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É impossível pensar em desenvolvimento sustentável sem valorizar a biodiversidade e o conhecimento construído a partir da interação Homem-natureza. Neste sentido, Valle (2002 apud De Boef et al , 2007), alega que o ambiente rural é “o celeiro do conhecimento sobre a agricultura tradicional”. Sendo assim, Diez e Bezzi (2007 p. 56) complementam que:

[...] os agricultores familiares são detentores de conhecimentos significativos sobre suas propriedades, o que deve ser potencializado e utilizado como instrumento nas estratégias de agregação de renda e melhoria da qualidade dos produtos agrícolas que visam promover a agricultura sustentável.

Segundo Santos (2005, p.8), “a forte produção para a subsistência característica da agricultura familiar permite não apenas potencializar a diversificação da pauta de produtos alimentares a serem escoados nos mercado, mas diminuir os custos de compra de alimentos”. A agricultura familiar tem papel preponderante na manutenção da agrobiodiversidade16 e na segurança alimentar17 e tem uma relação direta com a qualidade e quantidade de produtos presentes na refeição do consumidor.

Um exemplo desta riqueza são as variedades crioulas. Um estudo efetuado em 2002 em Anchieta, Santa Catarina, demonstra que os agricultores distinguem mais de 30 variedades de milhos crioulos, das quais 14 estavam sendo cultivadas a mais de dez anos, nove por mais de 15 anos, duas por mais de 40 anos e duas por mais de 100 anos, conforme relata Ogliari et al (2007). Segundo De Boef et al (2007), variedades de milho locais _o milho crioulo_ tornaram-se símbolos da busca pela autonomia dos agricultores familiares, fazendo-os independentes da pesquisa

16A agrobiodiversidade, de acordo com De Boef (2006), pode ser entendida como um processo de

relações e interações entre manejo da diversidade entre e dentro de espécies, conhecimentos tradicionais e manejo de múltiplos agroecossistemas, sendo um recorte da biodiversidade.

17Conforme Menezes (2001), a Segurança Alimentar e Nutricional é a garantia do direito de todos ao

acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, nem sequer o sistema alimentar futuro, devendo se realizar em bases sustentáveis. Todo país deve ser soberano para assegurar sua segurança alimentar, respeitando as características culturais de cada povo, manifestadas no ato de se alimentar.

agrária, da extensão e da educação pública direcionadas à agroindústria e ao setor privado.

Em contraponto, devido ao processo de modernização da agricultura no Brasil, que visava a exportação principalmente de soja, café e laranja, direcionada principalmente aos grandes produtores, foram abandonadas as metodologias agrícolas tradicionais, que eram mais adaptadas ao meio ambiente em prol das tecnologia de uso intensivo de insumos_ fertilizantes químicos e pesticidas _ e sementes “melhoradas”. O resultado desta transformação, segundo Khatounian (2001), foi a marginalização do agricultor familiar, o aumento da dependência externa, o êxodo rural e a concentração de terras.

Para Delwing et al, (2007, p.22), o “recente êxodo rural maciço ocorrido no mundo, de maneira geral, e especialmente no Brasil, é o principal agente de desorganização e erosão do conhecimento sobre o modo de viver na área rural”. Este processo foi seguido por um declínio extremo na diversidade cultural e biológica, conforme explica De Boef et al (2006). A perda das variedades locais, altamente adaptadas aos agroecossistemas em detrimento das variedades melhoradas, associadas à perda de valores culturais, afeta as populações destes locais. Elas fazem parte da autonomia familiar e constituem um fator preponderante para a segurança alimentar. Segundo Altieri (2000), o estreitamento das bases genéticas da agricultura aumentou o risco, porque as culturas ficaram mais vulneráveis as pragas, doenças e variações climáticas.

A confirmação desta perda é que atualmente, segundo Hobbelink (1990), noventa e cinco por cento de nossas necessidades alimentares globais derivam de apenas 30 espécies de plantas e a nossa dieta baseia-se em tão somente em oito cultivos, sendo estes responsáveis por três quartos da nossa alimentação. O Brasil é o país com maior diversidade genética vegetal no mundo, segundo Simões et al (2001, apud Dewing et al (2007), no entanto, tanto as espécies silvestres quanto as espécies cultivadas, tradicionalmente melhoradas, vêm desaparecendo. Isto sugere que a diversidade alimentar pode e deve ser incrementada, fazendo com que mais vitaminas, princípios ativos e constituintes alimentares possam atuar na promoção da saúde, interferindo beneficamente na qualidade de vida das populações.

Neste contexto, a agroecologia e as formas de agricultura alternativas, em geral, defendem a manutenção da agrobiodiversidade nas propriedades rurais ao enfatizar o uso dos recursos disponíveis no local, e incentivar a diversificação de

produção, tornando-as atividades economicamente mais viáveis. A FAO (2007) aponta a agricultura orgânica como um caminho para se alcançar a segurança alimentar, justamente por valorizar a agrobiodiversidade.

A diversificação da produção, valorizada pela agroecologia e característica da pequena agricultura familiar, confere ao agricultor, segundo Campanhola e Valarini (2001), a vantagem da estabilidade da renda durante o ano, diminuindo a sua sazonalidade ao mesmo tempo em que melhora a sua segurança. Ela reduz o risco de quebras na renda devido à flutuação dos preços e à incidentes naturais, como a ocorrência de pragas, doenças, geadas e assim por diante, que, devido à sua limitação no tempo, somente afetam alguns cultivos em períodos específicos.

Altieri (2002) complementa que a diversificação permite ainda a associação de plantas com diferentes hábitos de crescimento, graus de sombreamento e estruturas radiculares, promovendo um melhor aproveitamento dos recursos ambientais, como a água e a radiação solar. Os modelos de cultivos múltiplos procuram assegurar a cobertura vegetal do solo e oferecem, segundo Campanhola e Valarini (2001), maior facilidade de manejo dos sistemas produtivos com recursos da própria propriedade (fertilizantes orgânicos, produtos naturais para controle fitossanitário, controle biológico natural, tração animal, combustíveis não-fósseis, etc).