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A análise das interações discursivas

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4.4 A ANÁLISE DOS DADOS

4.4.2 A análise das interações discursivas

As interações discursivas são um fenômeno social que constitui fundamentalmente a língua, sendo realizadas por meio de enunciados (BAKHTIN, 2014). Tais interações são consideradas como constituintes do processo de construção de significados, quer dizer, uma negociação de novos significados em um espaço comunicativo (MORTIMER; SCOTT, 2002). Nesse sentido, Bakhtin (2011, p.261) irá dizer que “O emprego da língua efetua-se em formas de enunciados orais e escritos concretos e únicos proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana”.

Para Bakhtin (2014), qualquer enunciação é construída como uma resposta a enunciações anteriores, antecipando reações ativas da compreensão, estando em contato direto com enunciados alheios. Por essa razão, qualquer enunciação supõe alguma forma de contato entre duas ou mais vozes, uma dialogia e uma polifonia. Nessa perspectiva, só pode ter existência a partir do contato entre as vozes, quer dizer, quando a voz de um ouvinte responde à voz de um falante. Nisso, o significado é concebido como um processo e não como uma entidade estática, coerente com as concepções de conceito e de conceitualização que orientam a abordagem dos perfis conceituais.

Esse processo de construção de significados é entendido sob o olhar das teorias de Vygotsky, buscando explicar a atividade mental em sua relação com o contexto histórico, cultural e institucional. À luz de suas concepções, a sala de aula é percebida como um ambiente onde se desenvolve um processo essencialmente dialógico em que múltiplas vozes

são articuladas, primeiro no plano social, ou interpsicológico e, em seguida, no plano individual, ou intrapsicológico (MORTIMER et al, 2014a).

Baseando-se nas noções de gêneros do discurso e linguagem social de Bakhtin (1981), Mortimer e Scott (2002) desenvolveram uma ferramenta analítica para a análise de interações discursivas em sala de aula. Essa estrutura analítica pode ser entendida como resultado de uma proposta de desenvolver uma linguagem para descrever o gênero do discurso das salas de aula de ciências, tendo como principal referência as noções bakhtinianas. A ferramenta é constituída de cinco aspectos inter-relacionados, os quais se propõem a caracterizar a dinâmica das interações e o uso da linguagem nesses ambientes didático-pedagógicos.

Os aspectos que são explorados nessa estrutura analítica proposta por Mortimer e Scott (2002) são: as intenções do professor, o conteúdo, a abordagem comunicativa, os padrões de interação e as intervenções do professor. Esses cinco aspectos estão agrupados em três blocos, conforme indicado abaixo no quadro 4:

Quadro 4 – Dimensões de análise da ferramenta de Mortimer e Scott (2002)

Aspectos considerados na análise

I. Focos de ensino 1. Intenções do professor 2. Conteúdo

II. Abordagem 3. Abordagem comunicativa

III. Ações 4. Padrões de interação

5. Intervenções do professor

Fonte: Mortimer e Scott (2002).

Em relação ao primeiro aspecto, as intenções do professor podem ser as de: criar um problema; explorar as ideias dos alunos; introduzir e desenvolver o conhecimento científico; guiar o trabalho dos alunos com as ideias científicas; guiar os alunos na aplicação das ideias científicas e, manter a narrativa sustentando o desenvolvimento do conteúdo.

No segundo aspecto de análise da ferramenta, ou seja, o conteúdo, os autores propõem uma distinção entre descrições, explicações e generalizações. As descrições envolvem enunciados que tomam sistemas, objetos ou fenômenos como referência para as suas elaborações, considerando os seus constituintes ou eventos dos mesmos. As explicações situam-se em outra dimensão cognitivo-linguística que está relacionada à habilidade de utilizar um modelo teórico para se referir a um fenômeno ou sistema. As generalizações, por sua vez, consistem na elaboração de descrições ou explicações independentes de um contexto

particular. Amaral e Mortimer (2007) indicam ainda que na categorização da forma de abordagem ao conteúdo, os dados podem mostrar outras categorias que surgem com menor frequência, mas que desempenham um papel importante na construção do discurso na sala de aula, por exemplos, a narrativa científica, a exposição empírica e a exposição matemática.

A abordagem comunicativa é o aspecto central de análise da proposta, pois considera como o professor irá trabalhar as intenções e o conteúdo de ensino mediante as distintas intervenções pedagógicas. Os autores classificam esse aspecto da análise em termos de duas dimensões do discurso, a dialógica (ou não dialógica, considerada de autoridade) e a interativa (ou não interativa), que podem ser combinadas e dar origem a quatro classes de abordagem comunicativa. Na abordagem dialógica considera-se o que o aluno tem a dizer do seu próprio ponto de vista, considerando-se mais de uma voz (no sentido bakhtiniano) e havendo, assim, interanimação de ideias. O oposto disso, na abordagem de autoridade, o que o aluno tem a dizer é considerado apenas sob o ponto de vista científico, e somente uma voz é considerada, não havendo interanimação de ideias. A abordagem interativa caracteriza-se pela participação de mais de uma pessoa na ação comunicativa, e a não interativa, pela participação de apenas uma única pessoa.

Os padrões de interação são estruturas discursivas que emergem na medida em que professor e alunos alternam enunciandos na sala de aula que podem ter a função de iniciação do professor (I), resposta do aluno (R), avaliação do professor (A), feedback (F) e prosseguimento (P). Mortimer e Scott (2002) assinalam que o tipo mais comum de padrão de interação são as tríades I-R-A, ou seja, uma iniciação do professor, a resposta do aluno e avaliação do professor, entretanto, os autores sinalizam a possibilidade de que outros padrões possam ser observados, inclusive na forma de cadeias de interações não-triádicas, por exemplo, I-R-P-R-P... ou ainda, I-R-F-R-P. Em trabalhos posteriores algumas categorias propostas na estrutura analítica original foram expandidas para a produção de dados mais minunciosos Amaral e Mortimer (2007).

Por último, o aspecto “intervenções do professor” considera formas de intervenção pedagógica e foram classificadas em seis tipos: dar forma aos significados, selecionar significados, marcar significados-chave, compartilhar significados, verificar o entendimento dos alunos e rever o progresso do conhecimento científico.

Utilizamos a ferramenta descrita (exceto a dimensão dos padrões de interação) para a realização de uma análise qualitativa dos discursos produzidos na oficina com os licenciados

do PFC. O tempo de gravação da oficina foi de 10 (dez) horas. Após assistir os vídeos gravados, foram selecionados trechos da gravação para a transcrição. Essa seleção utilizou como critério a escolha de momentos das interações discursivas nos quais emergem significados, modos de pensar e formas de falar sobre química, importantes do ponto de vista das nossas intenções de pesquisa. Esse processo é descrito em mais detalhes na seção seguinte na qual descrevemos a construção dos episódios de ensino selecionados para a análise.

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