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A DINÂMICA DAS ZONAS QUE CONSTITUEM O PERFIL

No documento Download/Open (páginas 160-200)

Nesta seção do trabalho apresentamos uma análise de episódios de ensino inseridos no contexto de interações discursivas estabelecidas com os licenciandos do grupo 1, participantes da oficina do Programa de Formação Complementar (PFC) do IQ-UFRN, já mencionados ao longo deste texto. Avaliaremos o perfil conceitual proposto para a noção de Química, apresentado no item anterior, mediante a investigação da dinâmica das zonas que constituem esse perfil, de modo integrado a estrutura analitica do discurso desenvolvida por Mortimer e Scott (2002).

A análise de dados do trabalho com os licenciandos no contexto da oficina, além de permitir a identificação dos compromissos envolvidos na microgênese da noção de Química, também nos forneceu elementos para caracterizarmos formas de falar que estão relacionados a modos de significar esse conceito. Ao longo desta análise, pretendemos destacar o papel desempenhado pelo perfil conceitual de Química na modelagem da dimensão cognitiva do discurso.

Para esta análise selecionamos o conjunto de episódios de ensino apresentados no quadro 12 a seguir, inseridos nos seus respectivos momentos da oficina com os futuros professores.

Quadro 12 – Conjunto de episódios de ensino selecionados do PFC, para análise.

Encontro Episódio

1º encontro: concepções de química e introdução à filosofia

da química

EPISÓDIO 1.1: Química e sua multiplicidade de formas EPISÓDIO 1.2: Química em toda a parte?

EPISÓDIO 1.3: Química e a sua relação com as outras

ciências

EPISÓDIO 1.4: Química pode ser reduzida

epistemologicamente? 2º encontro: relações de

superveniência e as concepções alternativas em química

3º encontro: modelos e explicações em química

EPISÓDIO 3.1: O objeto de estudo da química

4º encontro: refletindo sobre o ensino da natureza do conhecimento químico

EPISÓDIO 4.1: Os modelos no ensino de química

Fonte: Elaborado pelo autor.

Conforme discutimos no capítulo 4 (quatro), sobre os procedimentos metodológicos da pesquisa, a oficina foi estruturada em quatro encontros, indicados no quadro 12 acima. O primeiro encontro teve por objetivo apresentar os objetivos da oficina, introduzir a temática Filosofia da Química, e a análise de definições, expressões ou ideias acerca da química. O segundo encontro tratou das relações de superveniência, discutidas na Filosofia da Química, e as contribuições de tal noção filosófica para a análise de concepções alternativas e dificuldades de aprendizagem em química. No terceiro encontro foi disponibilizado um tempo para que grupos de licenciandos trabalhassem na construção de um CoRe (content representation) (ver apêndice E). No quarto e último encontro da oficina as produções anteriores foram socializadas no grande grupo e discutidas coletivamente.

A interpretação dos episódios irá considerar quatro das cinco dimensões da estrutura analítica de Mortimer e Scott (2002), quais sejam: as intenções do professor/pesquisador, o conteúdo, a abordagem comunicativa e as intervenções/ações do professor. Tais dimensões de análise estarão articuladas às perspectivas de significação do conceito de Química, em termos das zonas do perfil conceitual mobilizadas. A dimensão dos padrões de interação da ferramenta analítica não foi explorada nesta análise por considerarmos que nossos objetivos de pesquisa não estão estritamente vinculados aos aspectos didático-pedagógicos da interação em sala de aula, mas à natureza dos significados aí produzidos.

Para o 1º encontro da oficina, intitulado como “concepções de química e introdução à filosofia da química”, mostramos o mapa de atividades a seguir:

Quadro 13 – Mapa de atividades do primeiro encontro da oficina.

Tempo Atividade desenvolvida Principais temas Ações dos

participantes

Comentários

25min Apresentação dos participantes e discussão dos objetivos da oficina

Objetivos da oficina Os licenciandos expõem os motivos pelos quais escolheram a oficina dentre as possiblidades ofertadas pelo Alguns licenciandos comentam sobre as suas expectativas em relação a oficina, como também fornecem informações sobre seus progressos nos

programa da instituição no corrente semestre

curso.

35min40s Aplicação de questionário inicial (ver apêndice C)

Concepções sobre química

Os licenciandos respondem ao questionário 3min Comentários gerais sobre o

questionário Concepções sobre química Os licenciandos avaliam as questões e expõem opiniões gerais sobre as mesmas Muitos licenciandos afirmam que nas sentenças são apresentadas ideias para as quais nunca houve uma reflexão por parte deles 9min

(7min)

Análise de sentenças contendo ideias e

definições sobre a química

EPISÓDIO 1.1: Química e sua multiplicidade de formas Concepções sobre a química. Modos de pensar e formas de falar sobre a química O professor apresenta algumas sentenças que trazem ideias sobre a química, a partir de textos didáticos e artigos de autores da filosofia da química. Os licenciandos leem e comentam as frases. Alguns licenciandos, pelas expressões faciais e entonação expressiva de voz demonstram uma consideração e aversão à algumas sentenças sugerindo, inclusive como sendo absurdas tais representações sobre a química. 24min (5min) (1min30s) Exposição dialogada da área da Filosofia da Química EPISÓDIO 1.2: Química em toda a parte? EPISÓDIO 1.3: Química

e a sua relação com as outras ciências Breve histórico da área. Panorama dos principais temas de pesquisa e linhas de investigação, pesquisadores da área e suas instituições. A relação da química com outras ciências Impacto social e imagem pública da química. Os licenciandos ouvem a exposição e fazem comentários pontuais sobre as ideias e considerações apresentadas sobre o campo de pesquisa 20min (06min28s) Discussão sobre o problema do reducionismo e características distintivas do conhecimento químico EPISÓDIO 1.4: Química

pode ser reduzida epistemologicamente? Reducionismo e autonomia da química. Reducionismo epistemológico e ontológico Os licenciandos apresentam argumentos em torno das questões do reducionismo Um dos licenciandos destaca-se ao assumir uma posição radicalmente oposta à ideia de autonomia da química, enquanto os demais sinalizam concordar com os argumentos apresentados pela filosofia da química na exposição dialogada.

10min Comentários finais sobre o tema do reducionismo

Fonte: Elaborado pelo autor.

No início desse primeiro encontro, foram apresentadas algumas ideias em torno da química no formato de frases/definições (ver quadro 3 no item 4.3.2) para que os licenciandos analisassem e se posicionassem em relações às mesmas. Essas ideias apresentadas a eles, na forma de sentenças, foram elaboradas pelo pesquisador a partir de leituras e reflexões sobre trabalhos de autores da Filosofia da Química e a partir de livros didáticos de química. O primeiro episódio de ensino a ser analisado deste encontro é transcrito a seguir.

EPISÓDIO 1.1: Química e sua multiplicidade de formas

1. P: Vamo lá? Quem é o primeiro a falar?

2. L4: Essa um aí ((referindo-se à primeira sentença apresentada: “Química é a ciência que estuda a

matéria e suas transformações”)) é do livro né? Porque é bem como eu penso.

3. P: Também... é mais como você pensa? Química é a ciência que estuda a matéria e suas

transformações?

4. L4: ((acena positivamente com um movimento de cabeça)) Levando pro lado experimental

também (+) As reações... (reações químicas).

5. P: Certo.

6. L6: Essa última aí (+) A química é responsável pela contaminação ambiental (+) Eu não concordo

muito bem com ela (+) porque eu não vejo que seja a química EM SI (+) mas a forma em que a química é usada.

7. P: Certo (+) Outras ideias/ Oi?

8. L2: Essa outra aí tá mais completa. Pra mim a dois ((referindo-se à segunda sentença: “A química

é a ciência que estuda os materiais e substâncias, suas propriedades, constituição e transformações”)) tá mais completa.

9. P: Por quê?

10. L2: (...) aquela definição do triângulo lá... ((referindo aos eixos constitutivos do conhecimento

químico apresentados nos documentos legais)) que é a questão dos materiais e das substâncias (+) transformações (+) propriedades.

11. P: Você acha que ela é mais/ 12. L4: Correta.

13. L2: Mais correta eu não sei. Mas (+) pra mim...

14. L1: Essa cinco ((referindo-se a quinta sentença: “a química é somente física aplicada”)) também

é totalmente... ((movimenta a cabeça em sinal de desaprovação))

15. L3: Equivocada né?

16. P: Vocês acham que é equivocada?

17. L3: Porque (+) eu acredito que elas se completam (+) uma ajuda a outra.

18. P: Mas não tem aquela história né? (+) que os físicos falam assim (+) não (+) nós estudamos

desde as partículas subatômicas até o universo (+) todas as galáxias (+) a física dá conta de tudo. Então tudo tá dentro da física.

19. L3: Assim como os matemáticos dizem que tudo é matemática. 20. L4: Tudo é química.

21. L3: Cada um vai puxar pro seu lado. 22. P: E aí?

23. L3: Mas são ciências que se complementam né? Acho que uma ajuda a outra a explicar melhor

um fenômeno ou uma situação. Não existe aquela ciência definitiva. As ciências vão se complementando e ajudando ao conhecimento de mundo.

24. L1: É tanto que a química e a física vieram DAS ciências da natureza. Não foi criado a química

(+) Foi criado as ciências da natureza.

como ciência acho que não é tão velho...

26. P: É (+) depende do que você entende por química/ 27. L3: Não (+) mas tratá-la como ciência...

28. P: É como eu digo (+) mesmo tratando/mesmo você pensando como ciência (+) você vai cair em

alguns problemas.

29. L3: A química está presente desde que tudo existe né? Se você acreditar que isso foi criado

((sinaliza o espaço em volta)) (+) que teve um criador (+) então a química tava presente desde aquele momento (+) porém tratá-la como uma ciência (+) como é a matemática (+) que eu imagino (+) bem mais antiga né?

30. L6: Que antes da química tem a alquimia né (+) se eu não me engano? Ou não? 31. P: A alquimia tem um (+) papel importante na história da química.

32. L4: ((áudio não captado))

33. P: Aí (+) por exemplo (+) essa questão que você falou aí ((dirigindo-se a L3)) uma pessoa dizer

assim (+) Não (+) desde que o mundo é mundo já existe química (++) Desde o big bang que as reações estão acontecendo (+) Química (+) Aí outro vai dizer assim (+) Não a química só começou a acontecer quando o homem começou a manipular o fogo (+) que ele começou a fazer transformações na matéria/que é química (+) Aí outro vai dizer não (+) Química só começou quando os gregos começaram a se perguntar sobre do que eram feitas as coisas (+) os elementos básicos que constituíam a matéria aí isso é química (++) Aí outro vai dizer (+) Não a química só acontece com os alquimistas quando eles começam a manipular os materiais de fato e produzir substâncias (+) Aí outro vai dizer (+) não (+) química não é aí (+) mas só quando Boyle por exemplo define um conceito racional de elemento que aí você tem aí é (+) um afastamento da carga metafísica... a magia e a bruxaria da alquimia e agora tem química (++) Aí outro vai dizer não química é uma ciência nova de duzentos anos que começou com Lavoisier no século dezoito.

34. L3: E Lavoisier é considerado né (+) como o pai da química né?

35. P: Considerado por alguns historiadores pai da química moderna (++) Aí você fica nesse

problema/ quer dizer (+) tem toda uma dependência do que você entende por química (+) Química é ciência/ não química é uma técnica (+) química é uma atividade humana? Química é uma profissão? Tá vendo porque estamos falando de representações da química né? (+) Pra tentar estabelecer esses marcos aí né? (+) porque não é simples. ((exemplo dado pelo pesquisador fazendo uma analogia sobre quando pode ser considerado o nascimento, ou a existência de uma pessoa)).

36. L7: Não (+) eu acho que talvez o erro que eu vejo da frase ((referindo-se à quinta sentença de que

a química é somente física aplicada)) é o (+) É SOMENTE (+) não seria somente isso (+) é como se uma se auxiliasse na outra.

37. L4: A seis ((referindo-se à definição da química como uma técnica à serviço de outras ciências))

eu acho meio equivocada porque a química não serve SÓ pra auxiliar (++) ela é como se fosse a MÃE dessas outras (+) porque senão não existiriam as outras.

38. L2: Essa questão da técnica (+) eu não concordo que seja só uma técnica.

39. P: Isso (+) quer dizer/um bioquímico ou um engenheiro/ele usa da química/mas que as

finalidades são específicas dessas áreas né? A ideia é mais ou menos essa.

40. L4: Aí trata as outras ((em referências aos demais campos de conhecimento, tais como,

bioquímica, engenharia química)) como ciências e a química como uma técnica?

41. P: Isso (++) pronto? Mais algum comentário? Alguma coisa curiosa? Não? (++) Pode seguir?

((dar sequência à programação das atividades definidas para o primeiro encontro))

No episódio 1.1, o pesquisador teve duas intenções principais, ao iniciar as atividades: explorar a visão dos licenciandos acerca de algumas definições ou ideias sobre a química, apresentadas em livros didáticos ou discutidas em artigos de autores da Filosofia da Química; introduzir e desenvolver o conteúdo, objeto de trabalho da oficina. Participaram desse episódio seis licenciandos (L1, L2, L3, L4, L6 e L7).

No turno 1, o pesquisador abre as discussões dando oportunidade aos licenciandos de se pronunciarem em relação às sentenças apresentadas na atividade inicial. No turno 2, o

licenciando L4 imediatamente reconhece a origem de uma das definições apresentadas, como sendo dos livros didáticos e, ainda, sinaliza que compartilha com tal ideia. Essa fala evidencia a forte influência que tais documentos podem exercer, tanto na construção de concepções sobre química, de modo particular, e das ciências, de modo geral, contribuindo na formação discursiva dos sujeitos. Essa forma de pensar a química como ciência, evidenciada no enunciado do licenciando L4, pode ser interpretada em termos de compromissos epistemológicos e ontológicos próprios da zona epistêmica do perfil conceitual de Química.

No turno 3, o pesquisador responde à pergunta do licenciando L4, acerca da origem de uma definição para a química, e repete seu enunciado procurando checar o seu entendimento. Com isso, esse mesmo licenciando, no turno 4, chama a atenção para outra dimensão da química, o seu lado prático/experimental, sinalizando a importância de se considerar não somente o pensar, mas o fazer da química, o que, por sua vez, evidencia um compromisso com a perspectiva pragmática do perfil, a saber, a química como uma prática, uma atividade. A palavra “reações”, utilizada pelo licenciando L4, nesse enunciado, pode estar também fazendo referência ao aspecto submicroscópico, e não somente fenomenológico, por isso, podemos interpretar também essa enunciação em termos de compromissos ontológicos da zona processual do perfil, já que atribui à química a característica de poder ser pensada como processos que ocorrem com entidades específicas. O pesquisador, no turno 5, avalia positivamente o comentário de L4, indicando sua finalização e dirigindo o olhar para os demais participantes na espera da manifestação de outros pontos de vista.

No turno 6, temos a participação do licenciando L6, avaliando uma das sentenças apresentadas na atividade e trazendo um importante aspecto para o contexto discursivo, que é o reconhecimento de uma forma de pensar a química como entidade própria ou agente transformador da realidade. O uso do pronome oblíquo “si”, em seu enunciado, pode indicar essa interpretação ontológica em relação à química. Ao mesmo tempo, o licenciando L6 sinaliza, em sua fala, o papel dos valores que acompanham essa prática humana e que influenciam a tomada de decisão sobre questões envolvendo a química. Tais formas de falar evidenciam compromissos axiológicos, ontológicos e epistemológicos da zona aversiva do perfil conceitual.

O pesquisador explora ainda mais as ideias dos licenciandos no contexto dessa atividade, ao solicitar outros pontos de vista, a partir do turno 7. Nesse momento, outra sentença da atividade é analisada pelo licenciando L2, no turno 8, quando assume que a proposição dos eixos constitutivos do conhecimento químico, apresentados nos documentos

legais para o ensino de química na Educação Básica (em forma de um triângulo), abarcaria as características centrais da ciência química, no seu ponto de vista. A análise dessa sentença se estende até o turno 13 do episódio.

Entre os turnos 14-24, a questão das relações entre as ciências passa a ser o foco de discussão. Nesse segmento do episódio, os participantes parecem compartilhar da noção de que as ciências se complementam, ou de que não haveria uma ciência de maior hierárquia em um suposto rol das ciências. No turno 18, o pesquisador apresenta uma questão com a intenção de explicitar pontos relativos à perspectiva do fisicalismo, explorando uma contradição entre aspectos dessa perspectiva e as ideias apresentadas pelos licenciandos. Na sequência, os licenciandos L3 e L4, nos turnos 19 e 20, respectivamente, reconhecem uma espécie de “relativismo” dessa perspectiva filosófica, que também poderia se aplicar à outras ciências. No turno 20, o licenciando L4 expressa uma típica forma de falar que sugere compromissos epistemológicos e ontológicos com a visão de generalidade da química (a zona monista do perfil), ao atribuir prioridade à esta quando considera a realidade. Isso fica evidenciado no uso da palavra “tudo”, usada por L4, como uma resposta ao discurso introduzido pelo pesquisador no turno 18. O pesquisador, no turno 22, intervém na intenção de explora as ideias dos licenciandos.

No turno 23, o licenciando L3 parece indicar uma rejeição a um monismo que implicaria dar prioridade à determinada área do conhecimento científico, reconhecendo o papel da ciência enquanto atividade humana de compreensão da realidade, que se especializa em diversas áreas, as quais irão fornecer pontos de vistas particulares sobre estratos da realidade. O licenciando L1, no turno 24, atribui um lugar para a química, dentro de uma classificação epistemológica, ou seja, a das ciências da natureza, enfatizando essa noção de pertencimento, ao emprestar uma entonação expressiva à palavra “das”, em sua fala.

Entre os turnos 25 e 28 temos uma interação discursiva na qual é o licenciando que ao iniciar o seu turno de fala, apresenta questões ao pesquisador e aos demais licenciandos. As duas enunciações do pesquisador, nos turnos 26 e 28, tiveram tanto a intenção de dar resposta à pergunta, ao mesmo tempo em que guia o pensamento do licenciando para compreender a pluralidade de modos de se pensar o conceito em discussão. O foco dessa discussão é a origem da química, enquanto domínio científico, na história. O licenciando L3, nos turnos 25 e 27, parece indicar uma tomada de consciência de que falar de química implica estabelecer um sentido específico, ou seja, uma zona do perfil conceitual (a zona epistêmica), nesse caso, o tratamento da química como uma ciência.

No turno 29 temos mais de uma perspectiva de significação do conceito de Química em um mesmo enunciado do licenciando L3: uma característica da zona monista, expressando um compromisso que concebe a química como presente na realidade independente da consciência humana, fundada em uma perspectiva teológica; e uma característica da zona epistêmica que analisa a química como conhecimento, como ciência. Pode-se ainda interpretar essa fala do licenciando em termos da zona processual do perfil, já que seu modo de falar produz sentidos relativos aos processos químicos, reações, transformações que ocorreriam desde a origem do universo.

Entre os turnos 30-32, a discussão se dirige a aspectos da história da química, especialmente, quando o licenciando cita a alquimia no turno 30. Na sequência, temos um longo turno de fala do pesquisador, no turno 33, o qual busca problematizar a ideia de se estabelecer algum marco histórico de surgimento de uma ciência. Para tanto, ele apresenta diferentes possibilidades de definição de um marco de origem da química, na intenção de dar forma aos significados. Apesar disso, o licenciando L3, no turno seguinte, expõe uma ideia comum de atribuição de um “pai” de uma ciência, nesse caso, a química, apontando para o nome de Lavoisier. No turno 35, o pesquisador intervem, selecionando significados, ao aproveitar essa ideia do licenciando para problematizá-la, apontando elementos que destacam as fragilidades dessa concepção tipicamente positivista. Em seu turno de fala, o pesquisador discute explicitamente a possibilidade de mais de um modo de pensar o conceito de Química, com o fim de estimular mais ainda a discussão.

Entre os turnos 36-40 o foco da discussão se dirige à interpretação da ideia de química como técnica a serviço. Alguns licenciandos que se expressam nesse segmento do episódio, por exemplos, L2 e L4, indicam discordância com essa ideia, evidenciada por suas entonações discursivas ou gestos. O licenciando L4 inclusive sugere no turno 37 que a química teria influência sobre as demais ciências, atribuindo-a um papel de “mãe” das ciências, muito próxima da noção de química como a ciência central. No turno 39, o pesquisador atua marcando significados-chave ao enfatizar, concordando com o enunciado do licenciando L2 no turno anterior. No turno 40, o licenciando L4 reforça seu posicionamento apresentado anteriormente (no turno 37), discordando enfaticamente da sentença analisada, que identifica a química como técnica a serviço. Sua entonação expressiva no modo como faz a pergunta apoia nossa interpretação e sugere também seu compromisso com a perspectiva epistêmica do perfil conceitual, a destacar a legitimidade da química enquanto área do conhecimento científico. O episódio é finalizado no turno 41, com o pesquisador indicando o encerramento

da atividade, ao fazer uso de expressões como “pronto”, “não”, “pode seguir” em suas perguntas ao grupo de participantes.

Consideramos que a abordagem comunicativa ao longo desse episódio é do tipo interativo/dialógico em razão do pesquisador e licenciandos explorarem ideias e formularem perguntas, considerando diferentes pontos de vista em relação à definição do que é química: do livro didático, da história e filosofia, dos próprios licenciando. O pesquisador propôs desde

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