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A Reinserção Social do Recluso Adulto e do Recluso Idoso

CAPÍTULO IV – O ENVELHECIMENTO EM CONTEXTO PRISIONAL – OLHAR ENTRE

6. Análise e Interpretação dos Dados Recolhidos

6.4. A Reinserção Social do Recluso Adulto e do Recluso Idoso

As prisões constituem lugares de excelência para as populações excluídas

serem alvo de intervenções de modelagem estruturantes, que permitam aos indivíduos a reinserção na sociedade. Nesta lógica, o Ministério da Justiça através da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais,

Na vertente da empregabilidade e capacitação de competências profissionais, o Apoio à Reintegração Social dos Reclusos consubstancia-se através da colaboração na preparação da liberdade condicional, da interação com redes de apoio social e associações que prosseguem objetivos de reinserção social e da implementação de programas de apoio a reclusos com necessidades específicas para preparação da saída (…) (Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, 2016).

Os obstáculos que impedem claramente um efetivo processo de reinserção social prendem-se com os obstáculos impostos pela própria sociedade quando mantém sentimentos de desconfiança face aos ex-reclusos e as atitudes negativas e de segregação destes indivíduos, pois continuam a ser vistos como um grupo social à margem (Silva, 2012). Apesar da aquisição de novas práticas e conhecimentos no contexto prisional, os indivíduos que passam por ele reestruturam a sua identidade pessoal mas não na totalidade, uma vez que a sua trajetória fica marcada e registada no cadastro criminal. Tal como refere Silva (2012:99), “os condenados cumprem a sua pena e depois saem sem grandes perspetivas. Saem com cadastro criminal, sem um currículo apresentável, sem qualificações pessoais e profissionais”. Sem dúvida que o referido trará repercussões na procura e obtenção de um emprego que permita suprir as necessidades que o exterior impõe (Silva, 2012).

Na linha do referido, a reinserção de um recluso vai sendo preparada dentro da prisão e, neste sentido, aquando da sua liberdade o recluso deve estar ciente que não pode regressar ao mundo criminoso. Assim, esta categoria pretende analisar as

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expetativas futuras de reinserção na sociedade dos reclusos adultos e reclusos idosos, os sonhos e objetivos e a idade cronológica como condicionante da reinserção social desta população.

Para os reclusos adultos, a reinserção na sociedade será difícil, uma vez que existem rótulos perante a situação de ex-reclusos. A obtenção de um emprego é referenciada como um dos aspetos mais importantes no processo de reinserção, mas será normalmente um processo moroso.

“(…) acho que nunca me vou reintegrar na sociedade” (R.A.).

“Mais uma vez, a recomeçar do zero, ou do zero nunca recomeço, porque tenho alguma coisa para recomeçar, não é? Mas, mais uma vez, é recomeçar e deitar tudo para trás das costas e esquecer o mau bocado que passei” (R.A.).

“ (…) a adaptação até pode ser complicada, mas complicado … ah, estranho … rua … posso estar deslumbrado … hey muita coisa mudou. São três anos. Pah, muita coisa mudou. Faziam obras, abriam um café novo, loja … isto acredito que esteja muito diferente” (R.A.).

“O recluso J referiu que “no exterior fecham-se muitas portas” e que sofrem exclusão por parte da sociedade por serem ex-reclusos (nota de terreno)” (NT).

“Ao longo do diálogo estabelecido em torno da temática da contingência, um dos reclusos comentou o facto da reinserção social, da reincidência e da estigmatização. “Quando sairmos daqui somos esquecidos na sociedade. Temos de voltar para o crime. Lá fora somos rotulados”. No decurso do cumprimento de pena de prisão, os reclusos são acompanhados por um técnico da D.G.R.S.P. e após a sua liberdade são encaminhados para uma técnica do Instituto de Segurança Social da sua área de residência. Este recluso considera que este acompanhamento não é eficaz, pois quando saem não têm um trabalho e uma casa. Por vezes, os reclusos interpretam erradamente o acompanhamento que lhes é ativado pois, não é somente da responsabilidade desse técnico encontrar um emprego e proporcionar melhores condições de vida após o retorno à sociedade. Quando o recluso partilhou este pensamento, outro recluso ripostou, “nós estamos mal habituados, não temos que pedir esmolas! Quem nos rotula somos nós!” (NT).

“Durante a realização da dinâmica foi visível o descontentamento dos participantes em relação à questão da reinserção social. Para uns “a reinserção é uma fachada, muitos saem daqui e não têm apoio”, para outros “o mal é que vamos pelo caminho mais fácil e às vezes não é o trabalho, o que não falta é trabalho, as pessoas querem é emprego”, “eu quando saí em 2009 passado uma semana estava a trabalhar”. Além disso foi comentado por um recluso que “toda

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a gente vive direta ou indiretamente do crime” e por essa razão a reinserção é difícil por não escolherem o melhor caminho a seguir” (NT).

Entre os reclusos idosos existe o sentimento de que a reinserção social não existe: “ (…) a perceção que eu tenho disto é que não há reinserção social, nenhuma e como não há reinserção as pessoas são postas em liberdade. São atiradas às feras e pá, portaste-te mal, vens cá para dentro”. É importante referir que apenas um recluso idoso partilhou a sua opinião quanto às expetativas futuras de reinserção social.

Relativamente aos objetivos e sonhos dos reclusos adultos, eles prendem-se com a obtenção de emprego para garantir a sua sustentabilidade económica, construir uma família e viajar.

“Sim, principalmente constituir família. Constituir uma família, que é o meu maior sonho. Só que antes não pensei nisso porque não tinha possibilidades para ter uma namorada, casar e ter um … filhos, para depois tar a dar trabalho”.

“ Gostava de ter um bar mesmo meu, só meu. (…) É. Eu tenho, mas está fechado, e tenciono reabri-lo e pôr aquilo a trabalhar”.

“Tenho sonhos, senhora doutora … é ter um filho com a minha mulher. (…) Arranjar um trabalho em condições para sustentar a minha casa, senhora doutora, e não faltar nada no dia-a-dia, mais nada”.

“Quero viajar para alguns países. Conhecer alguns países como a Holanda, Austrália, China, Ásia, Brasil (...). O que eu quero? Quero levar a minha irmã mais nova à Disneyland. Vou levar para o ano, 2017 a Paris. Quero-me formar. Tenho alguns sobrinhos … tenho alguns sonos. Não digo que cumpra todos mas …”.

“Olhe, digo-lhe com toda a sinceridade: apesar de ser quem sou, tenho a idade que tenho, o

meu objetivo é chegar lá fora e trabalhar outra vez, arranjar trabalho”.

Para os reclusos idosos, os principais objetivos e sonhos a concretizar após a reclusão estão relacionados com a criação do próprio emprego, ser feliz, estar bem em termos de saúde, cumprir as promessas religiosas e garantir a estabilidade profissional dos filhos.

“ (…) quero montar um centro de exames de condução e, depois, vou fazer um edifício. Vou fazer um hotel com restaurante, dancetaria, armazenzinhos e … e … que mais? Esquece-me uma

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quê? Como se chama aquilo? Aquilo que fica muito grande, com mil e quinhentos metros, seis pisos. Estou a pensar fazer seis pisos com mil e quinhentos metros cada um … para um lar de idosos também”.

“ Tenho. Tenho sonhos por cumprir e julgo eu os vou realizar. Um deles, pronto … a minha atividade … atividade que eu vou sempre manter e há dois sonhos que eu sempre desejei e que já há muito eu não fazia e eu quero abrir um restaurante (…) na zona da Foz. Tinha outra ideia, também, porque eu tenho um contacto de um amigo meu que está em Itália (…) ele é diretor de uma empresa de café (…) e ele tinha-me falado que essa marca não está em Portugal e, então, falou que, quando eu quisesse para ir lá e tal … para trocarmos impressões para lançar essa marca de café em Portugal”.

“Neste momento é ser feliz … é ser feliz e viver o dia-a-dia com saúde e à beira dos meus familiares”.

“ (…) tenho um sonho por cumprir que ainda não cumpri ainda. (…) Tenho que ir a Fátima a pé que não fui. É uma promessa que eu tenho”.

“Ainda tenho. Ainda tenho este, que nunca pensei que chegava a esta altura e ia para a prisão, para não poder cumprir o sonho de pôr as minhas filhas, os meus filhos, digamos com estabilidade de trabalho. Não quero mais nada”.

“ (…) é a questão da quinta, porque essa, também, é uma quinta boa que tem duas casas, tem uma área muito boa. Tem uma cultura de vinho e azeite muito, muito boa e vou ver se é possível fazer lá alguma coisa”.

Apesar dos esforços em aumentarem as competências escolares e profissionais no contexto prisional, a idade cronológica é uma condicionante da reinserção, na medida em que a idade avançada dificulta a obtenção de emprego. Assim, se um dos objetivos após a reclusão é obter um emprego, isso pode no entanto ser inalcançável.

“Já é um bocado tarde. Nunca é tarde, não é? Quarenta e três já é uma idade avançada para recomeçar alguma coisa, mas nunca é tarde.

E – imagine que não tinha emprego neste momento, já tem trinta e sete anos. Acha que a sua

reinserção ia ser mais difícil?

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