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CAPÍTULO II A INSTITUIÇÃO PRISIONAL E O ENVELHECIMENTO

3. O Envelhecimento em Contexto Prisional

3.1. A Adaptação – “Mortificação do Eu”

A entrada do indivíduo na instituição prisional simboliza a rutura com o contexto social com a qual mantinha um contacto regular. Atualmente, as políticas penais face ao crime cometido remetem o indivíduo, seja ou não idoso, para a prisão, provocando a sua institucionalização. Neste sentido, a adaptação ao contexto prisional diz respeito à capacidade que o recluso tem para identificar e seguir as regras impostas pela instituição, seja através da sua assimilação ou negação.

A adaptação a uma nova realidade como a institucionalização numa prisão é, por vezes, difícil e lenta devido à perda de controlo do idoso sobre vários aspetos da sua vida. O idoso, desde o momento que entra na prisão é de imediato confrontado com mudanças significativas na sua carreira moral, uma carreira constituída pelas mudanças que ocorrem nas crenças que tem a seu respeito e a respeito dos outros. Assim, a entrada na prisão implicará, necessariamente, um conjunto de readaptações, tanto na gestão do tempo no quotidiano prisional, como na gestão das relações sociais, profissionais e familiares.

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Thierry (cit in Martins, 2012) refere que a identidade dos indivíduos não é estática e que ao longo da sua vida vão construindo a sua identidade. No entanto, o confronto com a realidade prisional poderá levar à “mortificação do eu” ou seja, a alterações na sua identidade, que outrora era vista como aceite na sociedade.

Na linha do referido, o primeiro momento de “mortificação do eu” está relacionado com ruturas sucessivas com os papéis, anteriormente, desempenhados. Existem, também, vários rituais prisionais que se encarregam de provocar a “mortificação do eu”, começando pelo processo de entrada do recluso: o “tirar a fotografia” junto da chefia dos guardas prisionais, pesar, identificar e enumerar os bens pessoais para que sejam guardados, o preenchimento da “ficha de acolhimento” junto dos serviços de educação e ensino, a obrigatoriedade dos reclusos em se apresentarem junto dos serviços clínicos e do diretor, a atribuição de um número que substituirá o nome do recluso. Gonçalves (1993:64) refere que

(…) o sujeito é mergulhado num meio em que todo o seu sentido de identidade e toda a sua autonomia se esbatem no anonimato das roupas (que são todas iguais) das celas (que alguns teimam em revestir com fotografias ou posters para lhes dar um ar menos impessoal), enfim, dos nomes que são substituídos por números.

Além do referido, ao recluso é-lhe negada a liberdade de escolher o horário que pretende cumprir, a roupa a utilizar, o lugar onde quer dormir, entre outros. O recluso é obrigado a inserir-se num local onde os seus residentes têm por obrigação cumprir o que está imposto no regulamento prisional. Desta forma, o indivíduo tende a dissipar toda a sua identidade individual que outrora possuía para integrar o grupo de reclusos (Gonçalves, 2000).

O recluso, seja ou não idoso, confronta-se com uma série de rituais institucionais que implicam uma “exposição contaminadora” (Goffman, 1961:31) através da explanação da sua história de vida e da trajetória prisional, do controlo dos objetos que pode ter na cela, da quantidade de comida que pode receber das visitas, bem como do controlo da entrada e saída de correspondência. “Na admissão, os fatos a respeito das posições sociais e do comportamento anterior do internado – principalmente os fatos desabonadores – são corrigidos e registrados num dossier que fica à disposição da equipe diretora (Goffman, 1961:31).

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Neste sentido, a prisão é reconhecida por provocar a homogeneização dos indivíduos submetidos às suas normas, bem como contribuir para a ausência de identidades pessoais. O recluso é de imediato “conformado e codificado num objeto que pode ser colocado na máquina administrativa do estabelecimento, modelado suavemente pelas operações de rotina”(Goffman, 1961:26).

O recluso é confrontado com novas ideologias e aprendizagens a que não estava habituado no meio comunitário onde residia. Para um recluso idoso que entra pela primeira vez no sistema prisional, “(…) a prisão é mais “dura”, em primeiro lugar, por ser à partida um ambiente totalmente desconhecido e o cumprimento da pena um processo nunca antes experienciado” (Gonçalves, 1993:49).

No período em que o processo de “mortificação do eu” se desenvolve, o recluso se cumprir com as regras institucionais é inserido no sistema de privilégios, ou seja, se o recluso adotar comportamentos adequados é compensado e se ocorrer o inverso é castigado. Nesta ótica, o sistema de privilégios e os processos de “mortificação do eu” parecem ser a condição para a adaptação do recluso.

Perante o referido, urge a necessidade de compreender a existência de várias tipologias de adaptação à prisão, designadamente: o retraimento, a intransigência, a colonização e a conversão. A primeira tipologia de adaptação caracteriza-se pela abstração do recluso no envolvimento nas atividades que não tenham como objetivo a satisfação de algo imediato e, por sua vez, as opiniões alheias são-lhe indiferentes. A intransigência é descrita como o recluso intencionalmente recusar-se a cooperar com a administração. A colonização caracteriza-se por aquisições sucessivas das facilidades provenientes do mundo exterior e, a partir do momento que apreende essas facilidades, o recluso constrói a sua existência intramuros, atenuando as diferenças existentes entre a prisão e o mundo exterior. “A experiência do mundo externo é usada como ponto de referência para demonstrar como a vida no interior da instituição é desejável, e a usual tensão entre os dois mundos se reduz de maneira notável” (Goffman, 1961:60). A última tipologia, denominada de conversão, diz respeito à “adopção de uma atitude de total “colagem” à ideologia do estabelecimento representando o indivíduo o papel de internado “perfeito” (Gonçalves, 1993:168).

A partir do momento que um recluso coopera com as atividades instituídas sob condições de funcionamento pré-definidas, torna-se um participante “programado”.

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Por outras palavras, o recluso cinge-se a viver numa realidade que não a sua. Por outro lado, um recluso poderá adaptar-se à prisão através da participação em negócios ilícitos ou com fins não autorizados, escapando às regras instituídas (Goffman, 1961). É por isso de ressalvar que os reclusos, mesmo quando submetidos a regras punitivas, não são submissos e procuram controlar a sua própria vida.

Santos & Nogueira (2014) revelam-nos que os reclusos assumem a prática laboral e formativa como estratégia de adaptação à reclusão. Para além do referido, outros reclusos tendem a reduzir a sua rede social pela não identificação com as restantes faixas etárias, existindo aqueles que através de atividades de convívio tentam integrar-se na dinâmica da instituição.

Acredita-se que o trabalho prisional e as ocupações são uma fonte de equilíbrio psicológico. No entanto, a permanência da inatividade durante longos períodos de tempo acentua os sentimentos de isolamento, a diminuição da autoestima e, por conseguinte, promove o aparecimento de agressões para com outros reclusos (Gonçalves, 2000). Dentro da prisão o idoso é obrigado a partilhar espaço com diferentes faixas etárias, sendo que “(…) o hábito de, em prisões (…) misturar grupos etários, étnicos e raciais, pode fazer com que o internado sinta que está sendo contaminado por contato com companheiros indesejáveis” (Goffman, 1961:35).

Com o envelhecimento, tal como referido, os idosos perdem algumas capacidades físicas e motoras, levando a uma dependência, sendo estas experiências negativas que levam à solidão se o idoso não tiver apoio familiar ou social a que possa recorrer para minimizar estes problemas. Tudo o que possa diminuir a autoestima é suscetível de aumentar a solidão e dificultar a sua adaptação à prisão. Nesta linha de pensamento, uma adaptação eficaz é aquela que fortalece as ligações afetivas, sentido de responsabilidade social e promove o envolvimento em tarefas socialmente significativas.

Nesta fase da vida, o idoso ao ser institucionalizado numa prisão tende a deteriorar o seu estado de saúde. A inexistência de hábitos saudáveis, o consumo de substâncias psicotrópicas, o stress, a sobrelotação, a monotonia e o frio que se vive dentro dos corredores levam à aceleração do processo de envelhecimento (Santos & Nogueira, 2014).

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É relevante mencionar que a reinserção de um recluso em meio livre vai sendo preparada dentro da prisão e, neste sentido, aquando da sua liberdade o recluso deve estar ciente que não pode regressar ao mundo do crime. Neste sentido, todo o trabalho efetuado com os técnicos de reeducação deve ser tido em consideração pelo recluso, pois tudo o que aprende em contexto laboral e socioeducativo poderá ser útil para a inserção no mercado de trabalho, por exemplo. Contudo, a idade avançada (para alguns) é uma preocupação, pois o acesso ao mercado de trabalho não será uma tarefa fácil.

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