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Caracterização da zona atrativa

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6.1 CARACTERIZAÇÃO DAS ZONAS DO PERFIL CONCEITUAL

6.1.6 Caracterização da zona atrativa

Compõem esta zona do perfil conceitual interpretações e ideias acerca da química como um sentimento, uma atração, uma empatia, ou afinidade entre pessoas. São típicas as expressões largamente usadas no senso comum, atribuindo um sentido romântico ao uso do termo, por exemplo, a ideia de que “rolou uma química” – que a propósito, foi recentemente utilizada como título de um filme lançado no Brasil em 2013 (de título original, Better Living Through Chemistry) – ou de enunciados característicos dessa forma de falar sobre química, exemplificados também como, “há muita química entre nós”, para ser referir a duas pessoas apaixonadas (PATIL, 2014), ou do amor como estando associado à “química certa” ou à “química perfeita”.

Na voz dos próprios licenciandos, o uso desse termo, nesse contexto específico, está indicando tais elementos.

“A palavra química nesse caso se refere a algo bom, pode ser relacionada à afinidade, ou até mesmo aos próprios sentimentos” (Q4L4HFQ)

“Na minha opinião, o sentido da palavra química nessa frase significa que os dois indivíduos se atraíram um pelo outro.” (Q4L12HFQ)

“Quando se referimos que um casal tem uma química boa, ou seja, uma sintonia boa, uma boa relação.” (Q5L10EaD)

Dizer que há química é dizer que há uma conexão, uma combinação, uma sintonia entre duas pessoas. Ter química com alguém é quando acontece uma atração imediata ou construída com o passar do tempo, como em outros casos. Nesse aspecto, a química ocorre quando um se sente bem ao lado do outro, há compreensão entre os sujeitos, a conversa flui de forma agradável, o humor é presente na relação e um sente falta de estar ao lado do outro.

Nesta zona do perfil, o argumento de Rodrigues e Mattos (2007) para a inclusão de uma dimensão axiológica ao Perfil Conceitual, faz muito sentido, em razão da necessidade de se considerar a incorporação dos aspectos afetivo-cognitivos nesses signficados da química. Essa dimensão está relacionada aos valores e fins que os sujeitos atribuem às coisas, o que possibilita entender e reconhecer as razões afetivas das escolhas de certas representações dos objetos em contextos específicos. Como a atitude dos sujeitos na interação sujeito-mundo é modulada por seu perfil conceitual e pelo processo de aprendizado da situação imediata em que se encontra (contexto), a dimensão axiológica tem papel essencial na constituição da visão que os sujeitos possuem da realidade e influencia a tomada de decisão, e a relação do sujeito com o mundo.

Ao longo da história, artistas, poetas e escritores têm se interessado pela natureza do amor apaixonado, o desejo e o comportamento sexual. Na década de 1960, os psicólogos sociais e sociólogos começaram a investigação sistemática desses fenômenos complexos. Nas décadas posteriores neurocientistas e bioquímicos também começaram a explorar esses fenômenos (HATFIELD; HAPSON, 2009).

Michael Liebowitz, citado por Fischer (1994), em seu The chemistry of love (1983) foi o primeiro a especular sobre a “química do amor”, dividindo o que chamou de “amor romântico humano” em dois estágios básicos: atração e ligação. Propôs, então, que eventos psicológicos específicos no cérebro estariam envolvidos em cada um desses estágios e, atribuiu um papel central à Feniletilamina, a comumente conhecida “molécula do amor”, como estando preponderantemente relacionada a tais emoções.

Helen Fischer, estudando voluntários apaixonados em laboratório, também dividiu o amor em estágios, por sua vez, associados ao predomínio de substâncias neurotransmissoras (FISCHER, 1994). Em Why we love: The nature and chemistry of romantic love , Fischer (2004, citado por HATFIELD; HAPSON, 2009) argumentou que as pessoas possuem um trio de sistemas cerebrais primários projetados para lidar com relacionamentos íntimos, sendo eles: atração (amor apaixonado), a luxúria (desejo sexual), e a ligação (amor companheiro), e que a química da atração romântica geralmente eleva a atração sexual.

Opiniões dos próprios especialistas da psicologia e da medicina comportamental se orientam pelo uso desta zona do perfil conceitual, quando sugerem que para um relacionamento dar certo, “ter química é fundamental”, e nesse contexto, a expressão assume o sentido de um conjunto de qualidades e características diversas que existem no outro e que

passamos a admirar. Nos depoimentos de pessoas que vivenciaram experiências amorosas, o termo “química” aparece associado a bom relacionamento ou a um mau relacionamento quando da ausência desta (ALMEIDA, 2013).

De um ponto de vista bioquímico, o amor, diz o discurso científico, nada mais é do que uma cadeia de reações químicas que acontecem no cérebro. Sabe-se da existência de relações diretas entre os compostos químicos que circulam no nosso sangue e atuam sobre o nosso cérebro, e os nossos comportamentos nas diversas fases do amor. Uma das responsáveis pelas descargas de emoções para o coração e as artérias é a dopamina, um neurotransmissor da alegria e da felicidade liberado no organismo para potencializar a sensação agradável do amor.

Essa perspectiva interpretativa aparece como zona do perfil conceitual de Química de licenciandos ao interpretarem contextos específicos de uso do termo:

“Para mim, que hormônios caracterizados como os da ‘paixão’ começou a reagir dentro do organismo de ambos.” (Q4L11HFQ)

“Como sempre está ocorrendo a interação química e não diferente nos sentimentos. O amor, por exemplo, existe a liberação de substâncias nos dá a sensação de que o que está ocorrendo é bom.” (Q4L5EaD)

“A química do amor, ou seja, temos algumas substâncias químicas que no nosso sistema ao serem liberadas nos faz sentir atraído.” (Q4L8EaD)

“Antes de saber da fundamentação química, compreenderia como a maioria das pessoas: que eles estão afim um do outro. Mas, agora ouvir essa frase me faz pensar na química orgânica, nas enzimas e hormônios que estão envolvidos quando o cérebro detecta o amor” (Q4L1PFC)

Em pesquisas recentes, determinadas estruturas cerebrais se mostraram mais ativadas em pessoas apaixonadas, sendo regiões ricas justamente em dopamina e endorfina, um neurotransmissor com efeito semelhante ao da morfina. A feniletilamina, parecida com a anfetamina, é outra molécula associada a esse conjunto de transformações, assim como a noradrenalina, que contribui com a memória para novos estímulos, o que explicaria o fato de que pessoas apaixonadas costumam se lembrar da roupa, da voz e de atos triviais do outro. Hormônios como a oxitocina e vasopressina, responsáveis pela formação dos laços afetivos mais duradouros e intensos, como na relação materna, também tendem a aumentar nas fases mais agudas, preparando o terreno para um relacionamento estável (ROCHEDO, 2015).

Havendo interesse por outra pessoa, a química “rola” literalmente com substâncias que provocam sintomas intensos e avassaladores em todo o corpo. Os mais evidentes são o aumento da pressão arterial, da frequência respiratória e dos batimentos cardíacos, a dilatação das pupilas, os tremores e o rubor, além de falta de apetite, concentração, memória e sono.

Tudo provocado por alterações em regiões específicas já identificadas pela ciência com a ajuda de ressonância magnética funcional e outras técnicas.

O conhecimento desse modelo explicativo faz surgir então novas estruturas interpretativas nos sujeitos, para darem sentido ao mundo, como podemos observar no comentário de um licenciando a seguir:

“Antes de saber da fundamentação química, compreenderia como a maioria das pessoas: que eles estão afim um do outro. Mas, agora ouvir essa frase me faz pensar na química orgânica, nas enzimas e hormônios que estão envolvidos quando o cérebro detecta o amor” (Q4L1PFC)

Fomos buscar algumas referências sobre o tema do amor na filosofia, com a hipótese inicial de que o mundo natural é ontologicamente distinto do mundo social. Na busca dos compromissos ontológicos, epistemológicos e axiológicos que fundamentam esta zona do perfil, tomamos, inicialmente, algumas contribuições da fenomenologia das emoções e dos valores de Max Scheler (1874-1928).

Scheler (1973 citado por VANDENBERGH, 2006) concebe as emoções como atos intencionais subjetivos (noesis) e os valores como seus correlatos objetivos (noemata). Em outras palavras, os valores são sentidos nas emoções e através das emoções. São elas que descobrem um mundo de valores, tendo esses a sua própria lógica.

Para uma fenomenologia da percepção, a primazia do amor sobre o conhecimento tem implicações importantes. Mesmo antes de um objeto ser percebido, ele é valorado; nesse sentido, o objeto é percebido porque é, e do modo como é, valorado (VANDENBERGH, 2006). A axiológica de Scheler considera, assim, quatro dimensões, a saber: a esfera do absoluto, a esfera da cultura, os valores estéticos e os valores científicos.

Outra referência que foi importante para a nossa análise é a contribuição da representação do amor, fundamentalmente ontológica, por Tillich (TILLICH, 1954 citado por GROSS, 2015). Sem negar essa dimensão emocional, mas concedendo prioridade ao resgate da dimensão ontológica, a noção de unificação da realidade é uma característica fundamental da compreensão que Tillich elabora do amor. Ele considera o amor como o poder dinâmico da vida. Considerando as tradicionais distinções entre amor-eros, amor-cupiditas, amor-ágape e amor-filía, o amor, nessa perspectiva, está mais próximo da noção de eros. Esse, então, não pode ser criado pela vontade, ele simplesmente ocorre. Gross (2015) afirma que Tilich irá falar, portanto, de qualidades do amor e não de tipos.

Na perspectiva de Schopenhauer (2000), o amor entra em cena nesse horizonte do corpo e da sexualidade como foco da coisa-em-si do mundo. Apesar de se poder apontar o ceticismo de alguns em relação à realidade do amor, o filósofo os contesta, e assegura que o amor existe sim, pois do contrário, a literatura, espelho da vida, não abordaria o tema (BARBOZA, 2007).

Ainda segundo Barboza (2007) o tratamento do amor por Schopenhauer é feito sob a ótica do “impulso sexual”, ou seja, das motivações sexuais inconscientes. Do seu ponto de vista, é o amor sexual quem move a humanidade e é o “foco” da coisa-em-si, a vontade, interpretada com “ímpeto cego” do organismo. Tal abordagem, a nosso ver, é potencialmente útil para a interpretação do sentido de “química do amor” que estamos analisando aqui. Para Barboza (2007), essa dimensão inconsciente e propulsora do sexo também se apresenta na origem da psicanálise de Freud.

Embora a expressão “rolou uma química entre nós” não seja apenas figurativa, e encontre sentido literal na explicação bioquímica dos processos que ocorrem no cérebro, e mesmo conhecendo tais explicações para o conjunto de sensações experimentadas por alguém que está tendo uma química com outro, convém questionarmos o que é melhor: o “sentir” do que o “saber” que e porque se está apaixonado. Mesmo com dopamina e serotonina e todos os compostos aqui enumerados, que interagem quando a paixão nos atinge, essas formas de falar encontram valor pragmático no uso cotidiano e fornece significado afetivo às escolhas do indivíduo que as emprega. Nada desse conhecimento irá importar quando se estiver apaixonado, afinal, nem tudo o que sentimos, o fazemos com os olhos da ciência.

Aqui aparece com bastante clareza a componente axiológica dos perfis conceituais, mostrando que o teor do discurso é acompanhado de componentes valorativos que se sobressaem em relação aos epistêmicos. Tais interpretações associadas à vontade podem expressar a essência do pragmatismo, em sua noção clássica, pois se está concedendo primazia ao ser humano, como ser prático, ativo e não um ser predominantemente pensante, teórico, já que seu intelecto está a serviço do seu querer, do seu agir. Mesmo sabendo da explicação química do amor, da paixão, essa racionalidade é útil para agir e não só para conhecer, ou seja, o pensamento está conectado à aplicação na vida.

Finalizamos a discussão e caracterização das zonas do perfil conceitual proposto tecendo algumas considerações sobre esses diferentes modos de pensar e formas de falar sobre o conceito de Química. É importante destacarmos que a separação de modos de pensar

em zonas não necessariamente torna partida ou compartimentada a visão da química. Em outras palavras, no discurso dos sujeitos, podem emergir simultaneamente diferentes zonas e a expressão de algumas ideias pode até mesmo representar superposição ou intersecção de zonas. Por essa razão, justificamos a importância da análise da dinâmica discursiva e como tais zonas emergem nas discussões em sala de aula. Esse aspecto é abordado na seção seguinte.

6.2 A DINÂMICA DAS ZONAS QUE CONSTITUEM O PERFIL CONCEITUAL DE

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