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Azevedo propõe uma Teoria Sistêmica da Escritura Expandida. Essa teoria leva em consideração a expansão geodésica do conhecimento armazenado nas memórias dos dispositivos digitais. Seu estudo precisa começar pela investigação da geração programática que constrói a possibilidade da escritura expandida.

A linguagem deriva de um processo de signo em trânsito, que finda quando o signo alcança um nível de lei interpretativa que o sustenta num discurso (2009, p. 98). Quando imerso na escritura digital, este signo perde qualquer capacidade de estranhamento e, portanto, da capacidade de gerar ruído em determinado discurso. Na medida em que por baixo do texto, som ou imagem visível na tela do computador temos camadas de códigos lógicos, e bem abaixo como urdidura de tudo apenas 0 e 1 que se permitem combinar infinitamente, a própria ideia de estranhamento e ruído inexiste. Assim podemos

combinar (como ele fazia16) sons que se transformam diretamente em imagens,

sem a necessidade de mostrarmos nenhuma fotografia intermediária. Palavras e gestos se tornam números, e estes números se tornam sons ou imagens, de acordo com as combinações que resolvemos fazer.

Surgem então os intercódigo, imagens ou sons que não podemos ainda comparar com a realidade dos sentidos, mas que estão presente na possibilidade das múltiplas combinações dos signos a partir da linguagem das máquinas.

Azevedo descreve então como um percurso rizomático alcança uma realidade. São as múltiplas interpretações na forma de texto, imagem, senso comum, conhecimento acadêmico que formam no sujeito uma impressão interdisciplinar da realidade (2009, p. 100).

Como na ambiência não há colisão dos códigos, a justaposição se dá por processos sintagmáticos que não formam tríades no sentido da semiótica de C.S. Peirce, mas articulações múltiplas que incluem necessariamente o tempo. Portanto não há erro nem acerto na percepção dos sentidos, apenas múltiplas capacidades e intersignificações. Para ele, a percepção do mundo sempre pode ser maior do que aquelas experimentadas pelos sentidos, mas também pela razão.

A percepção em tempo presente é muito mais uma sensação fugaz da realidade, que pode ser articulada desta ou daquela forma, e a intervenção nesta realidade se dá através da escolha de justaposições interpretativas do fato que é dado (2009, p. 103).

No fundo, o processo de escolha pelo sujeito acaba tendo conformação de algoritmo, o que hoje é estudado pelos administradores de sítios na Internet, quando tentam descobrir como suas propostas de informação ou serviços são realmente assimilados pelas diferentes populações.

Os algoritmos dos sítios eletrônicos são adaptados à manipulação pela interatividade, e são reformulados através das constantes “atualizações” de software. Não é uma questão estética, mas uma questão de fruição, que reina soberana nesta ambiência, eventualmente criando uma nova estética.

Por mais que o material surgido nas telas sugira a artificialidade, nossa cognição infere juízo à recepção e não considera texto, som e imagem como simples abstração: reagimos à informação apresentada. Em suas palavras “programar é criar performance” (2009, p. 104), e este exercício é poética precedida de escritura.

No conhecimento científico sempre existiu um dialogismo, que permitiu que a linguagem evoluísse para a construção de sistemas de signos que melhor notassem o comportamento da matéria, e formasse as diversas disciplinas científicas. Para apreender as possibilidades da escritura expandida, Azevedo propõe a seguinte taxionomia:

 Código: Registro memorial,

 Exercício poético

 Expansão sígnica

 Escritura Digital: programação / software.

 Avatar: Uma entidade criada em um ambiente digital que assume um corpo sígnico.

 Relação de participação: Ambiência passivo, reativo e interativo.

 Operação: Articulação e não mais manipulação.

 Manipulação: Físico, matérico

 Articulação: virtuais, sinais, sintaxe, escritura, programática gerativa.

 Processos Interativos:

 Processo Interativo Cognitivo: Formação de signos mentais interpretativos, não modifica o processo de articulação do emissor, apenas torna os signos passíveis de interpretação, volição de significados estabelecida pela sintaxe dos signos.

 Processo Interativo Intersectivo: Conjunto sígnico em que um código intersecciona o outro – se configura por dois ou mais códigos que se sobrepõem -, a mudança de articulação se dá por permutação desta intersecção – intersigno.

 Processo: Aquisição coletiva.

 Processo Interativo Interventivo: Processo sígnico que se expande integrando espaço/tempo em todos os códigos. Este item modifica, interfere, dilata, deixando o significado nunca pronto.

 Processo: Aquisição transitória.

Em suas palavras, “Este índice nos permite pensar que um poema se faz de uma experiência, e, diria melhor: por experimentação, considerando qualquer forma gráfica, novas chaves lexicais, como um processo que se auto transforma por não estar ligado apenas à palavra ou signo indicial, e sim icônico, ou seja, um signo com dado imagético segundo C.S. Peirce (1972) ” (2009, p. 11/112).

Examinando o índice, vemos como Azevedo sintetizou os elementos de sua teoria. Os códigos são os registros de memória digital. Estes registros permitem o exercício poético através da expansão sígnica, que são as diversas apropriações dos signos em novos códigos. A escritura digital seria a programação, entendida aqui como escritura de códigos lógicos, mas também como a captura de textos, sons e imagens analógicas para o ambiente digital. Um avatar é uma entidade geralmente visual, mas também sonora, criada em um ambiente digital que assume um corpo sígnico, ou seja, que se torna signo ela mesma.

A relação de participação determina a posição do sujeito, passiva, reativa ou interativa na ambiência. A operação dentro da ambiência é de articulação dos códigos e não de manipulação física dos suportes que contém os códigos. Isso pode ser entendido como nossa capacidade atual de copiar e colar pedaços de texto, enquanto que antes tínhamos de copiar (manipular) estes textos. A manipulação é sempre física e atua sobre a matéria. A articulação é virtual e

permite a apropriação de sinais, originários de múltiplas sintaxes, permitindo uma escritura programática e gerativa de novos signos e de novas sintaxes.

Os processos envolvidos permitem por parte do sujeito a auto aquisição dos signos e mesmo dos códigos, e estas aquisições podem ser interativas ou intersectivas, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Quando um conjunto sígnico é utilizado para ser sobreposto a outro, mesmo que tenham origem em códigos diferentes, ocorre uma mudança de articulação. Essa mudança é decorrente da intersecção de um pedaço de código com outro pedaço de código, e essa permutação cria um intersigno. Como na ambiência os processos ocorrem simultaneamente devido aos inúmeros acessos concomitantes, há uma aquisição coletiva de códigos e signos. Os processos são em sua maioria interativos, e isto pode resultar tanto numa aquisição reativa, como numa intervenção interativa.

Quando a aquisição é interativa interventiva, acontece um processo sígnico que expande a integração do espaço e do tempo em todos os códigos. Isso interfere, dilata ou modifica os signos e eventualmente seus códigos impedindo que o significado se fixe de forma arbitrária. Neste sentido, a interatividade permite aquisições transitórias que são o processo principal dentro da ambiência.

Desenvolvendo a explanação deste índice, Azevedo propõe uma classificação dos resultados dentro da ambiência. Surgem três categorias de escritura, a Escritura Matricial Digital Legível, a Escritura Matricial Digital Intermediária e a Escritura Digital Expandida. Vamos aos conceitos originais de Azevedo:

Escritura Matricial Digital Legível – (EMDL)

Esta forma de escritura traz consigo toda a cultura de registro memorial humano através de seus signos convencionais cifrados: verbal/ fixo ou móvel, imagético/ 2D ou 3D, e sonoro/ musical. Estes códigos separados por convenção de sua própria história, para sua visibilidade e compreensão, cada um deles teve uma tecnologia empregada para sua disseminação.

Os meios de informação como os jornais virtuais, trabalham com este conceito, pela própria tradição do meio impresso que conquistou sua credibilidade: som, imagem e texto estão dispostos de maneira bem clara e sua matriz é operada de forma indicial, ou seja, de se parecer com o jornal impresso.

Escritura Matricial Digital Intermediária – (EMDI)

Aqui notamos já uma operação intersemiótica, de código que se adentra a outro código de maneira intersectiva, em que um leva do outro, características sígnicas que não são necessariamente parte de sua matriz. A intermediaridade a qual me refiro, não é algo que desconfigura, deforma a percepção dos três códigos em questão, que ainda possam ser detectados dentro de suas características. Apenas a interseção entre eles cria uma espécie de polissemantismo, mas bem mais complexo porque esta intermediaridade acontece na ambiência numérica de um programa.

Escritura Digital Expandida – (EDE)

Está última é que para mim caracteriza a maioria das poesias digitais. Não há mais código predominante, a ambiência é som-texto-imagem, ou como chamou Decio Pignatari uma vez, uma poesia verbo-voco-visual, sei que ele se referia a uma parte da poesia concreta que sempre ocorreu no espaço bidimensional, mas que cabe aqui, porque suas matrizes cifradas desaparecem, sobrevivem em forma de programação que admite o processo como uma escritura digital que se expande, pela própria maneira como o programa opera, sem distinção entre som, imagem e texto. (2009, p. 112,113)

Neste ponto Azevedo nota que como decorrência dos processos não há signos prontos definidos por sua repercussão ou instauração. Os signos decorrentes são superposições que se refazem “em redundantes processos de semiose ou se originam como fenômenos – fenomenologia peirciana - e colocam a todo o momento uma situação nova e inesperada”. Logo as manifestações interventivas e intersectivas que causam o processo de expansão não são

bidimensionais, pois incorporam o tempo, e formam signos provisórios. É o sujeito na qualidade de interpretante final quem restaura sua qualidade sígnica – icônica (2009, p. 114).

“A imitação, a mimese da Escritura Digital Expandida é um processo programático de pura simulação do fazer e de representação no experimentar”. Esse experimentar é o ato recepção do sujeito na ambiência, que também vai promover sua própria expansão geodésica (2009, p. 114).

Azevedo chega a uma conclusão importante: “Se antes demorávamos muito tempo para que uma palavra perdesse seu significado, me arriscaria a dizer que com o tempo o significado de uma palavra poderá durar semanas, dias ou horas, isto porque o seu significado estará ligado a sua variável de mutabilidade - cronotopos – já que percebemos na poesia digital a mutação de espaço temporal em que se alojam os sons, as imagens e as palavras e que surgem em rotas de signo, e a dificuldade para certas analises deste signo e suas variáveis poéticas estão neste impasse” (2009, p. 117).

Dito de forma singela, qualquer proposta arbitrária de manter o sentido de um signo está ameaçada. A interatividade e a intersecção atuando no tempo sobre o conteúdo das memórias digitais conferem a expansão dos significados e interpretantes sem nenhuma regra possível. Todo conhecimento adquire um devir, um vir a ser possível não previsto nem regrado (2009, p. 145).

Podemos apenas aceitar que a interatividade enquanto instrumento de ação do sujeito assegura a comunicação genuína entre o emissor e o receptor. A funcionalidade da oferta de conhecimento depende da participação do receptor, que ao interagir com as informações, confere um sentido próprio conforme seu repertório de conhecimentos e experiências. Isso acarreta obrigatoriamente na perda de informações (2009, p. 157).

Então dentro a partir de Azevedo, podemos chegar a algumas conclusões iniciais: Esperar que o receptor frua passivelmente qualquer informação na ambiência digital é não perceber que sua possibilidade de múltiplas intervenções está presente, e será atuada através da intersecção da informação. Esta intersecção promoverá cópias que eventualmente receberão intervenções por parte do sujeito. As intervenções não resultam apenas em interpretações

subjetivas, mas sim na formação de novos signos. Estes novos signos podem ser adotados ou rejeitados. Mas todas as intervenções são registradas pelas memórias digitais, permitindo sua eventual adoção em tempos e espaços indeterminados. As intervenções questionam a recepção exclusivamente proposta pelos autores. A interatividade semeia um rizoma que atravessa a ambiência digital. Esse rizoma se manifesta como urdidura de novas acepções dos signos, da informação e por consequência do conhecimento.

E isto deve servir de indicação para pesquisadores, professores, artistas, poetas e discentes na produção de arte, técnica e conhecimento dentro da ambiência digital.