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CAPÍTULO 3 – REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL

3.1 A ambivalência e suas repercussões no trabalho

Etimologicamente a palavra ambivalência deriva do latim prefixo ambi, que significa dualidade. Valência, é derivado do latim valentia, significando a palavra força. De acordo com o dicionário Luft (2009, p.31), a palavra ambivalência é empregada pela psicologia para se referir a “pessoas que tem dois valores e aspectos” e, ainda que, “tem dupla orientação no querer e no sentir”. Dessa forma, pode-se inferir que o emprego desta palavra pode tanto se referir a sentimentos positivos e negativos para algo, ou ter sentimentos de ambos os lados de uma questão, sendo a ambivalência compreendida, assim, como um estado de ter simultâneidade, ou seja, sentimentos conflitantes para uma pessoa ou coisa. De outro modo, ambivalência é a experiência de ter pensamentos e emoções simultaneamente positivas e negativas para alguém ou alguma coisa.

Na teoria sociológica, apresentam-se alguns conceitos importantes sobre ambivalência através da ideia de papel, status e privação relativa, segundo Merton (1976). Entretanto, Smelser (1998) compreende a ambivalência através dos processos intrapsíquicos, e não os papéis, como fizera Merton: “a noção de

ambivalência nos leva a entender e explicar uma gama de comportamentos e situações que vão além do âmbito das explicações da escolha racional” (Smelser, 1998, p.5). Nesse entendimento, pode-se compreender a ambivalência sociológica tanto nos limites e contradições da teoria da escolha racional quanto nos limites e contradições da abordagem funcionalista. No entanto, este estudo, utiliza-se do conceito de ambivalência relacionado à interpretação dos resultados obtidos através dos estudos empíricos sobre trajetórias individuais e escolhas profissionais de trabalhadores que formam o corpo gerencial de um hotel localizado na cidade de Natal/RN, conforme Berrebi-Hoffman et al (2009).

De acordo com Berrebi-Hoffman et al (2009, p.12), “a noção de ambivalência sociológica” cunhada por Merton nos permite reinterpretar as estratégias individuais modernas postas em ação sob a pressão de uma flexibilidade imposta, considerando tais situações de trabalho como aquelas em que “a ambivalência floresce” ao invés de simplesmente explicá-las pelo recurso à teoria das escolhas racionais.

A ambivalência apresenta conotações negativas por uma parte da sociologia clássica do pós-guerra relacionando-a com a tentativa de satisfazer normas inconciliáveis, e assim, a ambivalência era vista como destrutiva, por criar tensões, insatisfações e disfunções num mundo governado por uma aderência inequívoca a papéis sociais bem definidos. Já para Merton (1976), o entendimento do conceito de ambivalência permite evitar uma abordagem funcionalista excessivamente estreita sobre os papéis sociais. Neste contexto, o conceito de ambivalência se aproxima mais a uma abordagem da Psicologia, inspirada em Freud, significando, por exemplo, possuir sentimentos opostos por uma mesma pessoa ou objeto (LUFT, 2009). Berrebi-Hoffman et al (2009, p12) acrescentam que, a ambivalência no âmbito da sociologia se refere a expectativas normativas incompatíveis seja em relação a atitudes, seja em relação a crenças e comportamentos que são atribuídos a um status (isto é, a uma posição social) ou a um conjunto de status numa sociedade.

Merton (1976) apresenta seis tipos diferentes de ambivalência, onde o primeiro tipo a ambivalência é penetrante, difusa e repercute sobre a natureza das relações que a pessoa tem com as outras pessoas que convive. O segundo tipo de ambivalência refere-se às contradições sofridas pelo indivíduo num certo papel que desempenha: pai/marido, mãe/esposa, trabalhador, membro de várias associações.

Já o terceiro tipo de ambivalência é semelhante ao segundo, mas do ponto de vista oposto, onde as contradições sofridas pelo indivíduo refere-se os diferentes papéis associados a um determinado status. O quarto tipo se refere às contradições entre os diferentes valores disseminados pela sociedade (negócios versus família, honestidade versus sucesso a qualquer preço...). O quinto tipo é associado às contradições vivenciadas entre os valores de um grupo ou sociedade e a habilidade dos indivíduos em seguir esses ditames morais. O último tipo de ambivalência é o que surge das contradições entre os valores de uma sociedade (ou grupo) e os de outra sociedade (ou grupo).

Para Guivante e Tomiello (2008, p.58), “O contínuo movimento de significação e re-significação pode gerar o desconforto da dúvida, dos sentimentos contraditórios, da sensação de permanente duelo entre a aparência e a busca da verdade”. Nesse aspecto, a ambivalência torna-se desagradável quando os aspectos positivos e negativos de um assunto estão presentes na mente de uma pessoa ao mesmo tempo. Guivante e Tomiello (2008) acrescentam que este estado pode levar a evasão, ou a deliberada tentativa de resolver a ambivalência. Quando a situação não requer uma decisão a ser feita, as pessoas têm menos desconforto mesmo quando acometidas do sentimento ambivalente.

Guivante e Tomiello (2008) também destacam que a idéia do desconforto que o indivíduo sente em ter que escolher entre alternativas que se apresentam confusas é resultado de uma situação ambivalente, provocando, assim, uma sensação de indecisão, insegurança, ou seja, de perda de controle da situação vivenciada.

A ambivalência pode ser a causa de frustrações no trabalho de problemas que levam o trabalhador ao desgaste físico e psíquico, conforme defende Wisner (1987). O autor afirma que o trabalho é uma atividade organizada, muitas vezes de forma extrema, onde o contrato de trabalho se impõe severamente através do controle de chegada e de saída do local de trabalho, cadências e procedimentos de trabalho, atitudes diante da chefia e da clientela. A organização dessas atividades é estabelecida para os trabalhadores em geral e muitas vezes não levam em consideração as características individuais de cada um e as variações de suas possibilidades.

Para Wood e Caldas (2007), as organizações podem ser compreendidas como fontes de prazer ou de dor, isto é, elas permitem ao indivíduo a possibilidade

de realização profissional e ainda contribuem para melhorar as condições materiais de vida, como também e de forma antagônica, elas podem ser fonte de patologias, disfunções e de sofrimento. Assim, as organizações se apresentam como “um fenômeno ambíguo, paradoxal e cheio de contradições” (WOOD; CALDAS, 2007, p.72). Este sofrimento pode advir como consequência de ações insensatas e fraudulentas cometidas pela organização ou por excesso de trabalho ou quando o trabalho não existe para o trabalhador ou, ainda, quando este não encontra sentido no trabalho que desempenha.