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CAPÍTULO 1: DO ANTIGO REGIME À REFORMA DO DIREITO EUROPEU DA CONCORRÊNCIA

2. OS OBJETIVOS DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA

2.1. Os objetivos do Direito da Concorrência e as noções de eficiência e bem-estar

2.1.1. Sobre o conceito de eficiência económica

Os benefícios da concorrência podem traduzir-se, em termos genéricos, em preços mais baixos, melhores produtos, maior liberdade de escolha e, melhor utilização dos recursos disponíveis, do que aqueles que resultariam de uma situação de “não-concorrência”, ou monopólio70.

A microeconomia define eficiência económica em três vertentes distintas: eficiência “produtiva”, “distributiva” ou “dinâmica”71. A eficiência produtiva

verifica-se quando um produto é produzido ao custo mais baixo possível, tendo em conta as condicionantes tecnológicas, custos dos fatores, entre outros. A eficiência distributiva decorre da diferença entre o custo marginal de produção e a avaliação desse produto marginal pelos consumidores72: aqui, se o custo de

produzir mais uma unidade for diferente do valor atribuído pelos consumidores a essa unidade marginal, haverá uma ineficiência distributiva.

Tanto as eficiências produtiva ou distributiva assentam numa visão estática do mercado, ou seja, produzem um resultado analítico compatível com a situação do mercado identificada em determinado momento, como numa fotografia, mas as dimensões dinâmicas da concorrência, nomeadamente a

70 A literatura a este propósito é vasta. Ver, e.g., (BISHOP & WALKER, 2010; GERADIN et al., 2012;

HYLTON, 2003; MOTTA, 2004; PEEPERKORN & VEROUDEN, 2014; SCHERER & ROSS, 1990; TIROLE, 1988; Roger VAN DEN BERGH & CAMESASCA, 2006). 71 Ver (ARAÚJO, 2005; BISHOP & WALKER, 2010, p. 25 e ss.; MOTTA, 2004, p. 55 e ss.). 72 O custo marginal é a diferença no custo total decorrente da produção da última unidade.

inovação tecnológica e dos processos de produção, são ignoradas. A eficiência dinâmica resulta, assim, da capacidade de uma empresa introduzir novos produtos ou processos de produção73.

Num mercado de concorrência perfeita, o preço de um produto seria igual ao custo marginal da sua produção, resultando em eficiência produtiva e distributiva. Num caso de concentração extrema (um monopólio), a redução na produção e o aumento do preço comparado com o que existiria no mercado de concorrência perfeita resulta numa perda total, o custo para a sociedade da ineficiência do mercado74. Em qualquer caso, tanto a eficiência produtiva como a

eficiência distributiva referem-se à caracterização estática do poder de mercado, que pode ser definido como a possibilidade de cobrar um preço superior ao custo marginal de produção.

A concorrência ocorre tanto ao nível da eficiência estática – concentrada no preço e na produção – como na eficiência dinâmica, decorrente da inovação. Neste aspeto, uma preferência pela concorrência estática em prejuízo da concorrência dinâmica pode, a prazo, traduzir-se numa perda de bem-estar mais significativa do que um aumento não concorrencial do preço. A eficiência dinâmica decorre assim do progresso tecnológico e da inovação a nível de produtos e processos produtivos que, por sua vez aumentam o grau de satisfação de necessidades de consumo. Daí que possa assumir que a eficiência dinâmica, ao assentar no progresso tecnológico, não pode ser prejudicada por considerações de eficiência estática; mormente, uma preferência por um preço concorrencial em prejuízo da inovação pode significar uma diminuição do bem-estar no longo prazo. 73 (KERBER, 2007; MOTTA, 2004, p. 55; Roger VAN DEN BERGH & CAMESASCA, 2006, p. 30). 74 A perda total (deadweight loss) resultante de um monopólio traduz-se no ganho do consumidor

que é perdido, não sendo absorvido pelos ganhos do produtor. Nesta situação, o bem-estar do consumidor não é maximizado e o ganho do produtor não compensa essa perda, o que se traduz numa perda total para a sociedade. Neste caso, os consumidores que poderiam ter pago o preço “concorrencial” deslocam a sua preferência para outros fins, enquanto que os outros que efetivamente decidem suportar esse preço, ao pagar um preço superior estão a transferir parte da sua riqueza para o monopolista.

Esta visão schumpeteriana assenta numa preferência clara pela eficiência dinâmica e pela capacidade da “destruição criativa” que está na origem de novos produtos e processos produtivos que aumentam a capacidade de satisfação das necessidades da sociedade, ainda que admita que em momento algum a sociedade esteja a utilizar plenamente os recursos que lhe estão disponíveis75.

Assim, não é no modelo impossível e inalcançável da concorrência perfeita76 que

se devem encontrar os padrões de análise dos comportamentos das empresas nos mercados imperfeitos que conhecemos, uma vez que tais padrões, enviesados por modelos de funcionamento perfeitos podem conduzir a resultados sub ótimos. Designadamente, se os monopólios devem ser regulados de modo a agir como se estivessem em concorrência perfeita77: assim, não interessa o modo

como os agentes se comportam no mercado, mas, outrossim, quais as condições necessárias para entrar no mercado. Ou seja, mais do que concorrência no

mercado, é na dinâmica da concorrência pelo mercado que se devem concentrar

as atenções para impedir que a aplicação dos padrões de comportamento estáticos introduza incentivos negativos à inovação. As empresas investem em investigação e no desenvolvimento de produtos para garantir que são as primeiras a introduzir uma inovação no mercado e a garantir ganhos de monopolista a partir desse momento78.

75 (SCHUMPETER, 1976, p. 83 e ss.). Schumpeter foi o pioneiro da defesa da preferência pela

eficiência dinâmica, advogando que a chave do progresso económico e da expansão da produção assenta no desenvolvimento tecnológico e na capacidade crescente da produção em massa, assente numa dimensão do produtor que é incompatível com a noção de atomicidade inerente à concorrência perfeita.

76 O modelo de concorrência perfeita assenta nas características de fluidez, atomicidade e

transparência: existe um número elevado de compradores e vendedores, a quantidade comprada ou vendida por cada um dos agentes é muito pequena em relação à quantidade total transacionada, pelo que qualquer alteração a tais quantidades não têm qualquer impacto no preço, os produtos são homogéneos, não existe assimetria informativa entre vendedores e compradores e não existem barreiras à entrada ou à saída do mercado. Ver (BISHOP & WALKER, 2010, p. 17).

77 Cf. (SCHUMPETER, 1976, p. 106).

78 Cf. (BISHOP & WALKER, 2010, p. 46). Se os ganhos expetáveis forem reduzidos devido à

intervenção da regulação e à necessidade de agir como se não fosse um monopólio, o incentivo à inovação é reduzido. Assim, mais do que uma estrutura ineficiente que se traduz

Nesta ótica, o monopólio é apenas o resultado da concorrência dinâmica, e qualquer monopolista será sempre substituído por que desenvolver um novo produto ou processo produtivo que substitua o standard anterior; acresce ainda que são os monopólios, ou pelo menos as grandes empresas, aquelas que melhor poderão contribuir para os ganhos de inovação por terem acesso aos meios necessários para financiar essa inovação79.

Mas entre o modelo de concorrência perfeita, com um mercado caracterizado pela atomicidade, e o monopólio, ambos servindo como exemplos absolutos, encontramos o oligopólio, onde o que interessa não é tanto a estrutura do mercado, mas a interação entre os agentes económicos que nele atuam. Neste modelo, um número reduzido de produtores (no mínimo dois) determina o seu comportamento de acordo com as reações esperadas dos seus concorrentes – cada produtor atua na certeza de que o seu comportamento individual e as suas decisões em matéria de produção e de preços terão uma influência determinante no modo como os restantes concorrentes responderão.

Em especial, este modelo introduz na análise económica a importância do pensamento estratégico e as dinâmicas comportamentais que alimentarão, designadamente, o pensamento “Pós-Chicago”; mas configuram igualmente um desafio ao introduzir um grau de incerteza no que à intervenção das regras respeita, uma vez que a sua aplicação a mercados de oligopólio depende necessariamente numa perda total para sociedade e numa transferência de riqueza do consumidor para o produtor, o monopólio pode ser a estrutura de mercado necessária para que os consumidores possam beneficiar dos ganhos decorrentes dos investimentos das empresas na inovação e no desenvolvimento de novos produtos; se quisermos, o processo concorrencial para alcançar o monopólio não pode ser prejudicado pelo preconceito da eficiência estática. Neste sentido, ver ainda (O'DONOGHUE & PADILLA, 2006, p. 607; POSNER, 2001a, p. 68; 2001b, p. 20).

79 Contra (ARROW, 1962), para quem é a concorrência, e não o monopólio, o principal

instrumento de inovação. Com efeito, Kenneth Arrow propõe que um monopolista tem menos incentivos para inovar que empresas em concorrência, seja porque não perceciona um retorno em acréscimo de quota de mercado no investimento em inovação, como essa inovação pode canibalizar o mercado que já controla. Assim, os ganhos decorrentes da inovação seriam inferiores para o monopolista do que para uma empresa em concorrência.

invariavelmente do conhecimento e compreensão perfeita de todos os fatores que influenciam o comportamento individual de cada agente económico e o modo como o seu comportamento influencia os demais80.

As preferências demonstradas pelos resultados possíveis decorrentes de um dos tipos de eficiência, ou da conjugação de alguns deles, têm como consequência uma necessária ponderação dos objetivos das regras da concorrência; a identificação da eficiência económica como objetivo final está necessariamente ancorado a um conceito de eficiência que deve ser escolhido, e as consequências dessa escolha traduzem-se no modo como se avalia o comportamento que os agentes económicos adotam ao operar no mercado. Uma preferência pela eficiência distributiva implica necessariamente uma opção pela característica estática e por um beneficio para o consumidor decorrente da existência de mais produtores no mercado81; uma preferência pela eficiência

produtiva pode incentivar o produtor a reduzir custos e a aumentar o seu poder de mercado, com consequências para o consumidor (que é prejudicado pela redução da produção e aumento do preço), embora com ganhos de bem-estar decorrentes da redução dos custos de produção82. Já a preferência pela eficiência

dinâmica pode estimular comportamentos empresariais “abusivos” por se traduzirem no afastamento dos operadores menos eficientes ou inovadores e na captura do rendimento dos consumidores.

Esta escolha entre eficiência dinâmica e estática pode conduzir a soluções diametralmente opostas, tanto no que respeita ao comportamento dos agentes económicos, como nas variáveis de funcionamento do mercado, seja a nível de preço, produção ou inovação. 80 Ver (SCHERER & ROSS, 1990). 81 Com prejuízo da eficiência produtiva. Ver (MOTTA, 2004, p. 51). 82 Ver (WILLIAMSON, 1968).

A identificação dos modelos básicos de estrutura do mercado (concorrência perfeita, oligopólio, monopólio) permite desde já fixar um dos elementos essenciais do Direito da concorrência: a noção de que a detenção de poder de mercado provoca uma alteração fundamental ao jogo normal da concorrência; assim, enquanto que um mercado de concorrência perfeita conduz a um resultado de eficiência distributiva, um monopólio resulta numa distribuição ineficiente dos recursos, raciocínio igualmente aplicável aos produtores que atuam de modo coordenado, uma vez que se os produtores cooperam no sentido de exercerem poder de mercado em conjunto (fixando preços, limitando a produção ou repartindo mercados), verificar-se-á uma idêntica ineficiência distributiva.

Mas esta preferência pela eficiência distributiva não pode ser absoluta. Um monopólio, em especial nas indústrias com elevadas economias de escala, pode ser uma estrutura de mercado mais eficiente na perspetiva produtiva, do que uma estrutura de concorrência perfeita; por outro lado, também a cooperação entre empresas pode traduzir-se em benefícios tangíveis, através da diminuição dos custos de produção: em ambos os casos teremos eficiência produtiva, mas não necessariamente eficiência distributiva (quando tanto o monopólio como a coordenação de concorrentes se traduzem numa transferência de bem-estar dos consumidores para os produtores); é este compromisso que se encerra o essencial do debate em torno dos objetivos de eficiência económica que devem ser prosseguidos pela aplicação das regras da concorrência, por determinarem uma opção pelo critério de bem-estar que se deve sobrepor em caso de conflito.

2.1.2. Afinal, que bem-estar?

Do que anteriormente se referiu resulta a necessidade de esclarecer, no contexto da definição dos objetivos do Direito da Concorrência, e considerando apenas a prossecução de eficiência económica, a diferença entre o bem-estar do consumidor e o bem-estar total.