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CAPÍTULO 1: DO ANTIGO REGIME À REFORMA DO DIREITO EUROPEU DA CONCORRÊNCIA

2. OS OBJETIVOS DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA

2.1. Os objetivos do Direito da Concorrência e as noções de eficiência e bem-estar

2.1.2. Afinal, que bem-estar?

(concorrência perfeita, oligopólio, monopólio) permite desde já fixar um dos elementos essenciais do Direito da concorrência: a noção de que a detenção de poder de mercado provoca uma alteração fundamental ao jogo normal da concorrência; assim, enquanto que um mercado de concorrência perfeita conduz a um resultado de eficiência distributiva, um monopólio resulta numa distribuição ineficiente dos recursos, raciocínio igualmente aplicável aos produtores que atuam de modo coordenado, uma vez que se os produtores cooperam no sentido de exercerem poder de mercado em conjunto (fixando preços, limitando a produção ou repartindo mercados), verificar-se-á uma idêntica ineficiência distributiva.

Mas esta preferência pela eficiência distributiva não pode ser absoluta. Um monopólio, em especial nas indústrias com elevadas economias de escala, pode ser uma estrutura de mercado mais eficiente na perspetiva produtiva, do que uma estrutura de concorrência perfeita; por outro lado, também a cooperação entre empresas pode traduzir-se em benefícios tangíveis, através da diminuição dos custos de produção: em ambos os casos teremos eficiência produtiva, mas não necessariamente eficiência distributiva (quando tanto o monopólio como a coordenação de concorrentes se traduzem numa transferência de bem-estar dos consumidores para os produtores); é este compromisso que se encerra o essencial do debate em torno dos objetivos de eficiência económica que devem ser prosseguidos pela aplicação das regras da concorrência, por determinarem uma opção pelo critério de bem-estar que se deve sobrepor em caso de conflito.

2.1.2. Afinal, que bem-estar?

Do que anteriormente se referiu resulta a necessidade de esclarecer, no contexto da definição dos objetivos do Direito da Concorrência, e considerando apenas a prossecução de eficiência económica, a diferença entre o bem-estar do consumidor e o bem-estar total.

Uma vez identificados os conceitos básicos de eficiência económica, é necessário determinar a medida pela qual podemos aferir a sua prossecução pela aplicação das regras de concorrência. Com efeito, admitindo-se que o objetivo do Direito da Concorrência deve ser o de prosseguir e garantir que os mercados funcionam de modo eficiente, como é que podemos determinar se esse objetivo está a ser realizado? Se o resultado do funcionamento eficiente dos mercados é o aumento do bem-estar, qual o padrão de medida desse aumento – o bem-estar total, o bem-estar do consumidor? Já aqui referimos o recurso ao “bem-estar do consumidor” como medida de avaliação da modernização do Direito europeu da concorrência; também a Escola de Chicago, na definição do “único objetivo legítimo do Direito da Concorrência”, apela ao mesmo conceito. Mas tratar-se-á efetivamente do bem- estar do consumidor? A questão depende necessariamente do que se entenda por este critério de bem-estar.

Podemos assumir três conceitos essenciais para definição do bem-estar do consumidor83: um primeiro conceito assenta na maximização da eficiência

distributiva e apela ao aumento total do bem-estar, independentemente do beneficiário direto desse aumento – não interessa que sejam os consumidores ou os produtores os agentes que beneficiaram do aumento do bem-estar, desde que sejam maximizadas as capacidades produtivas da sociedade. Esta é a posição, no essencial, que encontraremos plasmada no modelo defendido pela Escola de Chicago84, e que apela ao bem-estar total como proxy do bem-estar do

consumidor, ao promover a maximização do bem-estar para a toda a sociedade (produtores e consumidores)85; uma segunda abordagem, e que estritamente

corresponde ao conceito de bem-estar do consumidor, desconsidera quaisquer

83 Ver (BRODLEY, 1987, p. 1035 e ss.).

84 Ver (POSNER, 2001b).

85 Mesmo que em concreto os consumidores sejam prejudicados. Este paradoxo semântico é

ganhos de eficiência, produtividade ou inovação que não se reflitam diretamente no aumento do bem-estar do consumidor. Finalmente, uma terceira consideração confronta ganhos de curto e de longo prazo, assumindo uma preferência pelo longo prazo e aceitando como suportáveis ganhos de eficiência que se traduzam numa transferência de bem-estar do consumidor para o produtor desde que, a prazo, os ganhos de bem-estar do consumidor compensem e ultrapassem esta transferência imediata.

Esta consideração do bem-estar total coloca a defesa da concorrência no papel de regular a distribuição de recursos de acordo com o mecanismo do preço, permitindo uma alocação de recursos mais eficiente, por ser determinada de acordo com a valorização que cada agente económico atribui a tais recursos86.

O compromisso deste modelo resulta na indiferença quanto às transferências concretas de riqueza que podem estar na origem deste aumento do bem-estar total87.

É certo que tais considerações resultam no essencial de uma compreensão prévia relativa às assimetrias informativas que impedem uma avaliação concreta dos efeitos da distribuição do rendimento, não servindo por isso de padrão adequado para a aplicação das regras da concorrência88. 86 Ver (KERBER, 2007; MOTTA, 2004; SCHMALENSEE, 2008). 87 Ou seja, a distribuição do rendimento disponível não é uma preocupação a ter em conta, e os

efeitos de transferência verificados não devem ser considerados na análise do comportamento empresarial. Como refere (BORK, 1993, p. 91), “antitrust… is not a process for deciding who should

be rich or poor, nor can it decide how much wealth should be expected to reduce pollution or undertake to mitigate the anguish of the cross-country skier at the desecration wrought by snowmobiles. It can only increase collective wealth by requiring that any lawful products, whether skis or snowmobiles, be produced and sold under conditions most favourable to consumers”. Nestes

termos, para Robert Bork, a finalidade da política de concorrência é maximizar a eficiência distributiva sem prejudicar a eficiência produtiva. Ver, no mesmo sentido, (KAPLOW & SHAPIRO, 2007, p. 88; POSNER, 2001b, p. 24).

88 Ver (LANDES & POSNER, 1981). Por outro lado, para além desta incerteza que impõe uma

abordagem cautelosa à distribuição de rendimento, surge uma outra premissa: a de que há outras políticas públicas mais adequadas a promover a distribuição de riqueza – à política de concorrência deve ser deixada apenas a tarefa de aumentar o nível de riqueza (aqui entendida como representando o bem-estar geral), relegando para outras áreas de intervenção (designadamente a nível da política fiscal ou orçamental) as preocupações redistributivas. Ver

Pelo contrário, o bem-estar do consumidor procura garantir que nenhuma transferência de riqueza para os produtores possa ser alcançada à custa do consumidor; quaisquer ganhos de eficiência produtiva devem ser passados para os consumidores e, assim, o único critério relevante para aferir a compatibilidade de determinado comportamento empresarial deve ser o seu impacto nos consumidores89.

Em qualquer caso – seja um conceito de bem-estar total, seja um conceito estrito de bem-estar do consumidor, ainda que sujeito a critérios de medição temporal – encontramos medidas de aferição do impacto de determinados comportamentos empresariais: nuns casos de modo indiferente (um acordo de fixação de preços, por exemplo, traduz-se numa perda de bem-estar do consumidor e, também de bem-estar total, uma vez que os ganhos dos produtores – através do aumento do preço ou da redução da produção – não compensam as perdas dos consumidores – através da transferência de riqueza ou de diminuição da satisfação de necessidades)90, mas noutros não, uma vez

que não podemos assumir que quaisquer poupanças dos produtores serão necessariamente repercutidos nos consumidores.