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ECONÓMICA AO DIREITO EUROPEU DA CONCORRÊNCIA

2.2. Quadro geral da abordagem mais económica aos abusos de posição dominante e ao controlo de concentrações

No domínio do controlo ex post de condutas abusivas por parte de empresas dominantes, como no domínio do controlo ex ante de operações de concentração de empresas, a metodologia económica é um elemento essencial e necessário à aplicação das regras, por dependerem, em concreto, da determinação de elementos de facto relacionados com a posição das empresas nos mercados relevantes afetados 374 ; trata-se, assim, de empregar os

instrumentos da análise económica, e de verificação empírica, na determinação do que seja um mercado relevante, poder de mercado ou abuso, no contexto da aplicação destas regras. Esta é a questão metodológica.

Mas, tal como em relação à aplicação do artigo 101.º, também a abordagem mais económica ao artigo 102.º e ao controlo de concentrações pode revelar, para além dos métodos, preocupações e considerações de natureza “económica”, designadamente no que respeita à análise dos efeitos, à determinação dos impactos sobre o bem-estar do consumidor e aos ganhos de eficiência como padrão e meta da aplicação das normas375.

374 Uma vez que o poder de mercado deve ser apurado em concreto, de acordo com a

jurisprudência do Tribunal de Justiça. Ver, e.g., o Acórdão Continental Can.

375 Ver, sobre a aplicação do artigo 102.º, e.g., (AKMAN, 2012; DE LA MANO, NAZZINI, & ZENGER,

2014; GERADIN et al., 2012, p. 175 e ss.; MOURA E SILVA, 2010). Para uma abordagem eminentemente económica às questões de dominância no Direito europeu da concorrência, ver, e.g., (BISHOP & WALKER, 2010, p. 223 e ss.; HILDEBRAND, 2009, p. 311 e ss.; MOTTA, 2004, p. 411 e s..). Em especial, sobre a modernização da abordagem da Comissão à aplicação do artigo 102.º, com maior destaque para as modificações na sequência da publicação das Orientações relativas às prioridades da Comissão, ver e.g. (AKMAN, 2010; ALBAEK, 2011; MOTTA, 2009; WITT, 2010).

Com efeito, a modernização da aplicação do artigo 102.º, em especial a partir da publicação, em 2005, de um documento de discussão da Direcção-Geral de concorrência da Comissão sobre a orientação da política de concorrência na aplicação do artigo 102.º a determinados comportamentos abusivos376, e na sua

sequência, à publicação das “prioridades” da Comissão na aplicação do artigo 102.º a comportamentos de exclusão abusivos377, parece revelar uma maior

inclinação da política de concorrência para a adoção de considerações de eficiência na avaliação de comportamentos abusivos, ultrapassando uma noção formal de abuso ínsita na noção de especial responsabilidade da empresa dominante378.

Como a Comissão sugeria no discussion paper de 2005, a abordagem proposta deveria concentrar-se nos efeitos económicos da prática, entendidos

376 Comissão Europeia, Discussion paper on the application of Article 82 of the Treaty to

exclusionary abuses, Dezembro de 2005. Ver, igualmente, o discurso de apresentação das

orientações da discussão da política de concorrência em matéria de comportamentos abusivos, da Comissária Neelie Kroes (em setembro de 2005), (KROES, 2006), que descreve a mudança de paradigma nos seguintes termos: “I am aware that it is often suggested that – unlike Section 2 of

the Sherman Act – Article 82 is intrinsically concerned with ‘fairness’ and therefore not focussed primarily on consumer welfare. As far as I am concerned, I think that competition policy evolves as our understanding of economics evolves. In days gone by, ‘fairness’ played a prominet role in Section 2 enforcement in a way that is no longer the case. I don’t see why a similar development could not take place in Europe. My own philosophy on this is fairly simple. First, it is competition, and not competitors, that is to be protected. Second, ultimately the aim is to avoid consumers harm”.

377 Comunicação da Comissão, Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do

artigo 82.º do Tratado CE a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante, JO C 45, de 24.2.2009. Notamos que esta comunicação não constitui, ao contrário das restantes orientações já citadas, um corpo de regras interpretativas, outrossim, a publicitação das “prioridades que irão orientar a ação da Comissão na aplicação do artigo (102.º)

aos comportamentos de exclusão por parte de empresas em posição dominante. O objetivo é, juntamente com as decisões de execução específicas da Comissão, tornar mais claro e previsível o quadro geral utilizado pela Comissão na análise e decisão quanto à abertura de processos relativamente a diferentes formas de comportamentos de exclusão” (n.º 2).

378 Ver, e.g., o Acórdão de 9.11.1983, Nederlandsche Banden Industrie Michelin c. Comissão,

322/81, EU:C:1983:313, adiante “Acórdão Michelin”, e o Acórdão de 30.9.2003, Atlantic Container

Line e o. c. Comissão, T-191/98, T-212/98 a T-214/98, EU:T:2003:245, adiante “Acórdão do

Tribunal Geral Atlantic Container Line”.

em especial como os impactos da prática no consumidor, e não na estrutura do mercado ou nos concorrentes379.

Nas suas “prioridades” de 2009, a Comissão torna este teste mais evidente, ao declarar que uma empresa será considerada dominante quando “seja capaz de aumentar os preços acima do nível da concorrência, de forma

rentável, por um período de tempo significativo”, uma vez que nessas

circunstâncias, “não está sujeita a uma pressão concorrencial efetiva e

suficiente”380. Assim, a dominância deve ser avaliada pela capacidade de uma empresa poder aumentar os preços – ou mantê-los num nível superior ao da concorrência – e não pela capacidade de excluir concorrentes do mercado, o que representa uma abordagem claramente neoclássica à proibição do abuso de dominância no Tratado381.

Esta abordagem procura assim determinar os efeitos no mercado, ultrapassando a análise assente nas formas ou em categorias predeterminadas que os comportamentos podiam revestir e que levava à proibição de

379 Para uma avaliação bastante crítica desta abordagem, ver (MOURA E SILVA, 2010, p. 547 e

ss.). Como a Comissão reconhecia no XL Relatório sobre a Política de Concorrência (2010), p. 6, “com a adoção de orientações sobre as prioridades da Comissão relativamente a comportamentos

de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante, a abordagem económica, que garante a máxima proteção dos interesses dos consumidores, passou a integrar o quadro de aplicação das medidas antitrust. O documento acima referido reconhece que as empresas em posição dominante têm o direito de concorrer vigorosamente no mercado com base nos seus méritos e refere que, regra geral, a Comissão não concentrará os seus esforços em comportamentos que levem empresas rivais ineficientes ou menos eficientes a sair do mercado, desde que tal resulte da concorrência baseada nos méritos, como a qualidade dos produtos ou serviços”.

380 Cf. Comunicação da Comissão relativa às prioridades na aplicação do artigo 102.º, n.º 11.

Continuando, a Comissão considera ainda que (loc. cit.) “a expressão ‘aumentar os preços’ inclui o

poder de manter os preços acima do nível da concorrência e é utilizada para referir as diferentes formas de influenciar os parâmetros da concorrência – tais como, preços, produtividade, inovação, variedade ou qualidade dos bens e serviços – em detrimento dos consumidores”.

381 Neste sentido, (AKMAN, 2012, p. 312 e ss.). Ver, igualmente, para uma distinção entre o

“poder de determinar os preços no mercado” (pricing power) e o “poder de exclusão de concorrentes”, (BISHOP & WALKER, 2010, p. 91 e ss.).

comportamentos não restritivos ou mesmo potencialmente pró-concorrenciais, embora não tenha representado uma total reversão da prática anterior na análise de determinadas condutas empresariais382.

Com efeito, se por um lado a Comissão afirma que “normalmente só

intervirá para evitar o encerramento anticoncorrencial do mercado quando o comportamento em causa tenha já impedido ou seja suscetível de impedir a concorrência desenvolvida por concorrentes, que são considerados tão eficientes como a empresa em posição dominante”383, por outro lado reconhece que este

teste do “concorrente igualmente eficiente” pode decair em determinadas situações: “a Comissão reconhece que em determinadas circunstâncias um

concorrente menos eficiente poderá igualmente exercer uma pressão que deverá ser tida em consideração quando se avalia se determinado comportamento baseado no preço leva ao encerramento anticoncorrencial do mercado”384, o que

nos conduz uma vez mais ao enquadramento da proteção dos concorrentes no âmbito de aplicação do artigo 102.º, e a uma abordagem formal assente ainda na determinação do preenchimento dos pressupostos da infração pela adoção de comportamentos intrinsecamente contrários à preservação de um determinado grau de concorrência no mercado, independentemente dos efeitos verificados385. 382 Ver, e.g., (GERADIN et al., 2012, p. 212 e ss.). 383 Cf. Comunicação da Comissão relativa às prioridades na aplicação do artigo 102.º, n.º 23. 384 Cf. Comunicação da Comissão relativa às prioridades na aplicação do artigo 102.º, n.º 24.

385 Ver, igualmente, o Acórdão de 15.3.2007, British Airways plc c. Comissão, C-95/04 P,

EU:C:2007:166, adiante “Acórdão British Airways”, onde o Tribunal de Justiça reitera, no essencial, a jurisprudência firmada no Acórdão de 13.2.1979, Hoffman-La Roche & Co. c. Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, adiante “Acórdão Hoffman-La Roche”, e no Acórdão Michelin. Cf. Acórdão

British Airways, n.º 66: “quanto à aplicação do artigo (102.º) a um regime de descontos dependente de objetivos de vendas, decorre do n.º 70 do acórdão Michelin/Comissão, já referido, que, proibindo a exploração abusiva de uma posição dominante no mercado na medida em que tal seja susceptível de afetar o comércio entre Estados-Membros, este artigo visa os comportamentos que podem influenciar a estrutura de um mercado, no qual, precisamente em consequência da presença de uma empresa em tal posição, o grau de concorrência já está enfraquecido e que têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência norma de produtos ou de serviços base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência... daqui resulta que, para examinar o eventual carácter abusivo, no caso de uma empresa em posição dominante, de um regime de descontos ou de prémios que não constituem nem descontos ou prémios de quantidade

Por outro lado, a aplicação do artigo 102.º pela Comissão não é necessariamente compaginável com as suas próprias prioridades, e a recente validação da abordagem tradicional ao artigo 102.º pelo Tribunal Geral no processo Intel revela que a modernização da aplicação do Tratado aos abusos de posição dominante não está, ainda, alinhada integralmente pela análise dos efeitos no bem-estar do consumidor e pelas considerações de eficiência que pareciam orientar, pelo menos a nível da proclamação, a política da concorrência neste domínio386.

nem descontos ou prémios de fidelidade, na acepção do acórdão Hoffman-La Roche/Comissão, já referido, importa, antes de mais, verificar se estes descontos ou prémios podem ter um efeito eliminatório, isto é, se podem, por si mesmos, por um lado, restringir ou mesmo suprimir o acesso ao mercado dos concorrentes da empresa em posição dominante e, por outro, a possibilidade de os co- contratantes desta empresa escolherem entre várias fontes de abastecimento ou vários parceiros comerciais” (n.ºs 66 e 68).

386 Assim, a Decisão da Comissão de 13.5.2009, Intel, proc. COMP/C-3/37.990, JO C 227, de

22.9.2009, deixava claro, no n.º. 916, que as orientações relativas às prioridades não eram aplicáveis nesta investigação. Neste ponto, embora se deva referir que a investigação já estava em curso no momento da publicação das orientações relativas às prioridades na aplicação do artigo 102.º, e como tal estas não lhe serem diretamente aplicáveis, as críticas apontadas respeitam à fundamentação da decisão, assente numa apreciação formalista da conduta da Intel relativamente à sua política de descontos e, designadamente, na renovada invocação pela Comissão da desnecessidade de apurar a verificação de efeitos da prática no mercado para determinar a aplicação do artigo 102.º, recorrendo a uma apreciação objetiva do comportamento da empresa para determinar a existência de um abuso. Ver, e.g. (GERADIN et al., 2012, p. 228 e ss.). Esta decisão foi confirmada pelo Acórdão de 12.6.2014, Intel Corp. c. Comissão, T-286/09, EU:T:2014:547, por publicar, adiante “Acórdão do Tribunal Geral Intel”, um aresto que suscitou intensa controvérsia em torno da “abordagem mais económica” ao artigo 102.º. Embora não se enquadre na economia do presente estudo uma análise aprofundada desta questão para além do enunciado da modernização da aplicação do artigo 102.º e dos reflexos concretos desse debate (i) na definição da política de concorrência neste domínio, e (ii) nas contingências práticas da sua aplicação, ilustrado designadamente nas posições contrastantes de (PEEPERKORN, 2015a; W. P. J. WILS, 2014), importa notar que o tema suscitado no Acórdão do Tribunal Geral Intel centra-se no desenvolvimento, também na aplicação do artigo 102.º, de uma distinção entre comportamentos abusivos pelo objeto ou pelo efeito. Esta distinção, que não se verifica no texto do Tratado, foi rejeitada qua tal pelo Tribunal Geral, designadamente, no Acórdão de 30.9.2003,

Manufacture française des pneumatiques Michelin c. Comissão, T-203/01, EU:T:2003:250, adiante

“Acórdão do Tribunal Geral Michelin II”, n.º 237: “o Tribunal recorda que o artigo 82.º CE proíbe,

na medida em que o comércio entre Estados-membros seja suscetível de ser afetado, a exploração abusiva de uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste. Contrariamente ao artigo 81.º, n.º 1, CE, o artigo 82.º não contém qualquer referência ao objeto ou ao efeito anticoncorrencial da prática em causa. Contudo, perante o contexto em que se inscreve o artigo 82.º CE, um comportamento só será considerado abusivo se for susceptível de restringir a concorrência” e, a nível da análise de efeitos, n.º 239: “o ‘efeito’ que a jurisprudência referida no

número anterior menciona não respeita necessariamente ao efeito concreto do comportamento abusivo denunciado. Para efeitos de demonstração de uma violação do artigo 82.º CE, basta demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é passível ou susceptível de ter tal efeito”. No Acórdão de 30.1.2007, France Télécom SA c. Comissão, T-340/03, EU:T:2007:22, o

Tribunal Geral retoma a posição assumida no Acórdão do Tribunal Geral Michelin II, citado supra, embora com uma nuance. Com efeito, no n.º 195 deste Acórdão, o Tribunal Geral parece na realidade abrir as portas a uma distinção entre o abuso por objeto ou por efeito: “Quanto aos requisitos de aplicação do artigo 82.° CE e à distinção entre o objetivo e o efeito da prática abusiva, há que salientar que, para efeitos da aplicação do referido artigo, a demonstração do objetivo e do efeito anticoncorrencial podem eventualmente confundirse. Efetivamente, se se demonstrar que o objetivo prosseguido pelo comportamento de uma empresa em posição dominante é restringir a concorrência, este comportamento é também suscetível de produzir esse efeito.” A definição da

infração ao artigo 102.º na jurisprudência citada de alguma forma contrasta com uma abordagem mais económica advogada pela Comissão nas comunicações de política de concorrência relativas ao artigo 102.º, que referimos anteriormente, e que parece ser subscrita, refira-se, pelo Tribunal de Justiça, designadamente no Acórdão de 27.3.2012, Post Danmark c. Konkurrenceradet, C- 209/10, EU:C:2012:172, adiante “Acórdão Post Danmark”, n.º 44: “o artigo 82.° CE deve ser

interpretado no sentido de que uma política de preços baixos aplicados relativamente a determinados antigos clientes importantes de um concorrente por uma empresa que detém uma posição dominante não pode ser considerada constitutiva de uma prática de eliminação abusiva pelo simples facto de o preço aplicado por essa empresa a um desses clientes se situar num nível inferior aos custos totais médios imputados à atividade em causa, mas superior aos custos incrementais médios relativos a esta, conforme avaliados no processo que deu origem ao processo principal. A fim de apreciar a existência de efeitos anticoncorrenciais em circunstâncias como as do referido processo, há que examinar se essa política de preços, sem justificação objetiva, tem por resultado a eliminação efetiva ou provável desse concorrente, em detrimento da concorrência e, nessa medida, dos interesses dos consumidores.”. À luz desta jurisprudência, poderá adivinhar-se o desenvolvimento, também no artigo 102.º, de uma distinção entre restrições abusivas pela sua própria natureza, ou de abusos pelo efeito restritivo que provocam. E, tal como na aplicação do artigo 101.º, deverá ser também pela análise das circunstâncias em que se insere a prática que uma conduta poderá ser qualificada como um abuso, para efeitos de aplicação da proibição do artigo 102.º. A este respeito, ver o Acórdão de 19.4.2012, Tomra Systems ASA e o. c. Comissão, C- 549/10 P, EU:C:2012:221, n.º 43-45: “o Tribunal Geral, no n.° 242 do acórdão recorrido, precisou

que só uma análise das circunstâncias do caso, como a efetuada pela Comissão na decisão impugnada, pode permitir determinar se as práticas de uma empresa em posição dominante são suscetíveis de excluir a concorrência. Seria, no entanto, artificial determinar, a priori, a porção subordinada do mercado para além da qual as práticas de uma empresa em posição dominante podem ter um efeito de exclusão dos concorrentes. No n.° 243 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral fixou, assim, na sequência dessa análise das circunstâncias do caso, que, no período e nos países examinados, uma proporção considerável (de dois quintos) da procura total estava subtraída à concorrência. Esta conclusão do Tribunal Geral deve ser considerada não ferida por erro de direito.”. Esta conclusão contrasta com a tomada de posição do Tribunal Geral no Acórdão Intel,

onde, retomando – e confirmando – a análise da Comissão (anterior à posição política relativa à avaliação dos abusos de exclusão, como referimos supra), conclui que “descontos de exclusividade

atribuídos por uma empresa em posição dominante consideram-se, pela sua própria natureza, suscetíveis de restringir a concorrência” (n.º 85, tradução do autor da versão inglesa), parecendo

por isso afastar, no que respeita aos descontos de exclusividade, uma análise dos efeitos, aguardando-se por isso o resultado do recurso desta decisão junto do Tribunal de Justiça.

No domínio do controlo de concentrações – onde o peso da análise económica, devido ao juízo de prognose inerente ao controlo ex ante do comportamento potencial das empresas no mercado assume especial relevância – a necessidade de reavaliação da posição da Comissão tornou-se evidente, em especial na sequência da anulação, num intervalo de poucos meses em 2002, de três decisões da Comissão de oposição a operações de concentração, nos Acórdãos do Tribunal Geral Airtours387, Schneider Electric388 e Tetra Laval389,

com base nos erros de avaliação cometidos pela Comissão, em especial por ter ignorado a teoria económica aplicável e por não ter provado os motivos que a levaram a opor-se a essas operações390.

A anulação destas decisões teria efeitos declarados na posição da Comissão na avaliação de operações de concentração a partir de 2002391, mas

também transversais na política de concorrência, ao descredibilizarem a robustez e qualidade da análise realizada pela Comissão naquela que era, à data,

387 Ver Acórdão de 6.6.2002, Airtours Plc c. Comissão, T-342/99, EU:T:2002:146, adiante “Acórdão

do Tribunal Geral Airtours”, em esp., a conclusão (n.º 294): “perante todas as considerações

precedentes, deve concluir-se que a decisão, longe de ter baseado a sua análise prospetiva em provas sólidas, enferma de um conjunto de erros de apreciação sobre elementos importantes para a avaliação de uma eventual criação de uma posição dominante coletiva. Conclui-se que a Comissão proibiu a operação sem ter provada suficientemente que a operação de concentração daria origem a uma posição dominante coletiva dos três grandes operadores turísticos dela resultantes, suscetível de constituir um entrave significativo a uma concorrência efetiva no mercado relevante”.

388 Acórdão do Tribunal Geral de 22.10.2002, Schneider Electric SA c. Comissão, T-310/01,

EU:T:2002:254, adiante “Acórdão do Tribunal Geral Schneider Electric”. A linguagem do Tribunal Geral é particularmente condenatória da análise da Comissão. Ver, em esp., n.º 404: “o Tribunal

considera que os erros, omissões e contradições verificados supra na análise do impacto da operação notifica, efetuada pela Comissão, têm um carácter certo de gravidade”; n.º 411: “os erros de análise e de apreciação suprarreferidos são, portanto, suscetíveis de privar de valor probatório a apreciação económica do impacto da operação de concentração, na qual se baseia a declaração de incompatibilidade impugnada.” 389 Acórdão do Tribunal Geral de 25.10.2002, Tetra Laval BV c. Comissão, T-5/02, EU:T:2002:264, adiante “Acórdão do Tribunal Geral Tetra Laval”.

390 No que respeita ao controlo de concentrações na União Europeia ver, e.g., (CUNHA, 2005;

GERADIN et al., 2012, p. 497 e ss.; KOKKORIS & SHELANSKI, 2014).

391 Ver (ORTIZ BLANCO, 2011, p. 78 e ss.).

a sua unidade funcional mais conceituada em termos económicos na Direcção- Geral de concorrência392.

Embora, no momento em que o Tribunal anulou as decisões de proibição referidas, a Comissão já tinha em curso o seu programa de revisão substantiva das regras interpretativas do controlo de concentrações393, estas decisões