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O Percurso Prisional de um Recluso Adulto e de um Recluso Idoso

CAPÍTULO IV – O ENVELHECIMENTO EM CONTEXTO PRISIONAL – OLHAR ENTRE

6. Análise e Interpretação dos Dados Recolhidos

6.3. O Percurso Prisional de um Recluso Adulto e de um Recluso Idoso

Debruçando-me sobre o percurso prisional do recluso adulto e do recluso idoso no E.P. Porto, é possível verificar a existência de distintas formas de ocupação do dia-a- dia. É importante referir que os reclusos adultos e os reclusos idosos entrevistados encontram-se distribuídos pelos vários pavilhões e, por conseguinte, com situações diferentes ao nível escolar, laboral e ocupacional.

Os reclusos mais novos ocupam o seu dia-a-dia com as atividades socioculturais (música, biblioteca), educativas e desportivas; já os mais velhos ocupam o seu dia a desempenhar tarefas laborais, a ajudar os restantes reclusos do estabelecimento prisional a escrever cartas para os tribunais e/ou esclarecer as cartas que recebem do Tribunal de Execução de Penas. No entanto, a ocupação laboral é uma atividade comum entre alguns reclusos entrevistados.

Quanto ao dia-a-dia dos reclusos adultos, através dos seguintes discursos é possível confirmar o anteriormente referido:

“ (…) ocupo isto a ler, ouço muita música, vejo muitos filmes para ficar ligado à realidade, novidades musicais. Gosto de ver filmes para, também, ficar culto. Leio bastante. Ocupo o meu tempo. Bem, jogo à bola, às vezes vou ao ginásio (…)” .

“Jogo futebol, de segunda a sexta, e vou ao telefone … só isso. (…) Jogo damas mais nada doutora”.

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“ Senhora doutora, eu dentro dos possíveis, passo o meu dia-a-dia a praticar desporto e essas coisas. (…) Tenho a playstation e começo, ali, a jogar. (…) Participo é nos jogos de futebol, ginásio a coisa de apanhar peso … é um recorde de peso e … a rotina”.

“Eu entretenho-me. Convivo. (…) Não sei se é socioeducativo, mas tenho um projeto musical da qual faço parte, do estabelecimento prisional. Tenho a atividade da música com a PELE e acho que é só. (…) Ah, sim, estou no torneio [de futebol]”.

“ Um bocado saturante. Nada para fazer … não há nada … saturante”.

“Exatamente. Tou com sorte sobre isso [em participar no Plano “Construir um Plano de Prevenção e Contingência], mas não há nada. A gente pede alguma coisa … dentro da cadeia eles não nos dão nada. (…) Pedir trabalho … não me dão trabalho”.

“O meu dia-a-dia … até nem me posso queixar muito. Levo um dia-a-dia … é trabalhar. (…) Tenho a escola, tenho o desporto, tenho a leitura da biblioteca e é só, porque também o trabalho, a mim, prende-me muito”.

Além do referido, alguns dos reclusos adultos participavam no programa “Construir um Plano de Prevenção e de Contingência” desenvolvido por dois elementos da equipa de educação. Contudo, na sua opinião, se não estivessem inseridos neste programa o seu dia-a-dia seria ocupado, somente, com as atividades diárias do estabelecimento prisional (como, por exemplo, a ida às refeições e ao recreio) pois não estão a participar nas atividades laborais e/ou educativas.

Tendo em conta as atividades proporcionadas pelo estabelecimento prisional, a monotonia diária é uma constante para alguns reclusos. As atividades e os ritos prisionais não oferecem qualquer variedade de horários e poder de escolha para os reclusos participarem ativamente neles e, por essa razão, os entrevistados adultos e idosos consideram que o seu dia-a-dia é maçador.

Os reclusos idosos apresentam os seguintes discursos para descrever o seu dia- a-dia: “O meu dia-a-dia é muito semelhante àquele que eu tinha lá fora. O meu dia-a- dia é sempre com sentido de ir trabalhar”; “O meu dia-a-dia é, sabe como é, isto é monótono, porque, se eu ando a aproveitar a escola, … a escola (…). Leio, leio, leio livritos. Tenho livros”;

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“Olhe, eu faço, vou fazendo umas cartas para este, umas cartas para aquele. Conforme. (…) Vou vendo processos e dando alguns esclarecimentos. Portanto, daquilo que eu posso e sei. Enfim. E é assim que eu passo o tempo”.

“ (…) tenho um dia normal de trabalho. (…) faço a vida dentro da prisão o melhor possível. Portanto, com a convivência, falo com as pessoas de determinados assuntos, de determinados temas (…). Ando ali nos torneios dos jogos de xadrez, fazem … além disso leio muito e escrevo muito. Aliás, até escrevo, não só para mim (…) Que me pedem uma ajuda para escrever umas cartas para os tribunais, para aqui e para acolá. E pronto, e passo o tempo e faço o meu trabalho na biblioteca (…) ”.

Ainda nesta categoria, analisam-se as representações que os reclusos adultos e os reclusos idosos possuíam da prisão antes da reclusão, durante a reclusão e a perceção do percurso efetuado até ao momento.

No que respeita à perceção da prisão antes da reclusão é percetível um consenso nos discursos recolhidos. Todos os reclusos entrevistados referem que antes da reclusão, para eles, a prisão era vista como um local de punição para aqueles que cometiam um crime e apresentam uma imagem negativa da realidade prisional. Desta forma, os seguintes discursos confirmam o referido: “ Muito má” (R.A.), “Hey … a prisão deve ser … uma palavra. Miséria” (R.A.), “A opinião que tinha, é que podia acontecer a todos. Não é? Pensei que fosse mais pesado daquilo que é” (R.A.), “Pensava que nunca havia de ser preso. Muita coisa má” (R.A.), “O caso da prisão é para quem faz asneiras. Portanto é … só está aqui quem … para pagar o que fez” (R.I.), “Eu ouvia dizer, sempre, que isto não prestava” (R.I.), “Claro que a droga. Claro que, como tinha e como tenho agora, e, como tinha na altura, é a mesma coisa. O crime tem de ser punido” (R.I.),

“Muita coisa. Muita coisa má. Só tinha muita coisa má e eu esperava que são pessoas que cometem muitos crimes e eu só tinha isso na cabeça e venho para uma escola de crimes. Não venho para aqui aprender nada” (R.A.);

“(…) era assustadora. Pensava que matavam uma pessoa de cinco em cinco minutos. Não era assustadora, pensava que isto realmente era terrível, que se vivia aqui muita violência e que iria ter muitos problemas” (R.I.).

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A prisão é considerada um local onde o crime continua a ser praticado. Apesar de constituir um local de punição do crime, onde existe a possibilidade de aumentarem as suas competências sociais e transformarem a sua vida, a prática delituosa continua presente.

“Não, vi sim, não é mau. Mas nem tudo é mau, porque há biblioteca. Uma pessoa que queira ler, queira se tornar culta, queira fugir do meio criminal, consegue-se não se misturar. Se se desviar, mas se continuar no meio, não posso mentir, já vi muita coisa, não sabia metade. Não conhecia nem tinha noção de que o mundo era isto. Muito crime. É uma escola do crime” (R.A.).

Por outro lado, os reclusos idosos identificam o estabelecimento prisional a um parque infantil e a um asilo de terceira idade. Na verdade, quando entramos no corredor prisional verificamos, de imediato, uma prevalência da camada jovem nos pavilhões A, B e C. Os reclusos mais envelhecidos encontram-se distribuídos pelo pavilhão C (se estiverem inseridos em atividades laborais e/ou educativas) e pelo pavilhão D. Efetivamente, no E.P. Porto (a 23 de outubro de 2015) o número de reclusos com idades compreendidas entre os 16 e os 64 era de 1194. Já o número de reclusos com idade superior a 65 era de 15.

“Ah! Mudou muito como já lhe disse. Estive preso há quarenta e cinco anos … mudou em tudo. Não tem nada a ver. Porque no meu tempo era mesmo prisão e agora com toda a sinceridade, aqui a Cadeia de Custóias, para mim tem dias aí que parece um parque infantil. É. Um parque infantil. E há ali um pavilhão que eu chamo-lhe o asilo do terço porque é só idosos” (R.I.).

Ainda, na opinião dos reclusos idosos, na prisão existem limitações nos direitos dos reclusos:

“ (…) o que há na prisão, há certas limitações, uns têm tudo outros não têm nada. (…) isto aqui,

o ser humano aqui passa, é quase abaixo de cão. O resto é abaixo do ser humano” (R.I.).

Estas limitações estão relacionadas com a obtenção de medidas de flexibilização da pena e na obtenção de uma ocupação laboral. Para os reclusos idosos, os direitos dos reclusos não são exercidos na sua totalidade, e na sua opinião, existem diferenças no tratamento penitenciário. Além do referido, para os reclusos continua a

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existir a imagem negativa do funcionamento da prisão, tal como a sobrelotação existente.

A imagem negativa do funcionamento da prisão está também relacionada com as questões alimentares: “Sempre me convenci que a prisão que podia ser má. Por exemplo, na questão da alimentação e isso podia ser bem melhor, não é? Mas em termos gerais tinha que ser isto” (R.I.). Inevitavelmente, a sobrelotação apresenta um dos aspetos negativos que afeta a imagem da prisão e, ao mesmo tempo, afeta a qualidade de vida dos reclusos que habitam numa instituição total.

“ (…) os reclusos são o alimento do povo e o povo tem os seus tentáculos. Portanto, os reclusos são o alimento porquê? Porque isto já é uma obrigatoriedade das cadeias, estarem sobrelotadas, as cadeias estarem cheias” (R.I.).

De maneira que a construção dos estabelecimentos prisionais não foi concebida para albergar tantos reclusos, não existindo a disponibilidade de distribuir os reclusos pelos trabalhos existentes, pelas vagas na escola e/ou atividades educativas e o acesso a programas promovidos pela equipa de reeducação é limitada, os reclusos idosos consideram que existem limitações nos seus direitos, tornando o seu dia-a-dia monótono, como referido anteriormente.

No que respeita à perceção do percurso, no interior da prisão, existe uma tendência dos reclusos adultos e idosos, evidenciarem um percurso conforme os padrões institucionais. Os discursos seguintes confirmam o referido: “É positivo … é” (R.A.), “Boa. Um bom percurso. Foi exemplar, o meu percurso (…) não. Não tenho problemas. Não sou problemático. Não tenho problemas é. Não fujo às regras … mesmo” (R.A.), “Fiz um bom percurso da primeira vez. Fiz o 12.º incompleto. Sou uma pessoa regular, tento não me meter em problemas” (R.A.), “Não, tem sido … acho que tem sido neutro” (R.I.).

“Eu acho que ninguém tem que dizer nada de mim, porque o meu percurso aqui dentro, eu acho que não pode ser mais exemplar. Nunca infringi nada, nunca meti nada na cela que fosse ilegal (…) Portanto, por isso é que eu procurei, realmente, fazer um percurso dentro da cadeia que me permitisse, realmente, não digo ter um estatuto, mas pelo menos, que fosse bem visto, não é?”

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No entanto, face aos sentimentos vivenciados pela entrada na prisão e pela convivência com outros reclusos, no início do percurso prisional de dois reclusos (um adulto e um idoso) existiram castigos: “Entrei. Aos seis meses tive logo um castigo”, “É positivo. Não. Não. Tive uma repreensão com um indivíduo que tentou fugir (…)” (R.I.).