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2. Aprendendo as Abordagens

2.2 A Abordagem Tradicional

A abordagem tradicional nasce da percepção que há uma prática educativa que pode ser observada através da história. Não é um conjunto coeso de práticas, mas remetem à uma série de propostas que podem ser observadas desde a Alta Idade Média, nas propostas escolásticas de ensino. De alguma forma são contra essas práticas empedernidas pelos tempos, que as demais abordagens foram elaboradas.

O ensino tradicional segue o provérbio português: Dos fracos não reza a história. Segue os modelos vencedores de suas épocas, até que são substituídos por novos. O átomo não existia, até ser considerado real. Era indivisível até o momento em que se descobriram elétrons, prótons e nêutrons. Esses elementos orbitavam um núcleo em círculos, até que novas pesquisas demonstraram diferenças nas órbitas.

O conhecimento parece surgir sempre consagrado pelo senso comum, que por sua vez é construído pelas idiossincrasias da cada época. Os livros de história sempre contam as grandes batalhas, os de matemática começam ensinando a comprar e a vender, os de literatura aplaudem aqueles escritores que foram politicamente atuantes, e o lado certo da vida está junto ao poder instituído. A particularidade do momento torna-se a generalização cultural.

O professor é imprescindível para formar o adulto em miniatura que é a criança. O professor se impõe como transmissor de conteúdos que devem ser repetidos à perfeição. O professor não é um exemplo a ser seguido, pois ele está acima dos exemplos. O aluno não tem vontade própria nem poder, tudo o que é apresentado deve interessar, pois sem dispor destes conhecimentos sua possibilidade de condição social é reduzida (1983, p.8) assim, caso o Estado autoritário dite o senso comum, ou se o senso comum é fruto de um discurso de classe hegemônico, em qualquer caso o aluno só estará apto para o mundo quando souber repetir a ideologia dominante.

O ser humano é um receptor passivo das informações e dos conteúdos que ele deve conhecer a partir de uma ordem hierárquica pré-determinada. Assim como no aprendizado da Bíblia durante a Idade Média, importante é saber de cor o que o livro diz, da forma que ele diz. A realidade do mundo é transmitida através da educação formal, preferencialmente em consonância com a família e com a religião. O conhecimento pode se sofisticar até o ponto de formar um médico, sempre limitado às certezas estabelecidas no passado. Uma certeza é sempre decorrente da tradição, que determina os valores corretos para a manutenção da sociedade e de sua cultura.

Há níveis culturais estabelecidos em patamares que devem ser alcançados gradativamente, avaliados através de provas e exames que determinam em que séries o aluno se encontra. A consagração do conhecimento

se dá através de certificados e diplomas, que hierarquizam os indivíduos no contexto social.

O diploma aufere a seu detentor um recibo de qualidade individual, independente das competências que sabe manejar. Para Paulo Freire esta educação foi pejorativamente alcunhada de “educação bancária”, por pretender depositar no aluno o conhecimento necessário (1983, p.10).

Essa abordagem promove uma exarcebação do indivíduo sobre o coletivo, impulsionando sua busca na diferenciação sobre seus contemporâneos na sociedade. Sugere um naturalismo da capacidade de aprendizagem que promove os bons e reprova os ruins. A escola neste sentido é um molde de bons cidadãos, que devem se esforçar em ser o primeiro da sala, da escola ou do país.

A inteligência é a capacidade de memorizar uma vasta quantidade de informações valiosas para distinguir os melhores. Com isso o conhecimento é sempre apresentado como objeto acabado, e sua explicação vem a partir de deduções que sintetizam muitas vezes os anos de pesquisas e teorias diversas que levaram a sua consolidação.

O ser humano inteligente sabe um pouco de tudo, mesmo que de uma forma simplificada, e que não permita a elaboração de novos raciocínios derivados do próprio conhecimento. É como se o ensino tradicional estivesse baseado na metafísica proposta por Kant, quando afirma que existem ideias a priori, ideias que o sujeito já possui antes que ele perceba alguma coisa acontecendo à sua frente. O sentido do mundo é construído pelo sujeito. Não adianta tentar pensar o que é uma coisa em si, pois isso é impossível. As coisas que identificamos são sempre identificadas por que temos estruturas mentais que permitem que elas sejam entendidas dentro de determinados parâmetros.

Assim a metafísica proposta por Kant não é uma forma de crer na existência de qualquer coisa, mas é um método simples de evoluir através do raciocínio as estruturas que permitem entender cada vez melhor os fenômenos do mundo. Quanto mais evoluímos essas estruturas do pensamento, mais fácil é entender o que existe. Nesse sentido o ser humano, enquanto permanece na condição de aluno, não tem concedida a capacidade de elaboração de um

raciocínio próprio, muito menos de poder propor variações ou derivações do conhecimento. Somente um diploma de doutor permite socialmente a proposta de um novo ponto de vista aceitável.

Assim enquanto não conseguimos alcançar um nível acima da maioria, tratamos o conhecimento como uma caixa preta, tal como proposto por Vilém Flusser (1985). O objeto não precisa ser concreto. Apenas precisa ser constructo mental para ser tratado como objeto. Dessa maneira aprendemos o que é um metro, mas não como ele foi calculado e o que ele representa. A mesma coisa para a raiz quadrada, ou o presente do subjuntivo. Com a falta do entendimento, carpinteiros não entendem a medição que não seja repetição. Na linguagem comum, ao invés de ser bom que tu saibas mais, torna-se comum “é bom que você sabe mais”, ou então “é bom você saber mais”.

Portanto toda educação resume-se no aprendizado dos modelos que mantém o saber, mas não a própria construção da estrutura do modelo em si. Isso porque não teríamos nenhuma capacidade individual de pensarmos na coisa em si, mas apenas a capacidade de aprender os modelos de fonte terceira. Não aprendemos os processos. Além disso, que grande perda de tempo é repensar o já pensado por alguém com mais talento, gabarito e diploma (1983, pgs. 7 a 10).

A educação tradicional nas palavras de Mizukami é um produto (um objeto) construído a partir de ideias selecionadas historicamente e organizadas logicamente (1983, p.11). A escola é o espaço único onde acontece toda transmissão de informações, um templo do conhecimento. Na sala de aula, austera como um mosteiro, o professor ministra o saber como se fossem palavras sagradas, rezas do conhecimento. O professor demonstra a existência de modelos, que se tornam obstáculos que devem ser decorados para ser superados individualmente (1983, p.12). A única cooperação que sobrevive é a “cola” entre os alunos, ação passível de punição e escárnio.

Neste ambiente quase religioso, é obrigatório o ajustamento à ordem estabelecida. Deve-se preservar a manutenção das ideias mais antigas, das sínteses mais populares – eu sei que nada sei – mesmo sem conhecer o sentido original da expressão. A escola tradicional busca uma continuidade com o passado hegemônico: somos os herdeiros dos egípcios, dos gregos e dos

romanos em linha direta. Num passado recente, há cinquenta anos atrás, punições exemplares ainda estavam presente para reforçar a autoridade do professor. Varas para apontar no quadro serviam também para bater na mão dos alunos. A mão correta para escrever era a direita. Pedaços de giz acordavam os sonolentos. Toda instrução considerava a aprendizagem como um fim em si mesmo, pois ninguém pensaria em utilizar o conhecimento para de fato refletir sobre a realidade. A experiência imediata não poderia derivar do conhecimento, mas das regras impostas de aceitação da verdade. E a verdade é o professor que vigia a imaginação do aluno, para que perguntas para fora do texto ditado não venham discutir sua autoridade iluminadora.

Como um doutor, o professor receita soluções matemáticas, figuras de linguagem, equações de segundo grau, os elementos na sua tabela periódica, que serão reproduzidos no momento do exame (1983, p.13). Dessa forma os alunos aprendem também que é bom reproduzir comportamentos e falas, principalmente aquelas que foram exemplarmente proferidas por familiares hierarquicamente superiores. O senso comum se supera quando forma hábitos estereotipados, mesmo que não saiba nem a origem nem o motivo desses hábitos. Neste sentido, a educação tradicional imagina manter o aluno em eterna minoridade intelectual.

A metodologia na abordagem tradicional é a aula expositiva, redundante com o livro texto, e os alunos tem o dever de saber reproduzir os conhecimentos expostos com exatidão (1983, p.15). Como escreve Mizukami, a didática tradicional se resume em dar a lição, e tomar a lição, como uma operação de troca mercantil onde o valor é atribuído pela nota. Quanto melhor o professor, mais ele sabe encantar sua turma durante o tempo de sua aula. Os exercícios propostos são tradicionalmente os mesmos. Há anedotas inclusive, de irmãos maiores e irmãos menores fazendo as mesmas provas, e até mesmo de pais e filhos compartilhando jocosamente os comentários que o professor fazia em determinados pontos da matéria.

Neste tipo de escola não há ênfase em nenhum atendimento individual. A fala é unidirecional. Há um emissor, e espera-se que a recepção da mensagem aconteça por igual. Neste sentido, não há diferença entre dez ou cem alunos em sala de aula. Todos recebem o mesmo conteúdo que devem reproduzir à

exatidão. A padronização de todos os materiais didáticos e as mesmas atividades intelectuais zelam por uma pretensa distribuição democrática do conhecimento. A abstração reina soberana nos conteúdos, já que demonstrações requerem uma compreensão real dos fenômenos da natureza que o próprio professor não conhece. O ritual das provas e exames busca a repetição das abstrações (1983, pgs. 15 a 17).

Imbuídos de uma missão de catequese, os professores exercitam a coerção como forma de manutenção da ordem para que os alunos alcancem a sabedoria. O conhecimento, portanto, precisa estar congelado no tempo e apoiado no senso comum para não ser questionado. É assim por que sempre foi assim. As gerações devem adquirir os mesmos conhecimentos, apenas com um reparo atualizador aqui e ali.

Mizukami faz então sua crítica a essa abordagem, quando escreve que “A escola, no entanto não é estática nem intocável. Está sujeita a transformações, como o estão outras instituições. Novas formações sociais surgem a partir das anteriores e a escola muda, assim como tem seu papel como um possível agente de mudança, numa realidade essencialmente dinâmica. ” (1983, p.18).

A partir dessa escola tradicional, novas propostas surgiram para tentar resolver as decepções e lacunas decorrentes dessa forma tradicional de ensino. As alternativas pedagógicas são expostas a seguir, a partir daquelas que o aluno dos cursos de pedagogia tem maior contato.