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Capítulo IV Algumas concepções e manifestações de afectividade

3. Fundamentação do quadro metodológico

3.2. A investigação qualitativa no campo educacional

3.2.1. A abordagem etnográfica

Nos últimos dois séculos, os antropólogos têm usado os métodos etnográficos para recolher, analisar e apresentar informação. Há muito guardada como uma orientação teórica e um paradigma filosófico inserida na Antropologia, a Etnografia tem sido, mais recentemente, adoptada como uma metodologia útil em Estudos Culturais, Sociologia, Geografia Cultural e em Psicologia Social (Denzin & Lincoln, 2000). A Etnografia tornou- se útil, também, em outras áreas como a Educação.

Carmo & Ferreira (1998) especificam que, em Ciências Sociais, o interesse pelos estudos etnográficos nasce da intenção de dar resposta a problemas que os métodos tradicionais não têm resolvido de maneira satisfatória.

Por sua vez, também Bento (2000) afirma que as técnicas de investigação etnográfica de tipo qualitativo e/ou interpretativo parecem ser as que melhor dão conta de investigações no domínio da Didáctica das Línguas-Culturas. Elas tentam descrever fenómenos para os compreendermos melhor, privilegiando-se as funções nestes tipos de investigação. A ideia de cultura torna-se, então, central nos estudos etnográficos. De acordo com Carmo & Ferreira,

“Qualquer grupo humano que viva em conjunto durante um certo período de tempo, desenvolve uma cultura própria, entendida como um conjunto de padrões de comportamento e crenças que permitam compreender o modo de agir dos elementos do grupo em questão” (1998: 219).

Para estudar o mundo social torna-se, então, imprescindível estar inserido nele, uma vez que o comportamento e as crenças dos sujeitos que pertencem a uma determinada organização serão melhor compreendidos no contexto da própria organização. O investigador é colocado no meio estudado tornando toda a investigação social numa forma de observação participante (Andrade & Araújo e Sá, 1996; Carmo & Ferreira, 1998; Denzin & Lincoln, 2000).

Sempre que a abordagem etnográfica é adoptada, chega-se à conclusão que, pelo facto do etnógrafo estar inserido no meio investigado e estar em interacção prolongada com os indivíduos no seu dia-a-dia, faz com que compreenda melhor as crenças, motivações e comportamentos dos sujeitos que integram o meio estudado, facto que não aconteceria utilizando outro tipo de abordagem (Hammmersley, 1992 in Denzin & Lincoln, 2000).

Werner e Schoepfle (1987) in Lessard-Hébert et al. propõem aos investigadores-etnógrafos uma teoria da etnografia. Assim sendo, “De acordo com a sua concepção, o investigador

chegaria ao campo não com uma teoria sobre o «o quê», mas sim sobre o «como» da investigação” (1990: 102). Por conseguinte, para ter em conta o «como» da investigação é

fundamental consiste na observação participante, a qual implica um trabalho de campo mais ou menos prolongado, de modo a permitir ao investigador “mergulhar” na cultura em estudo, pois quanto mais se conhece o campo estudado mais significado e maiores relações se consegue estabelecer com os dados recolhidos (Haddon , in Denzin & Lincoln, 2000).

A participação directa na vida dos sujeitos investigados deve ser a base do seu método, pois tem-se como certo que é entrando directamente em contacto com as pessoas no seu dia-a-dia, que os etnógrafos conseguem chegar a uma melhor compreensão das crenças, motivações e comportamentos dos sujeitos estudados (Denzin & Lincoln, 2000). Estes autores, apoiados em Malinowski (1992), indicam, também, que o objectivo do etnógrafo devia ser “agarrar firmemente” o ponto de vista dos nativos. Deste modo, a observação participante pode conduzir à compreensão do ser humano através da aprendizagem no campo de trabalho, vendo, sentindo e algumas vezes comportando-se como um “nativo”.

A unidade de estudo numa investigação etnográfica pode ser uma organização, uma escola, uma turma, ou até um programa. L. van Lier, (1990), in Bento, (2000), considera a etnografia como o meio potencialmente mais adequado para estudar os fenómenos em sala de aula. Neste quadro, Andrade & Araújo e Sá, referem-se à etnografia como,

“...abordagem em investigação, que analisa a aula enquanto contexto social, na sua integridade significativa, preservando a sua qualidade holística, consiste basicamente numa observação não estruturada dos fenómenos, com vista a identificar conceitos relevantes, a descrever variáveis e, em última instância, a criar hipóteses explicativas...” (1996: 23).

Assim sendo, os estudos etnográficos permitem compreender, tanto a cultura de uma dada organização, a forma como os seus elementos interagem uns com os outros (objecto de estudo da presente investigação), como a influência do contexto no comportamento dos indivíduos .

A Etnografia está relacionada com uma atitude por parte dos investigadores que tentam enquadrar acontecimentos específicos num contexto mais abrangente e significativo. A Etnografia não é apenas a produção de informação ou a recolha de dados é, antes, um modo de transformação dessa mesma informação em algo escrito que se torna visível.

Deste modo, a Etnografia surge como uma combinatória de vários elementos: o desenho de estudo, o trabalho de campo e os vários métodos de recolha de dados que, em conjunto, irão produzir relatos, descrições, interpretações e representações históricas, políticas e pessoais da vida humana, inseridas no seu próprio contexto (Denzin & Lincoln, 2000).

As abordagens qualitativas, incluindo as etnográficas, recorrem a instrumentos tais como a observação, análise de textos, documentos, entrevistas, registos áudio e/ou vídeo, transcrições, diários de bordo, etc., que se revelam essenciais. Assim sendo, Bento afirma que “A etnografia está, pois, comprometida com a recolha de dados em contexto natural e,

nessa medida, o contributo dos participantes na descrição dos fenómenos observados e registados, revela-se fundamental” (2000: 35).

Para minimizar a perspectiva subjectiva, na medida em que muitas investigações etnográficas dependem de generalizações feitas com base em repostas dos participantes, o investigador deve focar o que é observável e deve apresentar transcrições pormenorizadas das actividades ocorridas naturalmente (Bento, 2000). Nesta linha, em relação à recolha de dados, Carmo & Ferreira afirmam que,

“Os estudos etnográficos pressupõem uma extensa recolha de dados durante um período de tempo mais ou menos longo, de uma forma naturalística, isto é, sem que o investigador interfira na situação que está a estudar” (1998: 219).

O trabalho deve iniciar-se pela recolha de dados, através da observação participante; posteriormente, o investigador pode recorrer a outras técnicas: entrevistas, questionários, análise documental, escalas de atitudes, gravações vídeo e áudio, etc. Denzin & Lincoln (2000), apoiados em Haddon, referem que a recolha de dados rápida deve ser evitada. É fundamental que os investigadores não juntem apenas dados, mas cativem o nativo (em estudo) com tempo e ganhem a sua simpatia, integrando-se progressivamente na comunidade investigada. Também Carmo & Ferreira (1998) se referem a esta questão defendendo que este tipo de estudos exige um período de tempo relativamente longo no terreno e uma grande variedade de dados, cuja interpretação se reveste de dificuldades. Para estas poderem ser atenuadas, estes autores reclamam a experiência do investigador, não só como observador, mas, também, de análise de dados, defendendo que esta

experiência poderá ser garantia de maior objectividade e rigor na recolha e interpretação dos dados.

Ainda em relação à observação participante, na recolha de dados, Denzin & Lincoln (2000: 465), afirmam que “the oxymoron participant observation implies simultaneous emotional

involvement and objective detachment”. Neste papel, é esperado que os etnógrafos

mantenham uma certa distância daqueles que estuda e, ainda, que estabeleçam comunicação e não amizade; respeito e não confiança; compreensão e não identificação. Se assim não fosse, o investigador correria o risco de se tornar um membro da comunidade por completo ou um nativo.

Para adquirir o conhecimento gradual dos participantes, o investigador não deve depender meramente de fazer perguntas, mas integrar-se nas comunidades investigadas para serem descritas, através da participação directa. Denzin & Lincoln (2000) definem o papel dos investigadores como “agentes duplos”, que, embora sejam induzidos a integrar-se como membros do grupo, têm apenas como finalidade descrever a comunidade estudada e depois partir.

Após o trabalho de campo, a tarefa do etnógrafo não de esgota; deste modo, a Etnografia surge como uma inscrição prática, como uma continuação do trabalho de campo, que não se limita a um registro transparente de experiências passadas no campo. Denzin & Lincoln (2000) defendem, então, que a Etnografia é simultaneamente um processo e um produto.

Poder-se-á proferir, então, que uma investigação que tenha como ponto de partida o interesse pelo estudo de uma dada organização ou grupo recorre inicialmente à observação e, progressivamente, vai definindo com maior rigor o problema de investigação e tomando decisões sobre os elementos da organização que deverá preferencialmente observar e entrevistar. É após a interacção com os parceiros que se tomarão outras decisões em relação à continuação ou possíveis alterações do estudo. O investigador procura ‘emergir’ na organização e tenta compreender os comportamentos dos sujeitos, não considerando os seus pontos de vista, mas os pontos de vista daqueles que observa. Finalmente, a

interpretação e aplicação dos resultados do estudo serão realizadas numa perspectiva cultural (Carmo & Ferreira, 1998).

Para finalizar, é de salientar que, além da Etnografia, existem outras expressões associadas à investigação qualitativa, como é exemplo da Etnometodologia, abordagem a que daremos especial atenção a seguir, visto ter sido seleccionada como metodologia para a recolha e procedimentos de análise.