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CAPÍTULO IV – O ENVELHECIMENTO EM CONTEXTO PRISIONAL – OLHAR ENTRE

6. Análise e Interpretação dos Dados Recolhidos

6.1. Conceção de Maturidade Prisional

A análise realizada permite identificar duas dimensões importantes na conceção de maturidade prisional, nomeadamente: a idade cronológica e a idade de experiência prisional. Através dos discursos proferidos nas entrevistas verifica-se que o indivíduo que entra pela primeira vez numa instituição prisional, a cumprir pena efetiva de prisão, é um “ser novo”; já um “ser velho” identifica um indivíduo

reincidente5.

“Novo na prisão é aquele que entra aqui de novo. (…) Pode ser um indivíduo com oitenta anos, esse é novo. Agora um indivíduo velho é aquele que infelizmente é o meu caso. Derivado à idade, é o tempo que já tenho disto” (R.I.).

“O velho? É o que tem mais idade na prisão. É o que tá cá há mais tempo ou cumpriu mais cana. Às vezes não é quem tem mais idade, porque imagine, pode entrar um … pode entrar um homem de sessenta anos e só estar cá para cumprir dois meses de multa e pode tar cá um

5 Na perspetiva do artigo 75º do Código Penal Português,

É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores, não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime (Decreto – Lei nº 48/95, de 15 de Março).

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miúdo, um jovem de vinte e cinco, que desde os dezoito está preso. Esse sim é velho na prisão” (R.A.).

Por outro lado, o termo “ser novo” e o “ser velho” na prisão está relacionado com a idade cronológica do indivíduo, tal como é percetível nos seguintes discursos: “Velho é os cotas. (…) Velho é Velho. Novo é Novo” (R.A.), ”Um homem, depois dos cinquenta anos já começam a chamar velho e cota (…) (R.I.), “ (…) um indivíduo, que é velho, enfim, mostra a sua idade (…)” (R.I.).

Apesar de existir uma conceção diferente de maturidade prisional, dentro da instituição prisional o papel exercido por um recluso novo e por um recluso velho é diferenciado.

Atendendo à experiência prisional que um recluso velho possui, ao entrar novamente no sistema, já possui uma bagagem que o permite reajustar-se à realidade facilmente, uma vez que o conhecimento das normas institucionais é maior. “Um recluso reincidente já sabe como é as normas de uma cadeia. Já sabe. Já tá mais informado do que um recluso primário” (R.A.). Além do referido, os reclusos mais novos, segundo o discurso dos entrevistados, dão continuidade à prática de crimes e, por outro lado, aos seus olhos possuem mais oportunidades de trabalho dentro da prisão que os mais velhos. “ (…) aqui os mais novos (…) desviam-se um bocado e ficam na ilusão de ganza e até de querer roubar (…)” (R.A.), “(…) Penso que os mais novos têm mais hipóteses. São vistos de outra maneira e têm acesso a mais precárias e condicionais” (R.A.).

Na linha do referido, apesar de existir uma definição de maturidade prisional alicerçada na idade cronológica, é relevante referir que o facto de um recluso ser novo

cronologicamente é impulsionador de um estatuto dentro do ambiente prisional.

“Acham que os mais novos devem acatar as ordens dos mais velhos (…) ”. Segundo os discursos analisados, por vezes, os reclusos idosos mantêm-se à parte dos conflitos que os mais novos criam: “Os novos é a irreverência da juventude que está sempre ao de cima. Portanto, os velhos fogem das confusões que os novos criam” (R.I.). No entanto, para alguns entrevistados dentro da prisão não existe uma expetativa quanto ao papel exercido pelos reclusos mais novos e mais velhos.

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Aqui não há papel nenhum a desempenhar. Os mais novos coitados. Novos na idade, outros novos aqui, pensam que isto é uma brincadeira (…) alguns deles também mais velhos são responsáveis, podiam-se dar ao respeito e não se dão. Portanto, praticamente, nada os distingue” (R.I.),

“Não! É igual, senhora doutora. É tudo igual” (R.I.).

Dentro do contexto prisional, os reclusos têm de estabelecer contactos diários com diferentes indivíduos, sejam novos ou idosos. Neste sentido, segundo a interpretação dos dados verifica-se a existência de uma relação de respeito e de interajuda entre os reclusos mais novos e idosos. Exemplo do referido,

“(…) respeitar sempre os mais velhos … tanto que … ou estando primeiro num sítio, sendo mais

velho em idade (…) Se me respeitam, eu tenho de respeitar. Sendo mais velho, sendo mais novo (…)” (R.A.).

“(…) estou a falar na parte de ser reincidente. Eu acho que isso não leva a ter um estatuto de, realmente, ser mais do que aquele que entra pela primeira vez, e aquele que também … o respeito com a idade de velho para novo, ou de novo para velho, tanto é aqui como lá fora, não é?” (R.I.).

“ (…) aqui precisas dele, ele ajuda-te. (…) seja com quem for e é uma questão de respeito” (R.A.).

“ (…) Nas cadeias eles respeitam os mais velhos. Há muitas aqui …pessoas de idade até aos sessenta, sessenta e um, sessenta e cinco que são deficientes, por exemplo … ou porque não têm uma perna, andam de muleta e os mais novos ajudam. No próprio refeitório levam a comida e tal, e por aí fora (…)” (R.I.).

Além do referido, os reclusos mais envelhecidos são vistos pela sociedade como não produtivos, senis, rígidos no pensamento e, antiquados em termos morais e em termos dos seus conhecimentos (Bound & Corner, 2004). No entanto, na opinião de um entrevistado, a velhice é sinónimo de fonte e transmissão de conhecimentos e, por esse motivo, a relação estabelecida do mais velho para com o mais novo é importante para transmitir saberes: “Acho que só se for para transmitir conhecimentos a outro” (R.I.).

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O reconhecimento do valor da idade cronológica do recluso no meio prisional é identificável pelo facto de a idade ser uma fonte e acumulação de experiências, sejam boas ou más para o indivíduo, tal como se depreende no discurso seguinte:

“ (…) Já temos mais idade. Já temos mais experiência. Já sabemos, pensamos já mais um

bocado em relação ao mais novo. O mais novo é diferente. Não tem uma coisa a ver com a outra. É diferente, já tem mais experiência” (R.I.).

Apesar de a idade cronológica ser mais elevada, com a chegada à terceira idade é notório o aumento da fragilidade física que interfere com o funcionamento geral; no entanto, aquele que conseguir obter apoio pessoal e social pode manter uma atividade moderadamente ativa. Na realidade analisada, é percetível a diferença da resistência física dos reclusos mais velhos em comparação aos reclusos mais novos.

“Sabe, um recluso com a idade que eu tenho, não tem a resistência que tem um … fisicamente,

não tem a resistência. Não tem a mesma resistência, como se tivesse quarenta ou cinquenta anos, ou sessenta” (R.I.).

“Uma pessoa com vinte e quatro, vinte e cinco anos, aqui dentro, é, como diz o português, aqui brincam agora, uma pessoa de idade já não é assim. Não tem tanta capacidade como nós”

(R.A.).

O facto de serem novos e terem maior resistência física é um fator propício à criação de conflitos dentro do quotidiano prisional, “ (…) o mais velho, a idade ainda pesa um bocado. Agora o mais novo, o mais novo não. Andam aí todos à porrada, uns com os outros e tudo”.

Na lógica do referido, dentro da instituição prisional a idade de experiência prisional acarreta um conjunto de benefícios no que respeita à facilidade na adaptação ao meio prisional. Depois de dar entrada, e ao longo da sua estada na prisão, o recluso velho (reincidente) reconhece os rituais que, outrora, experienciou e adapta-se melhor do que um recluso novo (primário): “ (…) uma pessoa, quando entra, não conhece nada, (…) [entra] tapadinho” (R.A.). Por outro lado, a idade cronológica tem um peso

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mais novos, eu acho que alguns guardas, não digo todos, mas algumas pessoas não têm o mesmo tipo de atitudes, do que quando é com uma pessoa mais de idade” (R.I.). Sabendo que um recluso seja novo ou idoso, ao residir na instituição prisional, é submetido aos processos de assimilação da cultura prisional, em maior ou menor intensidade, dos costumes, das formas de funcionamento e hábitos de vida em reclusão, um recluso idoso ao invés de se ajustar, somente, ao conjunto de tarefas de desenvolvimento próprias da idade avançada, tem de se adequar às regras da instituição prisional e à condição de recluso. Dentro do E.P. Porto, os reclusos idosos não são percecionados como parte específica integrante do sistema prisional e, por essa razão, por vezes, não têm um acompanhamento adequado. Além do mais, os reclusos idosos apresentam dificuldades em manifestar os seus desejos quanto às necessidades específicas do contexto, tal como se depreende da transcrição seguinte:

No decurso da conversa, a adjunta interrompe, dizendo “os reclusos mais velhos não são pessoas do sistema. Não têm o ritmo do cadastrola que está sempre a fazer petições”. Neste sentido, pelo que entendi os reclusos mais idosos não deviam ser inseridos neste meio e, por essa razão, apresentam dificuldades em manifestar-se quando têm algum problema (NT).