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ECONÓMICA AO DIREITO EUROPEU DA CONCORRÊNCIA

2.1. A abordagem mais económica ao artigo 101.º

2.1.2. A abordagem mais económica à cooperação horizontal

Percurso idêntico ao realizado anteriormente pode ser empreendido em relação aos acordos horizontais, embora aqui se deva reconhecer que a crítica à metodologia de aplicação das regras do Tratado pela Comissão não tenha assumido a dimensão identificada de modo bastante claro em relação às restrições verticais, desde logo, porque os argumentos de eficiência decorrentes de acordos entre concorrentes são bem mais difíceis de estabelecer.

Importa aqui apresentar alguns dos elementos caracterizadores da “modernização” da aplicação do artigo 101.º a este tipo de acordos348, sendo

certo que, em boa medida, as críticas dirigidas à Comissão relativamente ao modo como o artigo 101.º era aplicado aos acordos verticais são igualmente invocáveis neste domínio.

Todavia, enquanto que numa relação vertical a dimensão da relação concorrencial entre as duas partes do acordo é, na perspetiva neoclássica, discutível349, numa relação horizontal as preocupações são, pelos menos

naturais; com efeito, trata-se de um entendimento entre duas empresas que operam no mesmo mercado relevante, ou seja, cujos produtos e serviços são substituíveis350, e onde uma comunidade de interesses entre empresas operando

348 Para um enquadramento global do tema, ver (ANDREANGELI, 2010; BENNETT, DÍAZ,

LEUPOLD, VERNET, & WOODS, 2014; FAULL et al., 2014; GERADIN et al., 2012, p. 423 e ss.; JONES, 2006; JONES & SUFRIN, 2011, p. 197 e ss.; 983 e ss.; 2014, p. 198 e ss.; ODUDU, 2006; WHISH & BAILEY, 2012, p. 512 e ss.; 2015, p. 594 e ss.). Para uma análise de cariz económico, ver, e.g. (BISHOP & WALKER, 2010, p. 211 e ss.; HILDEBRAND, 2009, p. 287 e ss.).

349 Ver, e.g., (BORK, 1966b, p. 404): “The parties’ activities are thus coordinated. They perform

different and specialized functions in getting a final product to the ultimate consumer. Though vertical, their relationship is the same in economic reality as that of partners. The ability of all truly vertical restraints to enhance the efficiency of the integration has been demonstrated by the argument that they can serve no other function. This same argument demonstrates that market power is irrelevant in a vertical case, so that vertical restraints are not only always ancillary but should always be lawful”.

350 Ver, e.g. (BISHOP & WALKER, 2010, p. 212), e igualmente, as Orientações sobre acordos de

cooperação horizontal de 2011, n.º 10: “entende-se por ‘concorrentes’ tanto os concorrentes

no mesmo mercado pode ser encarada, pelo menos numa primeira abordagem, com o mesmo grau de suspeição que lhe dedicou Adam Smith na Riqueza das

Nações351.

Com efeito, a preocupação essencial nos acordos entre concorrentes reside nos incentivos que estes têm para substituir os riscos da concorrência por uma cooperação, expressa ou tácita, que tenha por resultado uma colusão relativa aos preços, quantidades e mercados em que atuam, ou uma redução do grau de concorrência entre si, em prejuízo dos consumidores352.

Todavia, tal como em relação aos acordos verticais, determinados tipos de acordos horizontais não restringem a concorrência ou geram efeitos pró- concorrenciais que compensam eventuais efeitos negativos, podendo por isso ser objeto de uma isenção ao abrigo do artigo 101.º, n.º 3353.

se desenvolverem atividades no mesmo mercado relevante. Considera-se que uma empresa é um concorrente potencial de outra empresa quando, na ausência do acordo, a primeira empresa é susceptível de proceder aos investimentos adicionais necessários ou de incorrer noutros custos de transição necessários, num período de tempo reduzido, por forma a entrar no mercado relevante em que a outra empresa desenvolve atividades”.

351 “People of the same trade seldom meet together, even for merriment and diversion, but the

conversation ends in a conspiracy against the public, or in some contrivance to raise prices.” Adam

SMITH, “An Inquiry into the Nature and Cause of the Wealth of Nations”, Livro I, Cap. X, par. 82.

352 Recorremos aqui à súmula do Acórdão de 14.7.1972, Imperial Chemical Industries c. Comissão,

48/69, EU:C:1972:70, adiante “Acórdão ICI”, n.ºs 64-68. Ver, igualmente, para uma introdução à análise jurídica e económica dos acordos horizontais mais perniciosos para a concorrência, normalmente designados de acordos de cartel, (HARDING & JOSHUA, 2010; MARSHALL & MARX, 2012).

353 Não tratamos aqui dos acordos de cooperação horizontal que podem ser enquadrados no

âmbito de aplicação do Regulamento 139/2004, por constituírem uma operação de concentração, designadamente as empresas comuns de carácter concentrativo, i.e., aquelas que preenchem os requisitos de funcionalidade e autonomia no mercado, que permitem considerar que desempenham todas as atividades de uma empresa autónoma. Para uma análise das empresas comuns (“joint ventures”) concentrativas e não concentrativas no Direito europeu da concorrência, ver e.g. (JONES & SUFRIN, 2011, p. 985 e ss.; 2014, p. 734 e ss.; MORAIS, 2006, 2014).

Nesse sentido, podemos identificar uma bifurcação na ponderação jusconcorrencial dos acordos verticais e dos acordos horizontais, os primeiros merecendo, na abordagem modernizada, uma validação genérica à luz do pressuposto de presunção de preenchimento dos requisitos da isenção, sem prejuízo da análise concreta a que cada acordo possa ser sujeito; os segundos, em contrapartida, e excetuando determinados tipos de acordos – abrangidos por isenções por categoria ou enquadrados nas regras interpretativas que a Comissão estabelecerá em 2001 e 2011 – consideram-se preliminarmente abrangidos pela proibição. Dir-se-á que é uma mera questão de “local” onde se aprecia a compatibilidade de um acordo à luz das regras do Tratado, se a nível da justificação (no caso dos acordos horizontais), se a nível da proibição (no caso dos acordos verticais), mas não deixa de sugerir uma compreensão prévia da política de concorrência em relação aos tipos de acordos que merecem acolhimento positivo ou negativo354.

A jurisprudência relativa à aplicação do artigo 101.º a acordos de cooperação horizontal é limitada, atendendo em especial ao contexto processual específico que resulta tanto do sistema centralizado de atribuição de isenções individuais do Regulamento 17/62, como da sua abolição pelo Regulamento 1/2003355: com efeito, se no sistema de notificação prévia as empresas poderiam

não ter incentivos para recorrer de decisões da Comissão que atribuíam uma isenção individual356, no sistema processual do Regulamento 1/2003 a única

354 Ver, e.g., Orientações sobre restrições verticais de 2010, n.º 6: “em relação à maior parte das

restrições verticais, só podem surgir problemas a nível da concorrência se existir uma concorrência insuficiente num ou vários estádios da atividade comercial, isto é, se existir um certo grau de poder de mercado a nível do fornecedor ou do comprador ou de ambos. As restrições verticais são em geral menos prejudiciais do que as restrições horizontais e poderão proporcionar uma margem significativa para ganhos de eficiência.”

355 Com exceção dos casos de recursos de anulação de decisões de aplicação do artigo 101.º a

cartéis e práticas concertadas, como notam (WHISH & BAILEY, 2012, p. 587; 2015, p. 623).

356 Com algumas exceções, aliás notáveis. Ver, e.g., os Acórdãos do Tribunal Geral European Night

Services, GlaxoSmithKline, M6 (envolvendo um recurso de uma decisão de isenção individual por

um terceiro), e o Acórdão de 2.5.2006, O2 GmbH e o. c. Comissão, T-328/03, EU:T:2006:116, adiante “Acórdão do Tribunal Geral O2”. Ver, ainda, o Acórdão de 11.7.1985, Remia BV e o. c.

Comissão, 42/84, EU:C:1985:327, adiante “Acórdão Remia”. Por todos, ver (EZRACHI, 2010, p. 77

forma de obter uma decisão formal da Comissão relativamente à aplicação do artigo 101.º, n.º 3 a um determinado acordo consiste no mecanismo previsto no artigo 10.º do Regulamento 1/2003, o que, para além de estar expressamente reservado para situações excecionais, até ao momento não foi aplicado. Podendo-se discutir se não caberia também à Comissão, no seu papel de guardiã da coerência e consistência da aplicação descentralizada do Direito europeu da concorrência, assumir igualmente a importância da emissão e publicitação de análises individualizadas do preenchimento dos critérios de isenção, como orientação genérica para os agentes económicos, tanto mais quando as Orientações relativas ao artigo 101.º, n.º 3 datam já de 2004 e assumem uma análise muito estrita do ónus de demonstração de eficiências diretamente relacionadas com a restrição da concorrência em causa, que cabe às empresas preencher.

A identificação de efeitos pró-concorrenciais em determinados tipos de acordos de cooperação entre concorrentes já tinha levado a Comissão a aprovar regulamentos de isenção por categoria em relação a acordos de especialização e de investigação e desenvolvimento, que seriam suplementados em 2001 com a aprovação de regras interpretativas relativas a vários tipos de acordos de cooperação horizontal.

Nas Orientações sobre acordos de cooperação horizontal de 2001, a Comissão considera que a “a apreciação da cooperação horizontal deve sublinhar

ainda mais os critérios económicos, de forma a melhor ter em conta alterações ocorridas recentemente na aplicação das regras de concorrência” (n.º 6),

avançando depois para a apresentação do propósito das orientações: “o objetivo

das presentes orientações consiste em fornecer um quadro analítico para os tipos de cooperação horizontal mais correntes. Este quadro é principalmente elaborado com base em critérios que ajudam a analisar o contexto económico em que se insere um determinado acordo de cooperação. Critérios económicos como do poder de mercado das partes, bem como outros fatores associados à estrutura dos mercados, constituem um elemento-chave da apreciação dos efeitos que a

cooperação é suscetível de produzir nos mercados e, por conseguinte, para a sua apreciação nos termos do (artigo 101.º)”.

Nestas orientações a Comissão apresenta um quadro de avaliação de acordos horizontais minimamente coerente e, na aparência, claramente influenciado pela abordagem mais económica já manifestada em relação às restrições verticais, desde logo, pela necessidade de se apurar a estrutura do mercado em que os acordos se desenvolvem, e a posição das partes nos mesmos, para se apreciar a suscetibilidade de aplicação do artigo 101.º: “o ponto de

partida da análise é a posição das partes nos mercados afetados pela cooperação. Tal permite determinar se as partes podem, graças a esta cooperação, manter, adquirir, ou reforçar o poder de mercado já existente, isto é, ter a possibilidade de causar efeitos negativos no mercado no que diz respeito aos preços, à produção, à inovação ou à variedade ou qualidade dos bens e serviços” (n.º. 27); depois, por

admitir que muitos acordos entre empresas não são abrangidos pelo artigo 101.º

tout court, ou apenas poderão ser abrangidos pelo âmbito da norma caso: (i)

preencham uma das categorias que se presumem produzir efeitos negativos nos mercados, “sendo por conseguinte quase sempre proibidas” (n.º 25); ou (ii), não fazendo parte dessas categorias, devam ser objeto de uma análise complementar, a qual deve “utilizar critérios ligados ao mercado, tais como a posição das partes

nos mercados e outros fatores estruturais” (n.º 26).

E afinal, quais as restrições “quase sempre proibidas”? Serão aquelas em que a “natureza da cooperação indica desde o início a aplicabilidade do (n.º 1 do artigo 101.º). É o que acontece com os acordos que têm por objeto uma restrição

da concorrência através da fixação dos preços, da limitação da produção ou da partilha dos mercados ou dos clientes. Presume-se que estes acordos têm efeitos negativos sobre o mercado. Por conseguinte, não se afigura necessário apreciar os seus efeitos reais na concorrência e no mercado” (n.ºs. 18 e 25).

Todavia, e como resulta do exposto, a avaliação da compatibilidade de uma prática com o artigo 101.º continua a assentar numa estrutura bipartida de avaliação: em primeiro lugar, da compatibilidade da prática com o n.º 1, depois, a

sua eventual justificação à luz do n.º 3357; por outro lado, a referência ao quadro

convencional da jurisprudência no tratamento das infrações por objeto mantém uma abordagem tradicional, formal, a este tipo de restrições pela desnecessidade de averiguar quaisquer efeitos – pró ou anticoncorrenciais – no escopo do conceito de restrição da concorrência, relegando para o quadro da isenção a avaliação de quaisquer argumentos de eficiência que possam ser aduzidos no contexto concreto em que se desenvolve a prática. A questão – que neste ponto apenas afloraremos –, prende-se assim com, por um lado, a estrutura bipartida da proibição, na distinção entre infrações por objeto e por efeito, e o tipo e densidade de análise económica que é aí necessária e, por outro lado, pela conciliação entre a proibição (seja por se tratar de uma restrição por objeto, ou efeito) e a exceção358.

Essa posição, convencional, é reiterada pela Comissão, tanto nas Orientações sobre acordos de cooperação horizontal de 2011, como nas Orientações relativas à aplicação do artigo 101.º, n.º 3 de 2004.

Assim, nas Orientações de 2011 a Comissão reconhece que os acordos de cooperação horizontal podem dar origem a vantagens económicas significativas, em especial por poderem constituir “um meio de partilhar riscos, realizar

357 Sendo que, por mais “nefasta” que seja a prática em causa, a possibilidade de balanceamento económico à luz do n.º 3 é sempre possível. Ver o Acórdão do Tribunal Geral Matra Hachette, já citado. 358 (HILDEBRAND, 2009, pp. 222-223) qualifica a esta operação de “european competition test”: “the problem within EC Competition Law is therefore much more when the overall assessment of the competition impact of an agreement should be made, than if this assessment is made”, propondo

por isso o seguinte: “whereas the economic analysis in Article (101.º, n.º1) refers to the market

situation as such, Article (101.º, n.º 3) deals with the economic situation of an individual undertaking. In Article (101.º, n.º 1) the welfare-reducing effects of an agreement in a given market are assessed taking into consideration possible welfare-enhancing effects of this agreement in the market affected. The scope of analysis refers to the overall welfare effects of the agreement under scrutiny representing what can be called a European competition test. In Article (101.º, n.º 3), the individual productive efficiencies related to a specific undertaking are assessed.” (ob. e loc. cit.)

economias, aumentar investimentos, agrupar saber-fazer, melhorar a qualidade e a variedade dos produtos e lançar inovações de forma mais rápida”359.

Para este efeito, as Orientações relativas aos acordos de cooperação horizontal (de 2001 e 2011), adotam uma abordagem económica, assente nas vantagens de eficiência resultantes de determinados tipos de acordos de cooperação horizontal, procurando para efeito empregar métodos “económicos” de identificação de potenciais riscos concorrenciais, designadamente pela determinação do poder de mercado das partes360 . 359 Orientações relativas aos acordos horizontais, n.º 2. Nestes termos, e sem pretender “fornecer diretrizes sobre o que constitui ou não um cartel” (n.º 9), as Orientações de 2011 apresentam uma listagem dos comportamentos de cooperação horizontal que podem dar origem a problemas de concorrência, em especial “quando as partes acordam em fixar os preços ou nível da produção ou

em partilhar mercados ou ainda se a cooperação permitir às partes manterem, conquistarem ou aumentarem o seu poder de mercado, sendo desta forma suscetíveis de ter efeitos negativos no mercado no que se refere aos preços, à produção, à diversidade e qualidade dos produtos ou à inovação” (n.º 3). Assim, as orientações fornecem um “quadro analítico… principalmente elaborado com base em critérios jurídicos e económicos” para os seguintes tipos de acordos de

cooperação horizontal: (i) acordos de cooperação e desenvolvimento; (ii) acordos de produção (incluindo subcontratação e especialização); (iii) acordos de compra; (iv) acordos de comercialização; (iv) acordos de normalização; e (v) intercâmbios de informações (n.º 5). Ver, relativamente a estes tipos de acordos de cooperação horizontal, (BENNETT et al., 2014) e (MORAIS, 2013).

360 Embora, como notam (WHISH & BAILEY, 2015, p. 628), dando menor destaque às quotas de

mercado das partes como indicador de risco nas Orientações de 2011 do que nas Orientações de 2001. De qualquer modo, nas Orientações de 2011, a Comissão entende que “a partilha

significativa de custos conseguida por um acordo de cooperação horizontal, só pode permitir às partes coordenar mais facilmente os preços no mercado e a produção se as partes tiverem poder de mercado” (n.º 36), e que “o poder de mercado é sempre relativo. O nível de poder de mercado necessário para que se conclua pela existência de uma infração ao artigo 101.º, n.º 1, no caso de acordos que são restritivos da concorrência por efeito, é inferior ao nível de poder de mercado necessário para que seja reconhecida uma posição dominante na aceção do Artigo 102.º” (n.º 42),

sendo que “o ponto de partida da análise do poder de mercado é a posição das partes nos mercados

afetados pela cooperação” (n.º 43). Todavia, não são apresentados limiares quantitativos para

que se considere existir (ou não) um risco potencial na cooperação horizontal. Como refere a Comissão, se é certo que “se as partes detiverem uma reduzida quota de mercado combinado, é

pouco provável que o acordo de cooperação horizontal dê origem a efeitos restritivos da concorrência… não sendo normalmente necessária qualquer análise complementar”, também se

conclui que “dada a diversidade dos acordos de cooperação horizontal e dos efeitos que podem

produzir nos mercados em função das condições que neles prevalecem, é impossível definir um limiar de quota de mercado geral acima do qual se pode presumir a existência de um poder de mercado suficiente para causar efeitos restritivos da concorrência” (n.º 44).

A importância destas regras interpretativas não deve ser subestimada. Por um lado, e na ausência de um lastro de decisões concretas de aplicação do artigo 101.º, n.º 3 minimamente significativo na sequência da modernização processual introduzida pelo Regulamento 1/2003, continua a ser nelas que encontramos as linhas gerais da abordagem da Comissão à aplicação concreta da estrutura bipartida do artigo 101.º; por outro, no contexto da descentralização da aplicação plena das regras do Tratado, permanecem como as principais orientações para as autoridades nacionais, incluindo os tribunais, tanto na apreciação do conceito de restrição inerente às regras do Tratado, como do modo como a isenção pode ser invocada e demonstrada361, podendo discutir-se

se as mesmas continuam a refletir tanto a jurisprudência do Tribunal de Justiça362, como as próprias declarações de política da concorrência de

responsáveis da Comissão363.

361 Assinalamos a este propósito as conclusões da Advogada-Geral Kokott no processo T-Mobile,

já citadas, que recordou ao Tribunal de Justiça o contexto em que as suas decisões são, na sequência da modernização do Direito europeu da concorrência, tidas em consideração: “o

Tribunal de Justiça tem a oportunidade de tornar claro quais os requisitos necessários para se constatar a existência de uma prática concertada com objetivos anticoncorrenciais, na acepção do n.º 1 do artigo (101.º). Na essência, trata-se de esclarecer se e em que medida a constatação de um objetivo anticoncorrencial exige a avaliação das circunstâncias concretas do mercado, da atuação das empresas envolvidas e dos efeitos da sua atuação na concorrência... Estas questões revestem-se de grande importância para a aplicação eficaz do direito da concorrência da Comunidade no novo sistema descentralizado que foi introduzido com a modernização do direito processual da concorrência levada a cabo pelo Regulamento (CE) n.º 1/2003. Na resposta que vier a ser dada devem ser tidos em conta os perigos que o enfraquecimento das regras de concorrência do Tratado... traria não só para o mercado interno europeu, mas também para os consumidores europeus”. (Cf. n.ºs 1-2).

362 Em especial no balanceamento entre a posição adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão

Expedia, por um lado, e no Acórdão Groupement des Cartes Bancaires, por outro, e ainda à

particular avaliação extensiva do contexto económico e jurídico advogado no Acórdão Allianz

Hungária, a que regressaremos adiante.

363 Ver, e.g., (ITALIANER, 2014). Como refere (KING, 2015b), designadamente pelo confronto

entre a Comunicação De Minimis de 2014, que apela à jurisprudência Expedia na determinação (e limitação) da noção de sensibilidade da restrição no contexto da definição das infrações por objeto, e a análise dos efeitos para aplicação do artigo 101.º defendida como elemento de modernização da política de concorrência. Ver, em especial, n.ºs 1-2 da Comunicação De Minimis de 2014.

As Orientações sobre a aplicação do artigo 101.º, n.º 3, de 2004, completam o quadro normativo da modernização da aplicação do artigo 101.º, procurando sintetizar a jurisprudência tradicional do Tribunal de Justiça com a abordagem mais económica proposta a nível dos acordos verticais e horizontais364.

Nestes termos, a Comissão procura enquadrar, de modo estruturado, a aplicação do artigo 101.º: a nível da proibição, onde se deve apurar se um acordo entre empresas é suscetível de afetar o comércio entre Estados-Membros e se tem um objeto ou efeitos anticoncorrenciais, reais ou potenciais; a nível da exceção, pela determinação de eventuais “benefícios compensatórios” (n.º 12).

Assim, cabe à Comissão demonstrar, para efeitos de aplicação do n.º 1, que um determinado acordo constitui uma restrição de concorrência365, se esta

afeta o comércio entre Estados-Membros, ultrapassa os limiares de minimis e constitui uma restrição apreciável da concorrência366. Depois, há que apresentar

uma teoria do dano concorrencial em causa, que permita determinar o objeto da prática ou o seu efeito, tendo em conta o contexto económico e jurídico em que se desenvolve, a estrutura do mercado relevante e a posição das partes no