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2. RAZÃO E RACIONALIDADE: RESCRUINDO OS CAMINHOS DO LOGOS AO

2.2 A razão em seu aspecto instrumental: a crítica da Escola de Frankfurt

2.2.3 A racionalidade instrumental no capitalismo tardio

A Razão Instrumental opera através dos processos de racionalização da vida e, assim, sustenta a estrutura formal do capitalismo administrado. Isso ocorre através das novas técnicas de dominação oriundas dos avanços da própria Razão. Aqui iniciamos o fechamento

das portas abertas no início deste capítulo. A racionalidade instrumental é produto dos avanços da Razão. Ela nasce no processo de transição entre a Razão Objetiva e a Razão Subjetiva.

Nessa transição há uma substituição tanto de objeto quanto de função da Razão. Horkheimer (2002) aponta que, com isso, o objeto específico da Razão deixou de ser o “o que se pode conhecer?” para ser o “como se pode conhecer?”. Nos questionamentos sobre: “o que se pode conhecer?”. “Quais os limites e as possibilidades do saber sobre o mundo?”. A Razão se orienta para um fim que em última instância é o ideal de liberdade. Tanto para o pensamento grego, quanto para o pensamento moderno a maturidade da Razão é sinônimo de justiça e boa vida em sociedade.

Ao passar a questionar “como se pode conhecer?” ocorre uma substituição desses ideais por uma ideia pragmática de mundo. Tal questionamento ganha contornos de “como se pode controlar?”. Nessa relação está implícita a relação entre saber e dominação. Poderiamos reformular essas expressões da seguinte maneira: “Como se pode conhecer o mundo para administrá-lo?”. Esta formulação faz referência tanto à natureza, quanto a vida social.

Iniciamos o capítulo afirmando que racionalização é o processo pelo qual as racionalidades colonizam o universo mítico (tido como não racional). Essa explicação não esta errado, porém não é satisfatória para nossa pretensão. Habermas (2014) nos apresenta uma definição mais complexa e é com ela que iremos operar a partir de agora.

A ação instrumental é regida por regras e técnicas baseadas em conhecimentos empíricos. Elas implicam, em cada caso, prognósticos provisórios sobre acontecimentos observáveis, sejam eles físicos ou sociais, os quais podem ser comprovados verdadeiros ou falsos. O comportamento de escolha racional, por sua vez, é regido por estratégias baseadas em conhecimentos analíticos. As estratégias são deduzidas com base em regras de preferências (sistema de valores) e máximas gerais – cujos enunciados podem ser deduzidos de modo correto ou falso. A ação racional com respeito a fins desenvolve objetos definidos sob condições dadas; mas enquanto a ação instrumental organiza meios que se mostram adequados ou inadequados segundo critérios de um controle eficiente da realidade, a ação estratégica depende apenas da avaliação correta entre possíveis alternativas de comportamento, que somente pode ser obtida através de uma dedução feita com auxílio de valores e máximas. (HABERMAS, 2015 p. 90) .

A racionalização coloniza o mundo a partir da ação instrumental reorientando o que o autor chama de “quadro institucional” de uma sociedade. Devemos entender este conceito como sendo o conjunto das dinâmicas socioculturais da vida social. Em geral tal quadro é composto pelas formas de dominação que atuam em uma dada sociedade, a divisão de trabalho desta e a forma de legitimação da estrutura de dominação.

Nas sociedades ditas tradicionais, por exemplo, o quadro institucional repousa sobre uma ideia mística, religiosa ou metafísica de mundo. Tais ideias organizam a estrutura de trabalho dessa sociedade bem como sua pirâmide societária. Na sociedade capitalista, aqui fazemos referência ao capitalismo industrial, ocorre uma mudança nesse quadro institucional.

O referencial se torna interno à racionalidade capitalista. Assim, o quadro da sociedade não necessita de uma força externa que a justifique. A produção se torna o critério da produção. A ideia de expansão das forças produtivas se torna um fim em si. Ela não visa, como na razão objetiva, uma realização de uma estrutura social baseada em conceitos metafísicos. Ela visa à reprodução de si. De acordo com Habermas (2014, p. 99)

A superioridade do modo de produção capitalista sobre os anteriores é fundada em dois elementos: na instauração de um mecanismo econômico que permite a ampliação constante dos subsistemas de ação racional com respeito a fins, bem como a criação de uma legitimação econômica sob a qual o sistema de dominação pode ser adaptado as novas exigências de racionalidade desses subsistemas em desenvolvimento.

O capitalismo, portanto, teria a capacidade de flexibilizar seu próprio quadro institucional uma vez que a racionalidade instrumental parece não possuir um conteúdo próprio sendo esta apenas o ato de instrumentalizar a técnica. A técnica age sobre o mundo como uma nova forma de orientação de valores, pois ela determina racionalmente a melhor maneira de ser e agir.

O binômio exploração econômica e dominação política, com o advento da racionalidade instrumental, ganham uma nova dimensão. Segundo Zizek (2011) esta ganhou autonomia o suficiente para determinar os modos de vida das sociedades administradas pelo capitalismo. Ela se adapta as novas contingências técnicas, mas matem intactas as estruturas de exploração econômicas e as formas de dominação política apresentando essas com novas roupagens.

A esse processo de adaptação que Zizek (2011) sugere ser inerente à instrumentalidade, Marcuse (2015) havia chamado de “lógica da dominação”. Trata-se da capacidade que a racionalidade instrumental tem de se estabelecer enquanto critério de verdade. A Razão deixa de ser a juiz e a ré de seu tribunal para se torna mera plateia.

Tanto para Marcuse (2015), quanto para Habermas (2014), a técnica, operador concreto da racionalidade instrumental, encontra sua personificação na ciência moderna. Para esses dois autores a administração calculada, comum as práticas científicas, não mais buscam a demitilogização ou o desencantamento. Tal forma de gestão científica da vida produziu um mundo em que a verdade se encerra na própria racionalidade.

Marcuse (2015, p. 172) escreve então que “na construção de uma realidade tecnológica, não há tal coisa como uma ordem cientifica puramente racional: o processo de racionalidade tecnológica é um processo político”. Assim Habermas (2014) postula que todo conhecimento é interessado e tal postulado se concretiza no campo da dominação.

A racionalidade instrumental permite que a política ofereça, a partir da técnica, a promessa de felicidade produzindo, assim, a consciência feliz. Marcuse (2015, p. 106) define esta como sendo “a crença de que o real é racional e que o sistema entrega os bens – reflete o novo conformismo da racionalidade tecnológica traduzida em comportamento social”.

A felicidade é o discurso da administração efetuada pela técnica. Ela unidimensionaliza o pensamento fechando o universo simbólico e reduzindo significativamente as possibilidades de superação dessa condição. Há que se dizer que os esforços do Capitalismo tardio como: o ideal de felicidade, a indústria cultural e a subjetivação da Razão em forma específicas de racionalidade culminaram em uma das principais características do capitalismo contemporâneo (aqui às vezes chamado de digital), nos termos de Zizek (2008), a sua imaterialidade.

A consequência da administração da vida via racionalidade atinge seu ápice com a ascensão de uma forma de racionalidade descrita por Sloterdjink (2012) como sendo a racionalidade cínica e sua análise é a ultima tarefa que nos propomos nesse capítulo.

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