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CAPÍTULO III – TRILHOS PERCORRIDOS

4. Descrição do Percurso de Estágio

A entrada na realidade do E.P. Porto como estagiária das Ciências da Educação contemplou duas dimensões: a intervenção e a investigação. Durante a minha presença in locus tive a oportunidade de observar e participar nas atividades desenvolvidas pelos T.S.R e por entidades que se deslocaram ao contexto para promover atividades em prol do desenvolvimento social dos reclusos. Além do referido, atendendo à complexidade da realidade prisional e à vontade de procurar construir conhecimento sobre uma temática, a vertente de investigação foi surgindo no decurso do estágio.

Ao longo de toda a permanência no local na realidade do E.P. Porto fui experienciando o papel de um T.S.R. e, para tal, fui auxiliando a minha orientadora local nas diversas atividades desenvolvidas neste contexto, nomeadamente: os atendimentos individuais aos reclusos; a participação nas reuniões de pavilhão, nas reuniões de Equipa de Observatório Permanente (E.O.P.), no Conselho Técnico para atribuição de R.A.I., o programa “Construir um Plano de Prevenção e Contingência”, a realização de avaliações e Planos Individuais de Readaptação e participação na atividade de música do projeto ECOAR – Empregabilidade, Competências e Arte.

Os atendimentos individuais eram uma constante do meu dia-a-dia enquanto estagiária.

“A parte da tarde foi mais atribulada. Por volta das 14h30 estive com a minha orientadora a realizar atendimentos no pavilhão C. Hoje faltou uma das técnicas e todos os reclusos com número par que solicitaram atendimento foram atendidos pela minha orientadora. Neste sentido, os atendimentos realizados tiveram como intuito consultar as conta-correntes, esclarecer uma situação jurídica, informar as visitas autorizadas, alterar uma fixação de visita, inserir números de telefone no cartão do recluso e preencher uma petição para pedir impedimento laboral (Notas de Terreno Maria Fernandes, 29 de Janeiro de 2016)”.

“ (…) em conjunto com a minha orientadora, dirigimos os nossos passos para o pavilhão C onde os atendimentos individuais iam ser iniciados. Ao entrar no corredor central tivemos de esperar

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que o guarda nos abrisse a porta para termos acesso ao mesmo espaço dos reclusos. Quando entramos no pavilhão C, levantamos o expediente com os guardas, abrimos o gabinete e enquanto eu preparava o computador e a cadeira, a minha orientadora abriu a caixa de correio para retirar as cartas e as petições que os reclusos deixaram. Consequentemente, verificamos quais as petições que estavam integradas na sua lista de atendimentos, deixando as restantes no parapeito da janela para as restantes técnicas atenderem os seus reclusos. Os reclusos foram entrando e levantando as suas dúvidas relativamente à sua situação jurídica” (Notas de Terreno Maria Fernandes, 25 de Novembro de 2015).

“De repente, o barulho instalou-se no pavilhão [B] e todos os reclusos queriam ser atendidos, não respeitando, por vezes, as ordens do técnico. Estando um recluso a ser atendido, outro já ia entrando pelo gabinete e não esperava pela sua vez. Como a técnica estava sozinha e não dava conta do recado estive a auxiliá-la, realizando a maior parte dos telefonemas solicitados e resolvendo questões relacionadas com a contabilidade” (Notas de Terreno Maria Fernandes, 23 de Dezembro de 2015).

No seguimento do referido, depreende-se que os atendimentos individuais ocorrem todos os dias e sempre que o recluso os solicite. Os atendimentos, na sua maioria, estavam relacionados com a entrega de documentos, consulta de conta- corrente, pedido de telefonema para o exterior, inserção de contactos telefónicos no Sistema de Informação Prisional, pedidos de saída ao exterior e esclarecimentos de dúvidas quanto à situação jurídica.

Além do referido, às terças-feiras a equipa responsável pelo acompanhamento dos reclusos no pavilhão C (local onde estive inserida ao longo do estágio) reunia-se para partilhar acontecimentos que careciam de ser solucionados. Estas reuniões também permitiam à equipa conversar sobre os problemas existentes no trabalho realizado ao longo da semana, tal como é visível no seguinte excerto:

“A reunião de pavilhão iniciou às 10h30 num dos gabinetes da equipa técnica. Esta manteve os procedimentos normais, até ao momento em que ocorreu um desentendimento na equipa técnica. Do que observo diariamente, verifico que os reclusos acompanhados por um membro da equipa técnica queixam-se constantemente do seu atendimento, ou melhor, do não atendimento. Estes reclusos diariamente discursam negativamente sobre o mesmo e pedem à minha orientadora para ver a conta-corrente, pedir telefonemas, entre outros. Face a isto, acordou-se que a partir de hoje nenhum técnico atende recluso de outro, salvo se faltar, sendo orientado pelo chefe de ala” (Notas de Terreno Maria Fernandes, 03 de Novembro de 2015).

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No dia seguinte à reunião de pavilhão, por norma, ocorria a reunião da Equipa de Observatório Permanente. Nesta reunião encontravam-se presentes a adjunta do diretor responsável pelo Tratamento Penitenciário, um chefe de guardas, um membro da equipa de cada pavilhão e um membro do serviço clínico, sendo que, alternadamente participavam na reunião e partilhavam as situações analisadas nas reuniões dos pavilhões e que necessitavam de respostas.

“A parte da manhã foi destinada à reunião de observatório permanente onde os representantes dos pavilhões, dos serviços clínicos, o chefe de guardas e a adjunta do diretor debateram algumas ideias centrais do trabalho diário no estabelecimento prisional. Neste dia em específico, partilharam-se assuntos relativos aos entrados, mais concretamente, o caso de um recluso toxicodependente que na opinião do técnico de reeducação necessita de um acompanhamento dos serviços clínicos. Além disto, foram solicitados vários pedidos de acompanhamento dos serviços clínicos, psicologia e psiquiatria. Alertaram para o caso específico, de um recluso que, neste momento, encontra-se com excesso de peso e necessita de realizar exercício físico para não surgirem novas complicações de saúde (Notas de Terreno

Maria Fernandes, 04 de Fevereiro de 2016).

No seguimento do estágio, também tive a possibilidade de observar no Conselho Técnico para colocação em R.A.I. e, em conjunto com a orientadora local, preparei a monitorização da situação dos reclusos presentes na listagem para aprovação da nova medida de flexibilização da pena e participei na realização de Planos Individuais de Readaptação que, sempre que facultado, era partilhado pelos técnicos e aprovado pelo diretor do estabelecimento prisional no Conselho Técnico.

“O Conselho Técnico para colocação em R.A.I. começou às 14h30, estando presentes o diretor, o chefe de guardas, a adjunta do diretor e os técnicos que realizam o acompanhamento dos reclusos presentes na listagem para apreciação em colocação desse regime. Nesta reunião os técnicos têm em consideração a situação jurídica e o percurso prisional e, por norma, se o recluso tiver beneficiado de apenas uma saída jurisdicional não lhe é atribuído novo regime ou, por exemplo se o meio de pena estiver longe. Após todos os reclusos serem apreciados para o novo regime, alguns técnicos permaneceram na sala para partilhar as propostas do Plano Individual de Readaptação” (Notas de Terreno Maria Fernandes, 27 de Janeiro de 2016).

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Por conseguinte, é exigido ao T.S.R. a recolha de informação acerca do percurso prisional do recluso, bem como a atribuição de um parecer favorável/desfavorável em relação às medidas de flexibilização da pena. Numa lógica de trabalho de equipa, em conjunto com a orientadora local, auxiliei no processo de atribuição desse parecer.

Acrescento, ainda, que tive a oportunidade de participar na realização de avaliações de renovação de instância solicitadas pelo Tribunal de Execução de Penas. É importante mencionar que a realização de avaliações é um processo crucial no percurso prisional dos reclusos, uma vez que nelas são expressas as mudanças efetivas do seu comportamento e perspetivas futuras de reinserção social.

“Depois do almoço e atendendo ao número de avaliações solicitadas pelo Tribunal de Execução de Penas, sugeri à minha orientadora ser eu a redigir as avaliações que conseguisse na parte da tarde. (…) tomei a liberdade de ir até à secção de reclusos recolher as informações necessárias sobre os reclusos que seriam avaliados. De seguida, regressei ao gabinete e iniciei a avaliação de um recluso que está prestes a sair em liberdade (o final da pena é em outubro) (…) Segui os procedimentos normais da realização das avaliações (a história de vida, o percurso educativo e laboral, o estado de saúde, as saídas ao exterior, as perspetivas de reinserção social) e reconstrui a sua história conforme os dados recolhidos no processo da secção de educação, na entrevista e no relatório redigido pela equipa de reinserção social. No final a minha orientadora deu uma leitura e procedemos à sua impressão” (Notas de Terreno Maria Fernandes, 28 de Janeiro de 2016).

Relativamente ao programa “Construir um Plano de Prevenção e Contingência, tal como o nome indica, visa a prevenção da reincidência e da recaída, direcionado a reclusos na fase final do cumprimento de pena e foi concebido de forma a adaptar-se a reclusos em regime fechado ou em regime aberto. Neste sentido, os principais objetivos do programa resumem-se no seguinte: a avaliar a importância de antecipar o que pode correr mal na sua vida futura, a construir planos de prevenção (utilizar estratégias de antecipação e de correção), a construir planos de contingência, a traçar as metas/objetivos que pretendem alcançar a curto médio e longo prazo (após a libertação), a planear as ações necessárias para atingir essas metas e a construir um projeto de vida para o ano seguinte à sua libertação. Apesar do programa ser bastante estruturado, à medida que ia acontecendo, decorreram alguns constrangimentos referentes à sala onde iria decorrer.

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“ [o programa] (…) ainda não possui uma sala para o efeito pretendido para a próxima sessão, em conjunto com a minha orientadora dirigimo-nos a todos os pavilhões, onde os reclusos estão alocados, com o objetivo de avisá-los que hoje não iria ocorrer a sessão da tarde. Um dos reclusos comentou que o trabalho de casa já está a ganhar bolor na cela, pois este trabalho já foi pedido há duas semanas atrás e ainda não ocorreu nova sessão” (Notas de Terreno Maria Fernandes, 27 de Janeiro de 2016).

“Por volta das 15 horas reunimo-nos com a adjunta do diretor com o intuito de solucionarmos o problema do espaço para o desenvolvimento da quinta sessão do Programa “Construir um Plano de Prevenção e de Contingência”. Tentamos, ao máximo encontrar um espaço para a sua realização, no entanto, nem na escola há uma sala vaga e, por essa razão invocamos a ajuda de uma pessoa com poder na instituição para nos auxiliar na busca do não encontrado. Todos os sítios possíveis estavam ocupados” (Notas de Terreno Maria Fernandes, 20 de Janeiro de 2016).

No que respeita à participação na atividade de música do projeto ECOAR – Empregabilidade, Competências e Arte é essencial referir que foi desenvolvido um projeto musical direcionado à população reclusa que não estivesse a desempenhar qualquer tarefa, seja laboral ou escolar. Esta atividade decorreu às terças e sextas- feiras da parte da manhã no salão de visitas e era acompanhada por dois membros da equipa de reeducação, inclusive a minha orientadora, um professor de música da

associação a PELE4, uma técnica superior das Ciências da Educação da FPCEUP e um

membro do corpo de guardas prisional. Deste modo, a atividade musical consistia em construir uma peça musical e no final das sessões programadas pelos responsáveis do projeto, apresentaram à comunidade. Ressalvo, ainda, que este projeto envolveu outros estabelecimentos prisionais, onde a arte circense e a dança foram as áreas trabalhadas com a população reclusa masculina.

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. A PELE – Espaço de Contacto Social e Cultural é “uma estrutura artística do Porto, criada em 2007, e

que aposta na afirmação do teatro enquanto espaço privilegiado de diálogo e criação coletiva, norteando os processos de trabalho pelo princípio de colocar os indivíduos e as comunidades no centro da criação, potenciando processos de “empoderamento” individuais e coletivos e procurando o equilíbrio entre ética, estética e eficácia, assumindo a criação artística como uma alavanca para o desenvolvimento comunitário, social e económico, contribuindo para a coesão social e territorial”.

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Além do referido, participei no preenchimento de saídas administrativas, na consulta de documentos relativos aos processos individuais dos reclusos, na celebração do dia da U.LD. e na festa de Natal do estabelecimento prisional.

Nesta lógica, a minha participação nas diferentes atividades proporcionou a compreensão de uma realidade que desconhecia. Deste modo, “as situações do quotidiano exigem respostas contextualizadas num diálogo permanente entre teoria e prática que concilie a universalidade dos princípios com a singularidade das situações” (Timóteo & Bertão, 2012). Portanto, o ponto seguinte incide nas principais linhas de investigação que guiaram o meu percurso de estágio no contexto prisional.