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A administração política nas sociedades industriais avançadas

1. RECONSTRUINDO OS CAMINHOS DO CAPITAL

1.2 O capitalismo tardio segundo a Escola de Frankfurt

1.2.3 A administração política nas sociedades industriais avançadas

Para Terra (2003) existe uma significativa diferença temporal nas perspectivas críticas de Adorno e Horkheimer e Marcuse. Enquanto os primeiros analisam o nascimento da administração política da vida pela Indústria Cultura, o segundo depara-se com um estágio avançado dessa administração. Marcuse (2015) usa constantemente a expressão “sociedades industriais avançadas” para se referir a sociedades capitalistas do pós grande segunda guerra.

Essa diferença temporal não pode ser ignorada. Porém, não é possível ignorar também uma certa linha contínua na crítica desses três filósofos. É por essa linha que se guia nossas análises. Marcuse (2015) percebeu que a Indústria Cultural – referida em geral por ele como a mídia – trabalhando a favor da ordem existente, ajudou a produzir um mundo de administração das necessidades. Não qualquer necessidade humana, mas as falsas necessidades.

Voltemos a Adorno e Horkheimer (1985, p. 115) quando escrevem que

A indústria cultural não cessa de logra a seus consumidores quanto aquilo que esta continuamente a lhes prometer. A promissória sobre o prazer, emitida pelo enredo e pela encenação, é prorrogada indefinidamente: maldosamente, a promessa a que afinal se reduz o espetáculo significa que jamais chegaremos a coisa mesma, que o convidado deve se contentar com a leitura do cardápio.

Para esses filósofos a administração se da nesse jogo em que o regozijar-se com o objeto de consumo é sempre adiado para um outro objeto que a inda esta por ser produzido. Como se tudo que foi consumido seja apenas o cardápio daquilo que ainda não foi produzido.

Desta maneira, e nesse jogo, tal indústria se torna o elemento mediador central das necessidades humanas. Não mais produzindo apenas os objetos de consumo como objetos de satisfação, mas produzindo a própria necessidade de consumir. Ainda para Adorno e Horkheimer (1985, p. 119) “Quanto mais firmes se tornam as posições da indústria cultural, mais sumariamente ela pode proceder com as necessidades dos consumidores, produzindo-as, dirigindo-as, disciplinando-as e, inclusive, suspendendo a diversão: nenhuma barreira se eleva contra o progresso cultural.”.

Segundo Marcuse (2015), essas necessidades produzidas são entendidas como as falsas necessidades. Elas são impostas por interesses particulares da dominação, essa não mais puramente econômica, com o intuito de gerenciar politicamente a vida. Tais necessidades superimpostas bloqueiam a capacidade de politização dos indivíduos nessas sociedades.

Aqui o elemento perda da experiência passa a ser acompanhado de perda de autonomia política. É nessa derrocada do homem politizado que Marcuse (2015) lança um dos principais conceitos de sua filosofia: a noção de “unidimensionalização da vida”. Para ele, “Surge assim um padrão de pensamento e comportamento unidimensional, na qual as ideias, aspirações e objetivos que, por seu conteúdo, transcendem o universo estabelecido do discurso e da ação são ou repelidos ou reduzidos a termos desses universais” (MARCUSE, 2015 p. 50).

A linha de convergência entre os pensamentos desses autores fica mais nítida nesse ponto. Tanto para Adorno e Horkheimer (1985), quanto para Marcuse (2015), é a Indústria Cultural a inauguradora das novas modalidades de dominação política difundidas pela mídia. Podemos constatar isso quando Marcuse (2015, p. 51) escreve que

O pensamento unidimensional é sistematicamente promovido pelos técnicos da política e seus provedores de informação das massas. Seu universo do discurso é povoado por hipóteses que se autovalidam e que, incessantemente e

monopolisticamente repetidas, tornam-se definições ou prescrições hipnóticas.

Assim, para os três autores, a fase do capitalismo que sucede o capitalismo industrial descrito por Marx e Weber é o capitalismo tardio cuja principal característica é a administração total da vida em sociedade. “Quando esse ponto é alcançado, a dominação – disfarçada de afluência e liberdade – estende-se a todas as esferas da existência pública e privada.” (MARCUSE, 2015 p.54).

Essa dominação tem o intuito de domesticação da sociedade. A esse processo Marcuse (2015) chamou de “fechamento do universo político”. Tal fechamento ocorre pela combinação entre dois modos de estados sociais: o de Bem-Estar, comum as sociedades pós-

segunda guerra, e o Estado de Guerra, comum as sociedades imperialistas do século XIX e XX.

Para ele, o Estado de Bem-Estar é a principal marca da vida administrada, pois o aparato técnico produzido pelos avanços do Capitalismo e a difusão de uma sensação de segurança pela mídia tenta anular as contradições políticas internas a essa forma de organização social.

No entanto, o Estado de Guerra se faz presente em cooperação com o de Bem- Estar. Ele é sempre posto como aquilo a ser evitado, mas que deve existir para proteger a estrutura social do Bem-Estar se e quando esta sofrer ameaças. Esta, suposta, contradição é comum na sociedade totalmente administrada. Ela é a face de uma sociedade que se diz pluralista, mas onde instituições concretamente opostas cooperam para a manutenção do status quo vigente, uma vez que “o inimigo é permanente. Ele não está no estado de emergência, mas no estado normal das coisas. Ele ameaça tanto na paz quanto na guerra (e talvez mais do que na guerra); assim, ele está sendo incorporado ao sistema como força de coesão” ( MARCUSE, 2015 p. 80)

O inimigo à qual se refere o autor, esse que aparece como força de coesão, é qualquer formação política que se oponha a vida administrada. O pluralismo oferecido pelo acesso à diversidade do consumo é um falso pluralismo, pois ele visa, tão somente, a unimensionalização da vida.

Assim como Adorno e Horkheimer (1985), Marcuse (2015) identificou fortes traços de organizações totalitárias nas sociedades democráticas. Uma vez que, para eles, a democracia no capitalismo é uma eficiente forma de dominação. “Totalitária não é apenas uma coordenação política terrorista da sociedade, mas também a coordenação técnico- econômica não terrorista que opera através da manipulação das necessidades por interesses escusos.” (MARCUSE, 2015 p. 42).

Nesse ponto Rouanet (1986, p. 208) nos oferece uma precisa visão sobre a unidimensionalização e suas consequências.

O efeito final da unidimensionalização da realidade e do pensamento é a produção do consenso integral. O indivíduo satisfaz necessidades heterônomas, achando que esta satisfazendo as próprias necessidades. Seu comportamento é regido por exigências externas, quando julga estar agindo livremente (...). O indivíduo quer sua servidão achando que está querendo liberdade. Pensa e sente o que lhe é imposto, achando que tais pensamentos e sentimentos são auto-engendrados. Ao contrario do que ocorria em etapas passadas do capitalismo. Em que promessas da ideologia eram refutadas pela realidade da miséria cotidiana, a realidade hoje, é a realização concreta daquelas promessas. As necessidades materiais são atendidas de uma forma impensável há algumas gerações. Se assim é, houve um deslocamento no lugar

social da mistificação, que passa exercer-se agora, a partir do próprio aparelho produtivo.

A unidimensionalização atinge todas as esferas da vida em sociedade oferecendo, via mídia, novos valores a serem consumidos. Lembremos-nos da definição provisória de “formas de vida” oferecida na introdução desse texto. Campos como trabalho, desejo e linguagem passam, também, por esse processo. A política das sociedades industriais avançadas busca a hegemonização de um modelo de “forma de vida” hegemônico: o modelo unidimensional. Flexível o suficiente para parecer democrático, mas totalitário em sua gestão desta flexibilidade.

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