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Quando Azevedo propõe tal título de imediato nos perguntamos porque o prefixo Inter é repetido duas vezes? Qual a razão que fez Azevedo não escrever sobre a mediação poética ou a intermediação poética ou até eventualmente a poesia da intermediação? Vamos perceber agora dois novos conceitos que estão operando na formulação do entendimento da escritura expandida de Azevedo.

Para ele, estamos no momento de mutação e mimese, adaptando os dispositivos digitais a cultura pré-existente. Por esse motivo, a tela desses dispositivos simula as experiências anteriores permitidas pelas máquinas da cultura analógica. Na cultura analógica o conhecimento é construído em códices que produzem signos de forma apartada de si.

As aproximações dos códigos no novo universo digital alimentam a correspondência entre a forma verbal, visual e a sonora. Essa aproximação é entendida por Azevedo como uma nova poética, decorrente da escritura expandida, onde a escrita dos códigos cria não apenas novos signos, mas eventualmente também novos sentidos. O resultado dessa construção é uma nova ambiência que permite que o novo código possa se expandir, até perder a referência da sua matriz original.

Por outro lado, os suportes digitais nos deixam perceber que o desenvolvimento da linguagem humana é um produto plural resultado de interações linguísticas. Dessa forma, podemos verificar que haveria uma prática de trocas linguísticas no desenvolvimento da linguagem humana que Azevedo designa de interpoética.

Para ele, a navegação na internet é uma prática que proporciona uma intervenção através de intersecções entre os códigos (2009, p. 73). Essa prática ativa estimula o questionamento sobre as representações que as matrizes de linguagem proporcionam. Ele nota que ainda estamos muito ligados mundo de percepção positivista, que nos impede de percebermos isso claramente. Mas quando atuamos com os dispositivos digitais de forma a intermediar os diferentes trechos de texto com imagens em movimento, estamos na verdade desenvolvendo uma nova forma de leitura que é intersectiva, e que permite melhor o entendimento dessa nova maneira expandida da escritura.

A leitura intersectiva é também interventiva, e permite a intermediação a partir de uma nova organização dos signos num determinado contexto. Azevedo acredita que esta é uma apropriação artística da realidade. Os novos suportes digitais não reeditam os conceitos anteriores ligados à linguagem. Há uma nova política dos sentidos para intermediar de forma voluntária e ativa o resultado final da percepção das informações transmitidas. O resultado do entendimento proporcionado por esta atuação, não alcança obrigatoriamente a mesma compreensão proposta originalmente pelos autores dos textos, sons e imagens, que o receptor alcança pela justaposição proporcionada pelo seu movimento de leitura.

Assim o receptor está o tempo todo exercitando uma prática poética polissemantizada, e teria um papel articulador que o permite ser coautor daquilo

que foi oferecido para sua leitura ou fruição (2009, p. 75). Estaria nascendo uma nova sintaxe, que não parece se estruturar de forma linear. Para Azevedo, há uma polifonia sociolinguística, onde a intermediação ativa se transforma em intermediaridade, a partir do momento em que todas as vozes potenciais são acessadas. Neste sentido, Azevedo adota a ideia de obra aberta, onde os códigos em seus diversos desenvolvimentos se apresentam numa forma fechada, mas que do ponto de vista do receptor, se combinam sempre para uma infinidade de interpretações, distantes da sua origem matricial, exercitadas pelo receptor numa forma única de fruição.

Dessa forma, ao navegarmos no universo da escritura expandida, estamos atuando como sujeito, metasujeito e intersujeito (2009, p. 76). Enquanto sujeito, escolhemos os trechos que compõem a narrativa que editamos, ao pular de um texto para uma imagem, ou de um som para um vídeo. Somos intersujeito, quando escolhemos essas narrativas e signos propostos para se juntarem na forma em que finalmente fruímos as diversas narrativas. E assim alcançamos a situação de metasujeito, na medida em que as narrativas originalmente se destinariam a nós como sujeito, mas como recusamos essa posição passiva de receptor, adotamos a posição de coautor.

Isso viria obrigar aos produtores de códigos, sejam eles sistemas de computação ou narrativas finais, a prestarem mais atenção nessa atitude de intermediação do sujeito, que para Azevedo demonstra uma ação interpoética.

A intermediaridade obriga o sujeito uma escolha entre o efêmero e o eterno. Os tradicionais suportes de registro do mundo analógico trouxeram a noção de durabilidade ultrapassando a condição histórica de tempo e espaço (2009, p. 79). Assim, a manutenção dos signos registrados acabou por conferir a eles a qualidade de verdade. Mesmo correndo o risco da produção registrada nesses suportes históricos e tradicionais ser perecível, os autores sempre foram estimulados a gravar escrituras na forma de texto, som e imagem, em busca da permanência.

Eleger esse ou aquele registro para se fazer presente no cotidiano, pode conferir à produção a qualidade de memória. O acesso repetido aos mesmos registros (lembramos aqui, por exemplo, da Monalisa de Leonardo da Vinci) viria inserir sua relevância permanente num patamar de relação simbólica. Isto

confere a uma obra que sempre volta a estar presente no cotidiano, o atributo de signo em trânsito migratório virtual (2009, p. 79).

A circulação dos signos nesse trânsito migratório ao longo da história, já prenunciava de alguma forma a ideia de escritura expandida. Esta circulação só foi possível a partir da ressignificação das obras no cotidiano das diferentes pessoas que as adotaram a partir de suas culturas e suas vivências.

Azevedo acredita que no mundo pleno de memória disponível, o movimento de eleição deste ou daquele signo não irá se perder, mantendo, portanto, a possibilidade de eternidade para aquilo que conseguir repetidamente ser avaliado e incorporado no cotidiano.

O poder, segundo ele, está nas mãos de quem sabe deletar e jogar fora o que não serve (2009, p. 82). Dessa maneira, o poder da escolha, mas principalmente da influência da escolha pessoal, extrapolada enquanto escolha cultural, seria o verdadeiro poder. Por mais que essa ideia nos remeta às formas de censura, e mais exatamente aos famosos livros proibidos pelo Vaticano, percebemos que para Azevedo a memória estará sempre disponível de forma imediata. Esta memória será sempre a base para novos recortes de interpretação contemporânea. De alguma forma, o conhecimento se ajusta de forma explícita à moda estatística, coisa que sempre aconteceu. A diferença com o passado, é que com a escritura expandida o movimento é coletivo. Dificilmente pode ser impedido por ações de censura ou exclusão, o que só poderia ser fato, caso houvesse o banimento de todos os dispositivos digitais ou eventualmente um apagão elétrico geral e duradouro.

Outra consequência, é que esta característica expandida acaba com a ideia do registro estável, que permite o saber analítico e acumulativo. Percebemos rapidamente quais os signos que não necessitam transitar para adquirir novos sentidos14. Mas também podemos fazer transitar de forma mais

rápida, signos que podem compor e incrementar ideias em outras categorias (2009, p. 82). Isto significa que as metáforas deixam de ser a ponte principal para a apreensão das ideias. Podemos simplesmente construir equivalências justapostas.

No universo digital, tanto a experimentação artística quanto a filosófica e a técnica, são potencializadas pelos programas que traduzem os códigos na forma analógica que remete à realidade. Estes códigos facilitam todas as ações de escolha, e assim podemos ainda por muito tempo conviver com a escritura expandida, atuando simplesmente na sua superfície de contato com os sentidos. Portanto, nossa capacidade de cognição não seria afetada na busca da conformação da realidade. Somos como crianças jogando na tela de um tablet15.

Sabemos como interagir, mesmo não sabendo com o que interagimos.