organização burocrática. Ocorre, então, uma inversão: os meios se tornam fim, e as regras e regulamentos passam a ter valor absoluto.

Outra disfunção provocada pelo modelo burocrático apontada por Merton (1968) é a do corporativismo. Como há uma baixa competição devido à estrutura hierarquizada e ao progresso funcional mediante antigüidade, o espírito de corpo é reforçado no funcionalismo público, produzindo uma defesa grupal de seus interesses. Esse corporativismo se acentua na disputa entre o técnico e o político, chegando, até mesmo, à sabotagem de informações, quando o funcionalismo vê seus interesses ameaçados pelas ações dos agentes políticos.

Essas discrepâncias do modelo burocrático traçadas por Merton provocam, freqüentemente, descontentamento por parte do cidadão com o serviço público. Até elementos vistos como valor da proposta burocrática, por exemplo, a impessoalidade, acabam sendo percebidos pelo senso comum como insensibilidade para com o problema do cidadão ou arrogância do servidor público (MERTON, 1968).

Essas doenças comportamentais se expressariam na forma de rigidez e manutenção do

status quo dos agentes da burocracia. Dessa maneira, a burocracia torna-se um fim em si

mesma e conduz a um distanciamento do corpo burocrático da realidade na qual está inserido e a um crescente descrédito de que o burocrata possa apresentar soluções às demandas sociais. No aspecto estrutural, o funcionamento da burocracia é caracterizado por Weber (1982) da seguinte forma:

1. rege o princípio de áreas de jurisdição fixas e oficiais, ordenadas de acordo com regulamentos, ou seja, por leis ou normas administrativas;

2. as atividades regulares necessárias aos objetivos da estrutura governada burocraticamente são distribuídas de forma fixa como deveres oficiais;

3. a autoridade de dar ordens necessárias à execução desses deveres oficiais se distribui de forma estável, sendo rigorosamente delimitada pelas normas relacionadas com os meios de coerção;

4. tomam-se medidas metódicas para a realização regular e contínua desses deveres e para a execução dos direitos correspondentes; somente as pessoas que têm qualificações previstas por um regulamento geral são empregadas.

Para esse autor (1982, p. 232), outras características se destacam no modelo burocrático: uma rígida hierarquia; a diferenciação ou especialização no exercício do cargo e o treinamento especializado e completo. Essas características são concretizadas por meio do ingresso por concurso, pela clara definição de cargos e pelo investimento na qualificação e especialização do servidor. Esses elementos, em tese, deveriam proporcionar um serviço eficiente e capaz de conferir racionalidade às tarefas administrativas, contudo a prática tem demonstrado que a cristalização de disfunções acarretou o engessamento burocrático.

Segundo Guerreiro Ramos (1983, p. 43), demolir o modelo burocrático, teoricamente, não é tarefa difícil, mas, na prática, a ação se apresenta assaz complexa, visto que a burocracia se baseia "numa socialização repressiva dos participantes da organização" que acarreta altos custos psicológicos. Para o autor (1983, p. 43), "um cuidadoso exame das implicações psíquicas de tal modelo justifica a conclusão de que em grande parte é apenas um requinte da relação senhor-escravo." Nesse sentido, Weber (1991, p. 130) também aponta o caráter opressivo da burocracia para o funcionário, à medida que assinala que o fato da associação a uma organização burocrática ser voluntária (e até mesmo almejada) não "muda o caráter de domínio, posto que a exoneração e a renúncia são igualmente 'livres', o que normalmente submete os dominados às normas [...]".

Guerreiro Ramos (1983, p. 43) denuncia a condição alienante da burocracia e vai além ao enfatizar que "está seguramente demonstrado que as pessoas que melhor se ajustam à

moderna organização são doentes [uma vez que os padrões burocráticos dessas organizações] produzem comportamento patológico." A preocupação do autor se fundamenta na excessiva normatização das rotinas burocráticas que mantêm os funcionários disciplinados e infantilizados, pois apenas cabe a eles repetir procedimentos pré-estabelecidos sob os quais não têm nem controle, nem conhecimento integral.

A esse respeito, observa-se, no cotidiano da administração pública, uma freqüente disfunção burocrática: a departamentalização excessiva que relega ao servidor uma parte, por vezes, incompreensível do todo. Do ponto de vista do cidadão, objeto do serviço público, o atendimento de suas necessidades também é visto de maneira fragmentada e quase sempre desconexa. As relações da burocracia com o cidadão são, na maioria das vezes, problemáticas já que o objetivo primeiro do burocrata é o de preservar o status quo do corpo burocrático, sem atentar para o fim último do serviço público: o atendimento das necessidades do coletivo social.

Como afirma Guerreiro Ramos (1983, p. 45), "a burocracia clássica tem sido um instrumento-chave de que se utiliza a classe média para preservar sua posição privilegiada frente à classe inferior." Essa necessidade de auto-preservação conduz a uma preocupação exagerada com controles e a um desligamento das necessidades reais demandadas pelo cidadão.

Dessa maneira, ao invés de resolver os problemas do cidadão a burocracia acaba por agravá-los. Os mais desfavorecidos economicamente são os maiores prejudicados, pois acabam sendo dependentes e tornados infantis, além de serem obrigados a “aceitar normas e padrões de tratamento que os clientes adultos da classe média conseguem contornar" (GUERREIRO RAMOS, 1983, p. 45).

Martins (2004a) aponta que a burocracia weberiana caracteriza-se essencialmente por ser uma instância fundada exclusivamente na racionalidade funcional. No campo político,

essa racionalidade da burocracia encontra seu contraponto. Se os políticos agem a partir de uma escala de valores, os burocratas são agentes neutros, cuja tarefa é executar, com precisão técnica e imparcialidade, as deliberações que emergem da arena política. Nessa perspectiva, política e administração são separadas, acarretando ações desconexas e controversas entre os agentes políticos e os burocratas (MARTINS, 2004a).

Nesse sentido, Martins (2004a, p. 7) afirma que:

A superação da crise da administração pública não se circunscreve à superação da burocracia enquanto fenômeno social, tampouco à capacidade de mudança exclusivamente no âmbito instrumental da burocracia pública, senão também à sua capacidade de deliberação substantiva, no bojo das relações político-administrativas do Estado.

No cenário brasileiro, desde a tentativa de reforma da administração pública no governo Getúlio Vargas (1954 a 1956), o modelo burocrático passou a ser hegemônico, assumindo as diversas disfunções apontadas. Nos governos que seguiram a Vargas, nenhuma mudança substancial foi realizada nesse quadro.

No governo de Juscelino Kubistcheck (1956 a 1960), ocorreu uma nova tentativa de modernização administrativa que buscava adequar a administração pública aos projetos de desenvolvimento, entendido como crescimento econômico. Esse processo ocorreu por meio da administração paralela e consistia em grupos ou comitês executivos para implementar o Plano de Metas, que foram instituídos de cima para baixo, nascidos da vontade do Presidente da República (SEGES, 2003).

Segundo Martins (1997), com o Estado desenvolvimentista de Juscelino Kubistchek, aumentou ainda mais uma dualidade presente na burocracia brasileira: de um lado, os altos escalões capazes de implementar projetos e metas de crescimento e, de outro, o serviço público com baixa qualidade, encarregado do atendimento direto ao cidadão. Um fator que favoreceu o agravamento dessa disparidade foi a construção de Brasília, isolando e

encastelando uma leva considerável de servidores públicos de alto nível, na distante capital do Brasil.

Além desse fator, a corrupção, resultado de práticas políticas arraigadas, tem marcado presença na administração pública no Brasil.50 Segundo Martins (1997, p. 19):

A pequena corrupção, na forma de jeito, tornou-se regra geral e fez surgir uma profissão única e próspera: a do despachante, aquele que conhece os labirintos da burocracia e é capaz de facilitar as coisas para os demandantes de bens e serviços públicos.

Essa prática pode ser acrescentada ao rol de disfunções da burocracia apresentadas por Merton, embora o modelo burocrático não detenha o monopólio da corrupção, podendo ocorrer no patrimonialismo e até mesmo na nova administração pública.

Outra tentativa de modernização da administração pública ocorreu durante a ditadura militar, em 1962, por meio de diagnóstico elaborado pela Comissão Amaral Peixoto (SEGES,