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As Abordagens do Processo Ensino-Aprendizagem e o Professor

2. Aprendendo as Abordagens

2.7. As Abordagens do Processo Ensino-Aprendizagem e o Professor

No último capítulo do livro, Mizukami oferece suas reflexões sobre o material pesquisado. Divide essa análise em duas partes. A primeira traz reflexões sobre as análises feitas nos capítulos anteriores, e a segunda, reflexões relativas às reflexões teóricas declaradas e as práticas manifestadas dos professores pesquisadas.

O aspecto da multidimensionalidade do fenômeno educacional está proposto teoricamente pelas teorias. De acordo com as idiossincrasias de cada teoria, há também decorrências e implicações práticas. Há uma dificuldade evidente em caracterizar as implicações do processo ensino-aprendizagem a partir de seus pressupostos teóricos. Muitas dos pressupostos postulados só são percebidos através de inferência, numa aproximação que dificulta a análise objetiva (1983, p.105).

Por este motivo Mizukami criou suas tabelas de categorias para poder articulá-los no sentido de perceber a multidimensionalidade proposta, mas principalmente para servir de indicadores tanto para caracterizar, quanto para comparar as diversas teorias.

Uma primeira evidencia é que algumas abordagens do processo ensino- aprendizagem são mais notadas em alguns casos do que em outros. Algumas linhas teóricas detalham melhor seus aspectos práticos. O quadro resultante das categorias permite superar o reducionismo de suas percepções enquanto proposta teórica, facilitando uma comparação direta entre elas.

A primeira conclusão de Mizukami é que há lacunas entre elas, e nelas mesmas que eventualmente poderiam ser estudadas separadamente. A meta seria evidenciar a distância entre as propostas teóricas e as práticas resultantes.

Para ela, a teoria muitas vezes lança suas propostas para tentar explicar as relações que explicam o fenômeno educativo, mas não chegam a propor práticas imediatamente decorrentes dessas ideias. Também nenhuma das teorias propostas ultrapassa seu tempo histórico. Há determinados aspectos socioculturais que são examinados como resistentes ao tempo, sólidos, que se desmancharam na medida em que a ciência e a cultura evoluíram (1983, p.106). Mesmo assim, Mizukami não as considera sistemas fechados, que impliquem em ortodoxias. Quaisquer ortodoxias decorrentes de suas adoções seriam

detectadas a partir da leitura dos autores originais, e a tentativa de prática decorrente delas. As fontes secundárias pesquisadas apresentam regras para práticas que denotam apenas um ou outro viés da teoria original. Talvez essa percepção de Mizukami possa ser explicada a partir da tentação de se construir práticas estabelecidas de ação a partir dessas teorias, quando alguns de seus postulados mais sedutores transformam-se em verdades absolutas. O movimento de redução, que surge da tentativa de síntese para um guia prático de ação, constrói uma ideologia própria, independente da abrangência intelectual inicial proposta. Afinal o vivencia em sala de aula tem limites espaço- temporais que limitam um processo contínuo de exame e reflexão sobre a realidade, em benefício das ações de integração dos alunos às comunidades que pertencem.

Mizukami ainda percebe que há lacunas na sistematização dessas teorias originais, pois algumas estão ainda em elaboração e desenvolvimento, e em sua origem não foram confrontadas com a realidade e, portanto, não passaram por uma validação empírica (1983, p.106).

Mesmo assim, as teorias escolhidas para exame por ela foram identificadas a partir das abordagens que podem ser identificadas como tendências educativas. Todas elas devem ser testadas pela persistência temporal que poderá dizer se suas propostas eram pertinentes, ou não. Certamente que muitas ideias nelas contidas, podem servir de base para a elaboração de teorias mais consistentes e abrangentes, e eventualmente mais duradouras. Busca-se sempre aspectos atemporais e sintéticos que poderiam diminuir a distância entre os postulados teóricos e suas práticas (1983, p.107).

Neste sentido, cabe lembrar que a partir de Thomas Kuhn (1922-1996) e sua obra Estrutura das Revoluções Científicas de 1962, acredita-se que teorias são paradigmas condenados a serem substituídos por novos contratos científicos intelectuais, que alteram as bases de visão de mundo dos envolvidos em determinado campo do conhecimento. Sé é assim para as teorias científicas, as teorias pedagógicas não estariam isentas dessas transformações.

Mizukami também acredita que as teorias não são as únicas fontes de resposta monolíticas para as situações de ensino-aprendizagem. São os dados do real que estariam sempre pondo à prova seus conceitos. Haveria, como

previsto por Kuhn (2010), um processo permanente de discussão entre teoria e prática. O agente primeiro desse processo é o professor, enquanto prático dessa navegação entre o real e o teórico (1983, p.107).

O professor que frequentou a academia, deveria não estar alienado das propostas teóricas e pelo menos algumas das ideias deveriam poder ser identificadas no seu fazer educativo. Essa foi outra das hipóteses fundamentais de sua pesquisa que gerou o livro sobre as abordagens.

Ela afirma que se por um lado todos os impasses do cotidiano não podem ser resolvidos por postulados teóricos, por outro lado é necessário um conjunto de sistemas explicativos que norteiem o profissional de ensino ao refletir sobre sua realidade. Somente com esses movimentos de ação-reflexão é que as superações podem ocorrer (1983, p.107).

Uma distância entre teoria e prática em sua pesquisa, comprovariam uma desarticulação entre teoria e prática. Por outro lado, sua proximidade poderia evidenciar um “ideário pedagógico” (Mizukami, P107) adotado por cada professor.

Se as teorias aprendidas durante a formação de professor não são incorporadas, discutidas e atuadas, isso levaria à necessidade de reflexão sobre a própria proposta acadêmica de formação. Também apontaria para a necessidade de exame dos conteúdos das disciplinas oferecidas durante a formação. Aqui surge a percepção da situação condicional entre aquilo que se ensina na formação dos professores, e o que eles posteriormente ensinam em sala de aula. Não apenas a forma prática entra em discussão, mas fica a dúvida se diferentes teorias poderiam obter sucesso na influência didática dos professores, se eles não experimentaram a didática especificamente derivada de cada teoria no momento de seu aprendizado acadêmico (1983, p.108).

As opções teóricas precisariam ser constantemente confrontadas com as situações de ensino-aprendizagem para poderem se constituir em práxis. A discussão acadêmica teórica não substitui o empirismo e as evidencias da sala de aula. Na prática as teorias adotadas são aplicadas a partir de receituários de abordagens formulados por terceiros que geralmente não seus autores originais, transformando-se em crenças. Uma constante discussão também evitaria

posições dogmáticas de apoio à determinadas posições teóricas, eliminando a crítica pela crítica, ou seja, o preconceito. Permitiria inclusive o desenvolvimento da própria teoria, na medida em que novas experiencias poderiam ser fundamentadas nas teorias originais, e desenvolvidas por diversas contribuições que as tornassem guia de ações práticas que pudessem ser replicadas em outras situações.

Para Mizukami, o curso de formação de professores deveria “possibilitar confronto entre as abordagens, quaisquer que fossem elas, entre seus pressupostos e implicações, limites, pontos de contrastes e convergência” (1983, p.108). Dessa forma o professor poderia aprender a entender e analisar seu próprio fazer pedagógico, para de maneira dialética, interpretá-lo e contextualizá- lo, e superá-lo constantemente (1983, p.108). O professor não deveria ser especializado nessa ou naquela abordagem, mas perceber como elas se articulam com o real. Sua prática pedagógica seria enriquecida pela adoção de soluções diversas que melhor dessem conta das situações reais.

Isto faria surgir para o professor evidencias de intersecção ou contraste entre as diversas teorias, principalmente no exame dos aspectos cognitivos, emocionais, comportamentais, técnicos e socioculturais que elas apresentam. Seria estimulada umas práxis individualizada do fazer educacional, que permitiria a reflexão dos discursos adotados pelo indivíduo, ou pela sociedade no qual se encontra (1983, P109).

Ao verificar as opções teóricas declaradas dos professores, Mizukami constatou que as opiniões não são nem verdadeiras nem definitivas em sua totalidade. Isto apontou para a questão de sua gênese e adoção por parte deles. De acordo com os dados obtidos, os professores elegem abordagens a partir de seus postulados teóricos. Há uma ordem de preferência, resultado da pesquisa original, quando as soluções apresentadas pelas abordagens cognitivista e sociocultural se alternam como escolha principal. As soluções humanistas estão em terceiro lugar. Conscientemente as abordagem tradicional e comportamentalista foram aquelas cujos conceitos tiveram menos escolhas.

Ficou constatado que um mesmo sujeito busca conceitos em diversas linhas teóricas para fundamentar sua prática, mesmo quando declara uma linha teórica de preferência. Mizukami destaca dois resultados que surgem: um

distanciamento da abordagem comportamentalista, e um grande apoio às concepções da abordagem cognitivista (1983, P110).

Também constata que não predomina entre os professores uma visão tecnicista do processo educacional. Mizukami estranha esse resultado, na medida que desde o final dos anos sessenta essa foi a grande tendência, principalmente nos cursos de licenciatura. Seu maior espelho são as provas com questões “objetivas” sugerindo múltiplas escolhas onde apenas uma é correta. Os exames vestibulares realizados dessa forma influenciaram sua adoção nas séries fundamentais. O planejamento, execução e avaliação do ensino são conceitos presentes nas atividades cotidianas mesmo de professores que se declaram partidários de outras linhas teóricas.

Mizukami então separada a abordagem tradicional de todas as demais, que nomeia em conjunto como abordagens de ensino renovado. Percebe que apenas os adeptos da abordagem sociocultural não adotam princípios compatíveis com uma visão liberal da educação, como propunha o movimento da Escola Nova mencionado no início desse capítulo.

Há uma percepção dos professores que é importante oferecer oportunidades individuais de desenvolvimento para cada aluno, que sugere uma adesão à ideia liberal de que é importante permitir a consagração do mérito individual (1983, p.111).

A abordagem cognitivista é a preferida pelos professores, quando encontram um ambiente adequado para sua aplicação. Mas entende-se que essa abordagem exclui aqueles que apresentem dificuldades orgânicas de acompanhar naturalmente as condições de alcançarem os estágios das operações formais. Diferentemente dos pressupostos escolanovistas, não se supõe a separação de classes baseadas nas potencialidades individuais. Mizukami se pergunta se o sucesso da abordagem cognitivista poderia ser atribuído à abrangência de seus conceitos e formulações que conseguem abranger e incluir em sua prática, princípios desde decorrentes do ensino tradicional, quanto conceitos liberais e escolanovistas. Ela acredita que os postulados teóricos do cognitivismo permitem uma síntese e continuidade de discussão dos problemas gerais relativos ao conhecimento humano, sem perturbar os postulados originais das demais abordagens.

A ênfase na participação ativa do aluno no processo de aprendizagem, e enquanto o escolanovismo acentua a importância do aprender para aprender, o cognitivismo espera o desenvolvimento de operações, o estabelecimento das relações e o ato de conhecimento do processo ensino-aprendizagem. São duas abordagens que percebem o processo como mais importante do que a aquisição de quantidades de conteúdo. Provavelmente é a crença nessa importância do processo, escreve Mizukami, que unifica as opiniões dos professores (1983, p.111).

Há também a percepção que todas as abordagens contra a tradicional, mesmo com características próprias e diferentes entre si, oferecem sistematizações para a construção e avaliações do conhecimento. Isto por exemplo ainda não estava presente no movimento da Escola Nova, talvez, considera Mizukami, por conta do momento histórico em que surgiu (1983, P1112).

Outro elemento a favor da ampla aceitação do cognitivismo seria a existência de um elo entre o desenvolvimento intelectual e os ideais da abordagem tradicional no que concerne ao conteúdo, processamento e tratamento das informações, e dos raciocínios defendidos pela manutenção da tradição. Seria a possibilidade de preservação de bens culturais uma chave para o sucesso da franquia dessa abordagem (1983, P112)?

Mizukami também destaca que as explicações cognitivistas são até hoje muito convincentes porque sua teoria de desenvolvimento original tem seus postulados validados em diversas culturas. Não pode ser desconsiderado o fato de que esta abordagem divide junto com a abordagem sociocultural a preferência dos professores pesquisados. Conforme a autora: “Se, por um lado, os professores optam por uma teoria de desenvolvimento humano, uma epistemologia genética, por outro, a complementam com aspectos socioculturais e personalistas” (1983, p.112). No caso brasileiro, a abordagem sociocultural está impregnada pelas ideias das primeiras obras de Paulo Freire.

Então Mizukami se pergunta se ao invés de se buscar explicações no âmago das teorias para as escolhas dos professores, não seria mais pertinente pesquisar as forças exógenas ao processo de ensino-aprendizagem, que é o ambiente socioeconômico percebido ao longo da história do país (1983, P113).

O ideário pedagógico dos professores indica uma constância nas preferencias, pois em sua pesquisa poucos foram aqueles que puderam ser classificados como partidários de tendências indefinidas, onde nenhuma abordagem pode ser identificada. Pelo menos no discurso teórico dos professores, as abordagens puderam ser identificadas. E Mizukami esclarece que os resultados foram consistentes com professores de todas as idades e gênero, assim como também de tempo de magistério (1983, P113).

A surpresa final do livro fica por conta das análises das práticas manifestas pelos professores. Independentemente das preferencias teóricas declaradas, quando observados em sala de aula, suas atividades letivas e também aquelas propostas aos alunos tanto na forma de oferta do conteúdo como em sua avaliação, denotam práticas predominantemente tradicionais!

Ela verifica que o ensino tradicional predomina, principalmente no ato que evidencia um professor que detém informações, e portanto, sabe, transmitindo essas informações e conhecimento aos alunos que não sabem (grifo no original) (1983, p. 113)

O conhecimento provém do professor, mas majoritariamente do livro texto. Raramente o conhecimento é recriado ou redescoberto pelo aluno como consequência de suas atividades. Portanto, a forma de ensino e sua ideologia oculta provém sempre do livro texto. Podemos ajuntar ainda, que advém da própria escolha de um livro texto para fundamentar o conhecimento.

As práticas observadas por Mizukami são essencialmente verbalistas, mecânicas, mnemônicas e de reprodução do conteúdo do livro texto corroborado pelo professor. Isto demonstra que as aulas expositivas ainda determinam a presença das formas propostas do ensino tradicional. Esse descompasso entre crença teórica numa abordagem e prática com outra, não cria uma cisão no ideário pedagógico dos professores, nem na fragmentação de sua prática. Aparece mais como manifestação ideológica individual num universo laboral onde as regras do tradicionalismo não podem ser manifestadas (1983, P114).

Mizukami não pretendeu estabelecer esse tipo de relação causal em seu estudo, talvez em decorrência da realidade histórica (o período da Ditadura

Militar) em que sua pesquisa foi realizada. Considera também que em outras regiões do país, os resultados pudessem ser diferentes.

Portanto ela considerou que havia ainda muita investigação a ser feita. Uma das hipóteses pertinentes para futuras pesquisas seria verificar quanto a vivencia do professor enquanto aluno de uma determinada abordagem, poderia influenciar sua prática profissional. Qual seria o papel real do aprendizado do professor durante sua formação pedagógica, em confronto com sua vivencia aprendiz? Termina com a pergunta seminal: “O que fundamenta a ação docente? ” (1983, p.115).