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Metodologia de recolha dos dados e procedimentos de análise

Capítulo IV Algumas concepções e manifestações de afectividade

3. Fundamentação do quadro metodológico

3.2. A investigação qualitativa no campo educacional

3.2.2. A abordagem etnometodológica

3.2.2.1. Metodologia de recolha dos dados e procedimentos de análise

Os objectivos essenciais deste estudo visam descrever, registar, explorar, interpretar e compreender, um determinado fenómeno (relação professor-aluno), num contexto específico (situação de ensino-aprendizagem da Língua Materna em aula de 1º ano de escolaridade), procurando descrever e compreender atitudes e discursos, a partir da análise das interacções verbais, sem interferir no ambiente analisado. Dado que a compreensão é a finalidade pretendida e que esta está ligada à observação para descrição de fenómenos, para atingirmos a complexidade do objecto de estudo definido, considerámos que este estudo se deveria situar, metodologicamente, no quadro dos paradigmas de natureza etnográfica numa perspectiva etnometodológica. Andrade & Araújo e Sá, referem-se a esta corrente investigativa da seguinte forma,

“...caracteriza-se por uma abordagem naturalista, descritiva, contextual, de conclusão aberta, procurando sempre fazer uma análise o mais exaustiva possível de uma situação complexa, a partir de um processo de observação que não deve modificar a situação que se focaliza” (2004: 25)

Estas autoras afirmam, ainda, que, numa primeira etapa, o investigador tomará conhecimento do objecto; seguidamente, reconhecê-lo-á de uma forma global tal como ele é e, numa terceira etapa, descrevê-lo-á nas suas qualidades intrínsecas. Assim, este tipo de investigação só é possível pela observação e análise dos acontecimentos reais da prática pedagógica, numa atitude crítica e num exercício constante de racionalização de todos os factores aí implicados.

Foram estabelecidos como objectivos principais desta investigação a constituição de um

aprendizagem do Português como língua materna, ao nível relacional. Assim, a observação para descrição da realidade constituem um acto fundamental para se delimitarem fenómenos capazes de serem descritos e analisados, pretendendo-se chegar a algumas hipóteses que possam ser aplicadas a contextos com características semelhantes.

Tal como constatámos anteriormente, a Etnometodologia dedica-se à investigação empírica dos métodos que os indivíduos utilizam para dar sentido às suas acções diárias, quer sejam eruditas ou triviais: comunicar, tomar decisões e raciocinar (Coulon, 1996). Assim, numa abordagem etnometodológica, a observação é o processo investigativo mais pertinente, uma vez que é ela que permite uma análise empírica e minuciosa dos acontecimentos, como é o caso das actividades conversacionais, das quais nos ocuparemos neste estudo. De acordo com Bell (1993), o estudo de observação não é considerado um método fácil, sendo necessário o planeamento e a condução cuidadosa deste tipo de estudo. Apesar de não ser uma opção fácil, a observação é, por vezes, o único meio de descobrir características de determinados grupos ou indivíduos. Apesar das entrevistas fornecerem dados importantes, não conseguem revelar o que realmente acontece. É nesta medida que a nossa estratégia fundamental para a produção desta investigação passou pela observação directa, o que nos permitiu o contacto com as situações e viabilizou a recolha de dados.

Foi sempre nossa pretensão constituir um corpus genuíno, objectivo e significativo da realidade observada. Assim, no período de observação tivemos em atenção a complexidade deste processo: dificuldade em apreender o real de forma autêntica e dificuldade em interpretar e comunicar o que foi observado. Tivemos, deste modo, em conta que a objectividade pura é praticamente impossível, pois o observador modifica sempre de alguma forma a realidade. Andrade & Araújo e Sá (2004: 29) referem-se a este assunto da seguinte forma: “...a tradução do real nunca é fiel mas apenas uma representação que dele

têm os observadores”. Para penetrar na comunidade foram, então, utilizadas estratégias

próprias de ingresso. Representa-se, circunstancialmente, nos acontecimentos repetitivos e nas actividades rotineiras, assim como nos modelos das actividades sociais do ponto de vista do membro. Procura-se num esforço contínuo tentar ver o que o sujeito vê.

Embora o investigador possa assumir outros papeis, é sabido que toda a investigação em Ciências Humanas e Sociais é uma forma de observação participante (Andrade & Araújo e Sá, 1996; Carmo & Ferreira, 1998; Denzin & Lincoln, 2000). É de salientar que a nossa presença como investigadora na sala permitiu-nos recorrer à memória, devido ao contacto directo com professores, alunos e meio envolvente, facilitando a reconstituição de alguns momentos interaccionais menos explícitos na vídeogravação.

Procurámos através dos procedimentos etnometodológicos observar o meio natural evitando, o mais possível, as perturbações que pudessem advir da nossa presença, optando- se por uma observação não interferente (Lessard-Hébert et al., 1990), ou seja, uma participação passiva (Mead, 1966 in Postic & de Kelete, 1988). Deste modo, ao aproximar- nos do terreno, tivemos a precaução de o modificar o menos possível. Este papel passivo do observador justifica-se pelo risco de afectar as características dos dados recolhidos. Por conseguinte, e de acordo com Postic & de Kelete (1988), uma vez que optámos por uma ida regular à sala de aula para recolher dados e adoptámos uma atitude não interferente e de retirada, considerámos que a nossa presença não desnaturou fundamentalmente os factos sujeitos na observação e não afectou a dinâmica da classe ao ponto alterar as componentes.

O corpus apresentado tem como grande preocupação o conhecimento realmente significativo do terreno. Para transformar as observações em dados, procedeu-se ao seu registo da videogravação, que permitiu captar pormenores que enriqueceram a transcrição das conversações, gravação áudio e notas de campo. Recorremos à videogravação, considerada pelos etnometodólogos uma técnica de recolha de dados de grande valor, uma vez que reduz a subjectividade das observações e dá conta de uma variedade de fenómenos contextuais (Andrade & Araújo e Sá, 1996). Utilizámos, também, o inquérito através de questionários e entrevistas para caracterização do agrupamento, escolas e professores, de modo a estudar mais aprofundamente, externa e internamente, o contexto de investigação. Realizámos, ainda, conversas informais com os professores sobre os procedimentos, tanto deles, como dos alunos, nas actividades escolares, nos avanços, nos problemas, nas preocupações, nas relações, etc.

Os investigadores que se situam numa perspectiva etnometodológica referem a transcrição como a primeira codificação constituindo, desde logo, uma primeira leitura dos episódios recolhidos. Sendo o carácter linguístico dos dados recolhidos mais evidente em textos e entrevistas, a base para análise é, fundamentalmente, a palavra escrita em documentos ou falada em entrevistas, conversações, etc.. Em relação a esta questão, Bento afirma que “...muito do que se observa em espaços institucionais e não institucionais são

conversações resultantes da interacção social em que todos nós falantes nos envolvemos no nosso dia a dia com os outros” (2000: 37). Efectivamente, o exercício da palavra,

assume um papel central na vida social e, mais especificamente, em contexto de sala de aula, daí que se deva privilegiar a videoagravação e transcrição de conversações que assumem, efectivamente, um valor singular na análise de interacções.

Em relação à transcrição, Traverso, afirma que esta “…est une préparation indispensable

du corpus, à travers laquelle on cherche à conserver à l'écrit le maximum des traits de l'oral” (1999: 23). Assim sendo, ao escolher o código de transcrição, o transcritor procura

constituir um sistema de notações em correspondência directa com os factos observados, tentando minimizar a sua interpretação subjectiva. Dada a complexidade da realidade e a distância necessária entre esta e o código que a descreve, alcançar tal objectividade é tarefa muito difícil (Andrade & Araújo e Sá, 1996). Para tentar ultrapassar este facto, utilizámos uma linguagem o mais descritiva possível e o recurso a duas observadoras/transcritoras. Assim, a transcrição dos dados recolhidos em contexto natural, através de uma observação participante não interferente, permitiu-nos recolher todos os elementos essenciais para análise.

Posteriormente, os dados, organizados e transcritos, foram codificados em categorias, tendo em conta os diferentes parâmetros da realidade observada e os objectivos específicos desta investigação. As categorias de análise definidas a priori pelo investigador não foram adoptadas, pois, segundo Andrade & Araújo e Sá (1996: 24), estas “...obrigatoriamente

dependentes de olhares teóricos particulares (...) condicionam desde logo a qualidade e a natureza da análise a realizar e influenciam consequentemente os resultados, que passam a ser espelhos de uma predisposição conceptual e não da realidade em si mesma”. Deste

só encontra definição no quadro de múltiplas redes de significado que à partida não são conhecidas do investigador”. Torna-se, então, fundamental relacionar o verbal com outras

formas de comunicação relevantes na comunidade estudada. Assim, as categorias de análise, neste estudo, emergiram da confrontação da investigadora com os dados provenientes da própria organização discursiva e reflectidas na transcrição das aulas.

A primeira tarefa da análise qualitativa é a descrição (Patton, 1990; Postic & de Kelete, 1988). A descrição é, assim, uma tarefa essencial, sendo o primeiro objectivo descrever o que os membros de um grupo fazem. Considera-se membro de um grupo aquele que possui o domínio da linguagem natural do grupo e a competência social da colectividade em que vive. Daí uma certa focagem nas análises, o que diminui o espaço para generalização dos resultados.

O presente estudo é, então, essencialmente descritivo, uma vez que se pretende especificar fenómenos que ocorrem sem qualquer tipo de manipulação e parte de questões às quais se pretendia dar resposta pelos dados que emergiram da realidade observada, sem a influência de pressupostos ou categorias de análise prévios. Andrade & Araújo e Sá (1996) referem que a investigação descritiva conjuga, simultaneamente, duas orientações, uma de natureza narrativa, outra de natureza explicativa.

Para o tratamento dos dados seguimos os procedimentos da análise qualitativa, situada na tradição etnográfica descritiva e interpretativa, de carácter etnometodológico, que se focaliza não nos produtos ou resultados, mas nos processos, de modo a compreender a relação professor-aluno. Neste estudo, a análise qualitativa aliou-se à análise quantitativa, para possíveis apreciações quantitativas, por exemplo, a medida de frequência de determinado procedimento pedagógico-didáctico, processo de enumeração, contagem de ocorrências (estatística descritiva).

Quanto à validade desta investigação, não existe a procura da generalização dos resultados e afasta-se qualquer relação de inferência causal obtida a partir deles, pois a relação de interpretação neste estudo conjuga concordâncias e coerências entre a observação, a descrição e a interpretação. Essa estratégia contou com a contribuição dos parceiros deste

estudo na análise dos dados, a fim de evitar erros de interpretação. É nesta última fase que realizámos uma interpretação teórica mais aprofundada e pormenorizada em relação às anteriores, confrontando os dados assim obtidos com outros obtidos noutros estudos.

Síntese

Partindo de motivações pessoais e profissionais e, fundamentalmente, da importância do estudo ao nível do debate actual acerca de processos de interacção verbal na sala de aula, devido à escassez de estudos no âmbito da temática da investigação em Didáctica de Línguas, era nossa pretensão constituir um corpus que nos permitisse compreender a relação professor-aluno, em situação de ensino/aprendizagem do Português, Língua Materna, em turma de 1º ano do 1º Ciclo EB.

De acordo com as questões investigativas e os objectivos, este estudo visa descrever, analisar e compreender a relação professor-aluno, a partir do discurso produzido pelo professor, em interacção com os alunos em turma de 1º ano, identificando manifestações de poder, de cortesia e de afectividade (sob o ponto de vista multimodal).

Pretendemos que as implicações deste estudo sejam consideráveis, pelo que se impôs a constituição e a delimitação de um corpus que permitisse compreender, a partir das interacções verbais, a relação professor-aluno. Para tal, procuraram-se fenómenos que pudessem ser descritos, analisados, compreendidos e capazes de serem aplicados em contextos semelhantes, perspectivando, então, que possam ser úteis na formação de professores. Contámos com a contribuição dos professores na interpretação de excertos da transcrição da videogravação, seleccionados e apresentados por nós na entrevista realizada na 2ª fase do estudo auxiliando-nos, assim, na caracterização da sua relação com os alunos.

Da necessidade de conhecer e explicar, com carácter científico, a natureza dos fenómenos educativos, abordámos o debate entre os paradigmas metodológicos e as consequências destes na forma como se desenvolve a investigação e como se exploram e interpretam os resultados.

Situámos este estudo no contexto do paradigma interpretativo, visto ser aquele que mais se aproxima da principal finalidade desta investigação, ou seja, compreender uma realidade, mais especificamente, em sala de aula, valorizando em todo o processo a compreensão e a explicação de fenómenos, através da obtenção de dados ricos em pormenores descritivos, relativamente aos seus intervenientes em interacção.

A opção por uma abordagem qualitativa justifica-se por se tratar de um estudo descritivo, de natureza etnográfica numa perspectiva etnometodológica, em que predomina a importância do contexto e da situação e onde se incluem a integração das referências e perspectivas dos participantes e a importância do investigador estar inserido no meio, uma vez que a compreensão é a finalidade pretendida e que esta está ligada à observação/descrição.

Tendo em conta que a Etnometodologia reclama que se registe ou consigne todos os detalhes – acções, escritos, conversações, etc. – na análise dos dados tivemos em conta toda a sua riqueza, procurámos respeitar, tanto quanto possível, a forma em que estes foram registados e transcritos. Seguimos os procedimentos da análise qualitativa, situada na tradição etnográfica descritiva e interpretativa, de carácter etnometodológico focalizando-se, não nos produtos ou resultados, mas nos processos, de modo a compreender a relação professor-aluno.