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Capítulo IV Algumas concepções e manifestações de afectividade

2. A relação professor-aluno

Neste ponto, daremos especial atenção à relação professor-aluno, em situação de interacção, em contexto de sala de aula, uma vez que é aqui que “...se desenvuelve la

mayor proporción de interactión profesor-alumno y donde se encuentra la médula del proceso de educación en sus aspectos interpersonales” (Hargreaves, 1986: 125). É

precisamente a actividade desenvolvida na sala de aula que a distingue de outros espaços. Segundo Vallejo, ao pensarmos na sala de aula como um espaço de relação, poder-se-ão abrir “...um horizonte de possibilidades, inclusive didácticas, que talvez não estejamos

utilizando em todo o seu potencial” (1998: 10).

Em conformidade com Mialaret (1992: 45), “...dizer «relação» é dizer encontro de pelo

menos duas pessoas...”. Além de pessoas, Couto (s/d: 1), acrescenta que uma relação

conecta objectos, factos ou acontecimentos, considerando que “a relação estabelece (...)

um vínculo de união entre os elementos relacionados e possibilita a unidade dentro da multiplicidade”. A relação professor-aluno apresenta-se, assim, como o encontro entre

dos contributos dos participantes, trazidos pelas suas experiências e pelo inconsciente. Esta relação é humana e, como tal, “...desenvolve toda uma rede de relações de tipo afectivo,

isto é, de relações positivas mas também de relações de tipo conflitual” (Mialaret, 1992:

44). Esta relação, que emerge num espaço de conhecimento, é caracterizada por Pey (1988), como interpessoal, afectiva, social e política, sendo, então, complexa. Semelhante ao que fazemos noutras relações torna-se, assim, fundamental reflectir sobre a relação do professor com os alunos, uma vez que, “...nem sempre pensamos na classe, de maneira

consciente e reflectida, em termos de relação com os alunos” (Vallejo, 1998: 9).

A sala de aula pode ser considerada um espaço físico e social, cuja característica principal está na relação que estabelece com os seus frequentadores, ou seja, professor-alunos. As relações que ocorrem dentro da sala de aula entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem apresentam regras, implícitas e explícitas, que procuram estabelecer as responsabilidades que cada um tem perante o outro. Este espaço surge, então, como um palco de negociações, onde os alunos podem vivenciar conflitos e discordâncias, procurando-se acordos. É fundamental destacar, assim, que o importante neste processo interactivo não é a figura do professor ou do aluno, mas o campo interactivo criado, desenvolvendo-se as potencialidades cognitivas, afectivas e socializantes no trabalho e na relação do professor com os alunos. Assim, Vallejo confessa abertamente que “...tudo é

relação, boa ou má, na sala de aula...” (1998: 107), uma vez que o professor ao explicar,

perguntar, responder, informar, ou seja, ao comunicar, verbalmente e não-verbalmente de maneiras diferentes, está a estabelecer um certo tipo de relação com os alunos.

Por sua vez, a sala de aula apresenta-se, ainda, como um local de iniciação da sistematização do conhecimento socialmente construído, ou seja, uma espécie de laboratório, no qual é estabelecida uma relação triádica: o professor, o aluno e os conhecimentos, dando-se ênfase ora a um, ora a outro destes três pólos (Geraldi, 2004). Neste contexto, para além das questões específicas ligadas ao ensino-aprendizagem, ao professor e aos alunos, evidencia-se, também, a relação professor-aluno (Moura, 1993). Assim sendo, esta relação nunca é um verdadeiro frente a frente, pois existe o grupo de colegas que “...mesmo silencioso, actua com a sua presença” (Postic, 1990: 127), o que

significa que cada aluno se situa em relação ao professor, ao conhecimento e em relação aos seus colegas.

No que respeita ao conceito de relação professor-aluno, Dias (s/d: 5) afirma que é fundamental admitir que “...ambos são agentes de acção, que trazem, à partida, um

background, o qual não deixa de estar presente na relação entre si; trata-se de pessoas que pensam, sentem e agem por si, mas num contexto institucional”. Nesta perspectiva, em

situação de ensino-aprendizagem, todos têm relação com um determinado saber, no entanto, o professor é o portador de um saber paradigmático resultado de uma transposição didáctica. Embora exista uma assimetria entre professor e aluno, apoiada principalmente numa posse desigual do saber, existe um conjunto de interinfluências entre eles (Hargreaves, 1972), uma vez que, o aluno, sendo um sistema aberto, “...é permeável ao

meio que o rodeia: o mesmo é dizer que recebe, mas também contribui para o todo da relação” (Dias, s/d: 5), pois é um consumidor activo de saberes. Também Vallejo

considera que professor e alunos se influem mutuamente, afirmando que “... nossa atitude

com relação aos alunos condiciona sua atitude diante de nós” (1998: 159).

(Moraes, s/d), sublinha que a escola deve proporcionar um ambiente inteligente, especialmente criado para a aprendizagem, um lugar onde os alunos possam construir os seus conhecimentos segundo os estilos individuais de aprendizagem. No entanto, mesmo com um ambiente favorável à aprendizagem, Vallejo faz notar, porém, que “... os efeitos

desejáveis (e indesejáveis...) nos alunos, sobretudo aqueles que vão além do mero aprendizado dos conhecimentos, dependem (ao menos em boa parte) de nossa relação com eles” (1998: 29). Postic acrescenta, ainda, que a relação entre professor e aluno é afectada,

tanto pelo tipo de intervenção do professor, como pela presença activa do grupo de colegas, afirmando, a este respeito, que “as expectativas, os juízos, provêm do docente e

também do grupo de colegas” (1990: 125). Deste modo, num período de construção da sua

personalidade (Pimenta, 1991), o entendimento que os alunos têm dos colegas e do professor determina o seu comportamento.

Em conformidade com Vallejo (1998), a relação professor-aluno não deve ser confundida, nem reduzida à dimensão relacional entre ambos, uma vez que esta é apenas um conspecto da relação estabelecida. Vejamos nas suas próprias palavras:

“A relação professor-aluno na sala de aula é complexa e abarca vários aspectos; não se pode reduzi-la a uma fria relação didática nem a uma relação humana calorosa” (1998: 49)

Neste quadro, a relação do professor com os alunos abrange todas as dimensões (ou manifestações-tipo), do processo do ensino-aprendizagem que, segundo Vallejo (1998), podem ser distinguidas entre relação e docência. Assim, por um lado, surge o tipo de relação-comunicação mais pessoal, tais como, reconhecer êxitos, reforçar a autoconfiança dos alunos, manter uma atitude de cordialidade e de respeito. Por outro lado, surge a orientação apropriada para o estudo e a aprendizagem, através da criação e manifestação de uma estrutura que facilite a aprendizagem. Daqui decorre que, na interacção, a percepção dos outros é elaborada através de pontos de referência nos planos cognitivo e afectivo. Isto significa que na relação professor-aluno, o processo de regulação é realizado por ambos, o aluno pelo seu poder no campo afectivo e o professor pelo poder no plano funcional (Postic, 1990).

Dias (s/d: 5) define a relação pedagógica como “...um meio envolvente da relação

professor-aluno...”, meio (que é produto e produtor) fundamental para o desenvolvimento

pessoal e social do aluno e do professor, pois, “a pessoa constrói-se na relação com os

outros e com os outros se desenvolve e faz desenvolver” (Dias, s/d: 5). De acordo com

Couto (s/d), a relação pedagógica é a relação de um conjunto de indivíduos que, mesmo não se escolhendo, vivem uma relação de comunicação, afirmando que, mais do que intercâmbios de informação, significa precisamente participação pois decorre de uma sincronia interaccional. Esta sincronia não se reduz à mensagem verbal, porque todo o comportamento social tem um valor comunicativo (gestos, atitudes, olhares, expressões faciais e corporais, silêncios, etc.). Isto implica que o comportamento de uma pessoa, que participa a todo o instante, tenha de ser entendido em função do comportamento das outras pessoas que a rodeiam. Daqui decorre que a relação pedagógica deve ser entendida como um sistema global, que abrange o sistema relacional professor-aluno e não exclusivamente uma das pessoas.

De acordo com Delamont (1987), a relação professor-aluno é considerada como uma actuação conjunta, que funciona e que diz respeito à realização de um trabalho; relação essa que, segundo Postic (1990), possui características cognitivas e afectivas, que têm um desenvolvimento e vivem uma história numa dada estrutura institucional. A relação de um professor e seus alunos, inicialmente, é orientada pelo estabelecimento de um conteúdo programático e pelo cumprimento de regras mas, no devido tempo, esta relação vai sendo entendida como um dar e receber diário entre professor e alunos (Delamont, 1987). Este processo é de negociação, uma vez que as realidades de todos os dias da sala de aula são constantemente definidas e redefinidas, ou seja, situam-se no tempo e nunca são estáticas.

Convirá, por último, referir que a análise da relação, para atingir a realidade do seu funcionamento, deve ter em conta várias considerações, tais como, o meio familiar e social e o contexto em que ocorrem. De acordo com Postic (1990), a relação professor-aluno não tem o mesmo significado para uma criança que frequente um Jardim de Infância e para um adolescente do ensino secundário ou superior, para um aluno de um meio popular e para um de um meio abastado.

Síntese

Um fenómeno que decorre das relações interpessoais diz respeito à componente afectiva ou emocional (termos que se assumem como sinónimos neste estudo), que desempenha um papel essencial na comunicação com o outro, parte indispensável da vida racional. Assim, em situação de interacção, os intervenientes estabelecem elos de ligação conotados com a sua relação sócio-afectiva.

A dimensão afectiva, constituindo a base do desenvolvimento da acção humana, é de grande importância no processo de aprendizagem. Em contexto de sala de aula, o professor não transmite só conhecimentos, também ouve os alunos, estabelece uma relação de troca, dá-lhes atenção, ensina-os a expressar-se e, por isso, o afecto contribui para o desenvolvimento cognitivo, colaborando no sucesso do ensino-aprendizagem.

A comunicação emotiva, envolvendo uma dimensão relacional e interpessoal, ajuda a reflectir sobre a noção de envolvimento interpessoal, requisito prévio para o sucesso de qualquer encontro conversacional. São reconhecidos três tipos de envolvimento em situação de interacção, designadamente: auto-envolvimento do falante, envolvimento interpessoal entre falante e ouvinte e envolvimento do falante com o que está a ser dito. Refira-se que estes tipos de envolvimento podem manifestar-se através da repetição de fonemas, palavras, expressões, tomadas de palavra, do diálogo construído e da visualização (imagens evocadas nas conversações).

As manifestações emotivas entre parceiros em interacção apresentam-se divididas em seis categorias: marcas avaliativas (ex.: concordância ou discordância); marcas de

proximidade (noções de proximidade e de distância); marcas de especificidade (escolhas

referentes a generalizados vs particularizados); marcas de evidenciação (certeza vs incerteza); marcas de volição (carácter assertivo vs não assertivo) e marcas de quantidade (mais vs menos).

A relação professor-aluno é apresentada como o encontro entre pessoas que se descobrem mutuamente, no que têm de comum e de diferente, através dos seus contributos, trazidos pelas suas experiências e pelo inconsciente. O importante neste processo interactivo não é a figura do professor ou do aluno, mas o campo interactivo criado, ao nível cognitivo, afectivo e socializador no trabalho e na relação entre eles. Apesar da assimetria entre professor e aluno, apoiada principalmente numa posse desigual do saber, existe um conjunto de interinfluências verbais e não-verbais entre eles e, por isso, “...tudo é relação,

boa ou má, na sala de aula...” (Vallejo, 1998: 107), pelo que a sua análise deve ter em

PARTE II

Metodologia da

Investigação

CAPÍTULO V – Problemática da investigação e metodologia adoptada Introdução

Neste capítulo apresentaremos a problemática do estudo, começando por justificar a nossa motivação, o tema e a sua pertinência didáctica, enquadrando-o no âmbito da Didáctica de Línguas.

Enunciaremos, de seguida, as questões investigativas e os objectivos do estudo que implicaram determinados fundamentos de ordem teórica e conceptual, responsáveis pela condução e informação de todo o processo da sua construção.

Sabendo que a recolha de dados em sala de aula é rica e diversificada, uma vez que qualquer acontecimento ou comportamento observável pode fazer parte da constituição do

corpus, impor-se-á, então, a apresentação da delimitação do corpus, para uma abordagem

mais pormenorizada no âmbito da temática.

Seguidamente, apresentaremos a metodologia de investigação que elegemos para o presente estudo, começando por discutir o paradigma em que nos situamos – paradigma interpretativo – para fundamentar as nossas opções metodológicas, relacionando-as com as características da investigação em sala de aula. Dedicaremos, depois, especial atenção à investigação qualitativa no campo educacional e às técnicas de investigação etnográfica e etnometodológica, privilegiadas neste estudo. Concluiremos este capítulo, descrevendo minuciosamente a metodologia de recolha de dados e procedimentos de análise, no quadro dos paradigmas de natureza etnográfica, numa perspectiva etnometodológica.