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PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DA INVESTIGAÇÃO

1. Princípios do Interaccionismo

1.1. A interacção

1.1.1. A interacção verbal

1.1.1.1. A conversação

Os meios através quais os membros de uma sociedade podem interagir são extremamente diversos. A conversação surge, assim, como um outro tipo de interacção. Este assunto é sucintamente discutido por Kerbrat-Orecchioni (1996), que afirma que as conversações10 constituem um tipo específico de interacções verbais e, ao mesmo tempo, a forma mais comum e representativa do funcionamento geral das mesmas, que, por sua vez, constituem sub-classes no conjunto das interacções sociais.

De acordo com Vion, apesar da possível diferença de estatutos entre as pessoas em presença, conversar implica “...une sorte de mise entre parenthèses des différences et

l'adoption de comportements de considération et de coopération” (1992: 110). Neste

quadro, as conversações, sendo a forma mais comum de interacção verbal, consideradas como casos particulares de interacção, o seu funcionamento é, então, análogo ao das interacções verbais e, por isso, multicanais. Efectivamente, segundo Bitti & Zani “a

conversação é um fenómeno de comunicação por vários canais que envolve sinais verbais e não-verbais” (1993: 187). Deste modo, e de acordo com as mesmas autoras, ainda que a

linguagem seja a actividade central neste tipo de interacção social, deve ser considerada a importância das funções dos sinais verbais e não-verbais (quer do tipo vocal – qualidades da voz, entoação e pausas, quer do tipo não vocal – olhar, expressão facial, gestos, posturas e movimentos do corpo). Por outras palavras, as conversações, enquanto construções colectivas, “...sont faites de mots, mais aussi de silences et d’intonations, de gestes, de

mimiques et de postures, c’est-à-dire de signes de nature variée…” (Kerbrat-Orecchioni,

10

Conversação é aqui considerada como a acção de conversar, ou seja, um colóquio entre duas ou mais pessoas, realizada através da interacção verbal, mas também da não-verbal e paraverbal.

1996: 23). Nesta linha, D. Abercrombie in Kerbrat Orecchioni, afirma que falamos “...avec

nos organes vocaux, mais c'est avec tout le corps que nous conversons” (1996: 27).

As conversações são, então, formas de discurso, que resultam de um trabalho colaborativo e se edificam, explorando diferentes tipos de unidades semióticas (verbais, não-verbais e paraverbais), de forma complementar (Kerbrat-Orecchioni, 1992; 1994; 1996). Esta autora (1996) sublinha que as funções referencial e metacomunicativa são asseguradas, sobretudo, pelo material verbal e as funções expressiva e fática assentam especialmente sobre os elementos não-verbais e paraverbais.

O conceito de conversação é sucintamente discutido por Goffman, que apresenta uma definição completa do termo, dizendo a seu respeito:

“la parole qui se manifeste quand un petit nombre de participants se rassemblent et s’installent dans ce qu’ils perçoivent comme étant une courte période coupée des (ou parallèle aux) tâches matérielles; un moment de loisir ressenti comme une fin en soi, durant lequel chacun se voit accorder de droit de parler aussi bien que d’écouter, sans programme déterminé; où chacun reçoit le statut de quelqu’un dont l’évaluation globale du sujet en train – les notes de lecture, en quelque sorte – doit être encouragée et traitée avec respect; où enfin il n’est exigé aucun accord ni synthèse finals, les différences d’opinion étant réputées ne pas porter préjudice à l’avenir de la relation entre participants” (1987: 20 citado em Rodrigues, 2002: 38)

As conversações, constituindo um tipo particular de interacção verbal, apresentam propriedades específicas, que, em conformidade com Kerbrat-Orecchioni (1996); Traverso (1999) e Rodrigues (2002), resumimos da seguinte forma:

- carácter imediato, no tempo e no espaço, ou seja, a existência de proximidade física dos interactantes, de contacto directo e de resposta instantânea. Pode desenrolar-se em toda parte, embora prevaleça uma primazia por lugares propícios à melhor proximidade espacial e psicológica;

- carácter familiar ou informal, espontâneo, improvisado e descontraído, pois nenhum dos seus componentes é previamente determinado: número de participantes (geralmente restrito); temas, a sua importância e desenvolvimento; duração e ordem nas tomadas de

palavra (relativamente livre) Traverso refere-se a esta questão da seguinte forma: “Les

participants à une conversation ont un droit égal à la parole, et l'alternance des tours n'est pas pré-determinée” (1999: 83);

- carácter gratuito e não finalizado, ou seja, os interactantes têm como finalidade o puro prazer de conversar e/ou aprofundar laços sociais. Daí, a definição de conversação, como sendo “por excelência a produção e a reprodução da sociabilidade (...) tanto para

estabelecer e intensificar, como para romper e restabelecer os laços sociais que formam a nossa identidade individual e colectiva” (A. Rodrigues, 2001: 176 in Rodrigues 2002: 40);

- carácter simétrico e igualitário, isto é, os interactantes, mesmo não tendo um mesmo estatuto, comportam-se como tendo os mesmos direitos e deveres, observando-se um mesmo poder entre eles. Quando não há igualdade social, existe pelo menos igualdade de oportunidade na tomada da palavra. Salienta-se, ainda, que no decurso duma conversação possam ocorrer alterações, que podem resultar em distanciamentos ou aproximações.

Em sentido restrito, as conversações constituem, sem dúvida, a forma mais comum de interacção verbal. Goffman in Bento (2000) refere que as conversações são desprovidas de qualquer finalidade instrumental, caracterizando-as como flexíveis e relativamente desorganizadas, declarando que ocorrem num quadro participativo simétrico e acentuando a natureza sociável das mesmas. Cicurel vai de encontro a esta ideia, afirmando que “nas

conversações, as interacções são imprevisíveis, os temas abordados fluem ao sabor do momento, não sendo o seu objectivo pré-determinado” (1997, in Bento 2000: 69-70).

Apesar desta aparente desorganização do oral espontâneo, de acordo com Kerbrat- Orecchioni, as conversações decorrem segundo conduções ordenadas, ou seja, “...se

conforment à des « règles » pré établies, et impliquent une série de négociations entre les partenaires, portant sur l'alternance des prises de parole, la gestion des thèmes, la relation interpersonnelle...” (1998: 153).

De acordo com Grice (1975 in Bitti & Zani, 1993), as trocas verbais consistem numa sucessão de frases conexas e, por isso, cooperativas, e os participantes prosseguem um objectivo ou direcção comum. Deste modo, Alves apoiada em Grice (1991), afirma que

“...a conversação decorre segundo o princípio de cooperação conhecido e seguido pelos

participantes; estabelecendo estes um contrato conversacional, e partilhando normalmente um conjunto de regras que visam a normal consecução da interacção verbal” (2000: 9). Deste princípio, Bitti & Zani (1993) e Alves (2000), apoiadas em Grice

(1975 e 1991, respectivamente) apresentam as quatro categorias da conversação e que passamos a apresentar de forma sucinta:

- a quantidade, que se refere ao facto do locutor fazer o seu contributo que deve ser tão informativo, quanto requerido, ou seja, não fornecer pormenores insignificantes, nem disponibilizar menos informação que a pretendida;

- a qualidade, está relacionada com a necessidade de dar um contributo que seja verdadeiro. Só devem ser efectuados enunciados que o locutor julgue verdadeiros ou sobre o qual tem provas adequadas;

- a relevância ou relação, que estabelece que a comunicação seja relevante e pertinente. A este respeito, surgem alguns problemas, como sejam os diferentes modos de conceber o que é relevante e como fazer essa avaliação no decurso de uma interacção cujos tópicos podem ser constantemente negociados;

- o modo, diz respeito à exigência de clareza e evidência no enunciado. A máxima “sê claro” é especificada em várias categorias como: evitar obscuridade nas expressões; evitar ambiguidades; ser breve; e ser ordenado na exposição.

Estas máximas são úteis para reconhecer o regular andamento do discurso, não devendo ser entendidas como normas de uma conversação correcta, mas como pontos de referência de tipo interpretativo (Violi e Manetti, 1979 in Bitti & Zani, 1993).

Alves (2000), apoiada em Grice (1991), afirma que além destas máximas, outras (de ordem moral, social ou estética) deverão ser respeitadas, fazendo referência à máxima de cortesia. Também G. Tarde (1987: 3 in Rodrigues 2002: 39), associa a conversação à cortesia, dizendo a seu respeito: “Par conversation, j’entendus tout dialogue sans utilité directe et

immédiate, où l’on parle surtout pour parler, par plaisir, par jeu, par politesse”. Em

conformidade com Rodrigues (2002), o simples facto de se procurar e participar numa conversação, segundo as regras de convivência social, aceites e praticadas numa comunidade, é, por si só, manifestação de cortesia. Este assunto será desenvolvido pormenorizadamente no capítulo III.

Uma vez que, nas trocas verbais, o princípio de cooperação nem sempre é respeitado, apresentamos as quatro grandes formas de infracção do locutor estabelecidas por Grice (1991 in Alves, 2000):

- infringir uma máxima de um modo não ostensivo; - optar por deixar de seguir o princípio conversacional;

- não cumprir a integridade das máximas por incompatibilidade; - e deliberadamente não cumprir uma máxima.

Estas infracções poderão ser continuamente negociadas e reparadas, não só pelo locutor que procura reestruturar o seu discurso, mas também pelo alocutário que tenta produzir outras interpretações que não deteriorem o desenrolar das interacções verbais.

Destas reflexões decorre que, além dos elementos constituintes da interacção verbal, também os princípios conversacionais que a regem interferem significativamente nas trocas verbais efectuadas entre os participantes.

De acordo com Rodrigues (2002), as características da conversação levam a que esta seja considerada a forma mais comum e representativa do falar quotidiano; no entanto, as conversações são apenas uma das muitas formas de interacção verbal, fortemente regularizadas pelo contexto onde decorrem. Nesta medida, Kerbrat-Orecchioni (1998) designa esta análise por “Análise das Conversações ou Análise das Interacções Verbais” (em detrimento de Análise Conversacional), uma vez que relevam da Análise do Discurso (que se interessa pelo discurso dialogado, ou seja trocado e construído por vários elementos) e da competência da Pragmática (pois não se trata de descrever frases abstractas, mas de estudar propósitos realmente tidos - registados e seguidamente

transcritos pelo investigador - a partir dos quais se efectuam as generalizações). Assim sendo, Kerbrat-Orecchioni considera que seria mais justo designar esta análise por Análise das Interacções Verbais cujo objectivo é “...décrire les règles qui sous-tendent le

fonctionnement des diverses formes d’échanges communicatifs qui s’observent dans nos sociétés” (1998: 153), uma vez que, de acordo com a mesma autora, toda a conversação é

uma construção colectiva, resultante de um trabalho colaborativo.